dos manifestos.Não à liberdade para dizer que sim!
Não à ditadura das manhãs! Queremos dias que comecem à hora do chá, ou terminem antes de almoço; dias feitos apenas de tardes e crepúsculos. Queremos janelas entaipadas e luzes acesas até o sol ir bem no alto, e saudar com um «bom dia» quem apareça a meio do serão para o pequeno-almoço. Porque há-de a meia-noite estar condenada a acontecer em plena escuridão? Que venha às três da tarde, se lhe aprouver!
Não à prisão do espectro que submete as cores à sua ordem! Que se torne verde cor primária, e que se faça do azul, o primeiro da sequência – ou então o último –, e se ponha no centro o violeta, para lhe dar oportunidade de brilhar.
Pela emancipação das notas musicais! Faça-se cada uma, livre e solta, desligada das pautas e divorciada das escalas, senhora do seu destino, sem que a considerem um passo intermédio entre outras duas quaisquer.
Contra a hierarquia das letras, que dita quem se pode agrupar e quem jamais se junta! Torne-se o «J» vogal, ande o «T» de mãos dadas com o «F» e o «Z», ponha-se a maiúscula no final da frase em vez de no começo. E contra a exclusão dos acentos e sinais de pontuação! Que sejam considerados membros de pleno direito dos alfabetos, uma vez que contribuem em igual medida para a legibilidade dos textos.
Contra a tirania das capas que oprimem o miolo dos livros! Porque se afirmam representantes, mesmo que mintam; porque se adiantam ao texto e prometem o que nunca consentiram as respectivas palavras; porque são descartáveis e mudam de edição para edição, ou até pulam para outro livro, com a infidelidade que se lhes conhece; porque se apropriam do prestígio do fólio e se pavoneiam – apenas elas – em todos os anúncios e montras.
Façam-se porta-vozes as folhas em branco, e secundários, os títulos!
Façam-se livros só de notas de rodapé, autónomas e independentes, como há muito merecem! E em nenhuma parte destes livros se inscrevam nem se relembrem os dominadores excertos de base que a elas remetem.
Não à subserviência dos afluentes, esses fluxos menosprezados impedidos de ascender a outra categoria, como se existissem para o mero enriquecimento dos rios em que desaguam!
Contra a ditadura vertical das escadas! Porque há-de ser a horizontalidade apanágio dos passeios? Porque negar aos degraus a ondulação da vida, que, sim, sobe e desce, mas também recua e caminha em círculos? E se o universo é tridimensional, porque equacionar as subidas com sinónimos de êxito (e também lições de queda), enquanto as descidas são a temida via para os infernos?
Não à insistência dos caminhos em determinar destinos! Que seja de quem caminha a decisão de por onde ir.
Contra as curvas, por imporem desvios aos propósitos rectos e confundirem os sentidos! Por obrigarem a seguir para os lados, e por vezes retroceder, quem só pretende avançar. E nesta lógica, contra as rectas também, pela sua entediante e banal previsibilidade que não encerra mistérios nem desafia o espírito humano!
Contra o ir antes do voltar! Que tenhamos por opção chegar sem nunca termos partido.
Não às consequências! Sem estas críticas sentenciosas, todos os actos seriam puros, inocentes, ingénuos ou inspiradores.
A favor da transitoriedade dos nomes pessoais! Porque manter o nosso nome – um nome imposto por outros, antes de se dominar sequer o dom da fala – ao longo de uma vida que, por definição, não é imutável? Varie o nome ao sabor das etapas da vida, dos gostos, humores, ideias, ou das simples horas do dia.
Não aos guarda-chuvas, às galochas e sobretudos! Não às sandálias e aos fatos de banho! Não às camisolas e às saias e às calças! Não à roupa em geral, que se intromete na conversa entre o corpo e a natureza de onde nasceu.
Em defesa do desfecho desgarrado, da conclusão finalmente solta dos argumentos, do final sem início! Que possam mostrar o seu valor, saindo da sombra de tudo o que os precede e que nem sempre lhes faz jus.
Contra a exclusão do que se omite! Porque no pouco está o todo, e no pequeno está o grande, tal como está no pequeno e em tudo de intermédio, e que, não sendo dito e considerado, sedentário se torna, e logo esquecido, e logo incompleto.
E por fim, não a tudo o que atrás foi dito! Que venha o fim das imposições e o descasar dos átomos e a exploração infinita do individual, na consagrado mistura a livre palavras novo que alcançar um das sentido consiga mundo para justo verdadeiramente!