Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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19 Outubro 2024

É quase uma obrigação explicar à partida que Cinder se trata de uma interpretação "moderna" da conhecida história da Gata Borralheira (Cinderela noutras paragens). A autora, Marissa Meyer, não só admite abertamente a inspiração como a usa como força vital da narrativa, enchendo-a de piscadelas de olho (há príncipes e reis, há rainhas más, há sapatinhos - ou um pé inteiro, neste caso - que representam a legitimidade). Mas não se fica pelo óbvio, e é neste ponto que o "moderna" se apresenta, com aspas e tudo.

Cinder é orfã, maltratada pela mãe de acolhimento que serve também como sua dona... porque Cinder é ciborgue. Algures no seu passado, e ligado com a perda dos pais, Cinder foi vitima de um acidente aparatoso que lhe destruiu parte do corpo, e para a salvarem, os médicos implantaram-lhe substitutos cibernéticos. Este procedimento médico milagroso aparentemente tornou-se anátema neste mundo, retirando o estatuto de pessoa jurídica autónoma a todos os transformados. Uma injustiça sistémica que dialoga com as preocupações actuais e contribuem para que a resistência individual de Cinder seja também contra o sistema.

A possível leitura política é distraída pelo necessário conflito que opõe a Terra à Lua, cujos habitantes vivem em colónias artificiais sob a ditadura de uma rainha ambiciosa. Apesar de mais populosa e cheia de recursos, a Terra está contudo em desvantagem, pois os lunares adquiriram geneticamente uma forma de controlo mental sobre os outros. Além disso, a Terra está assolada por uma peste imparável, à qual os lunares estão estranhamente imunes. Assim que entra em cena, Cinder nem sequer tem tempo para um monólogo interior, pois o romance atira-a de imediato no turbilhão do enredo, atacando-lhe a irmã preferida com a doença e revirando-lhe a existência, desagradável mas estável, e colocando-a no caminho de personagens que vão desconfiar da sua verdadeira origem.

O livro é muito divertido e movimentado, embora peque por ser o primeiro de quatro, pois queremos continuar a seguir o rumo de Cinder. Recomenda-se sem reservas, e aguardamos ansiosamente pelos próximos volumes da Kathartika.

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05 Outubro 2024

Comparar os dois vídeos seguintes, em que se toca a composição Water Walk de John Cage (e ouvir a descrição categórica do título: «It's about water and I walk», que encosta a um canto tanta sobranceria criativa) - compará-los, dizia eu, no tempo, no local, na forma de apresentação, na receptividade, e apreciar a distância que esta obra percorreu, aquilo que ensinou, a forma como transformou e se transformou no mundo, o respeito conquistado, é, para mim, um exemplo objetivo e inquestionável de verdadeiro sucesso artístico.

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