Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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29 Julho 2010

No Final Dos Nossos Dias somos medidos pela generosidade. Generosidade que traduz, e revela, riqueza interior - algo para partilhar, algo que merece ser partilhado, algo de valor reconhecido pelos outros - e respeito - o reconhecimento de quem está do outro lado, tão difícil para certas personalidades... O riso, a dedicação e o profissionalismo são algumas das qualidades que este actor generosamente partilhou com o seu público em vida, e pelas quais, e por tantas outras, será lembrado. Tive testemunho pessoal desta generosidade - há mais anos do que conta a História, numa tertúlia que não constará dos anais, terá dedicado preciosos minutos na tarefa inglória de ler uma secção do conto «Os Poetas da Rua» do Futuro à Janela de um autor jovem e tímido. Algo que lhe calhou por sorteio ou escolha - a memória já não sabe. Mas não precisava de ter participado, e outros não o teriam feito com tanto profissionalismo. Obrigado, António. Oxalá houvesse um palco eterno no qual pudesses espicaçar as hierarquias dos Céus com as tuas personagens iconoclastas, ao invés deste maldito nada ao qual estamos todos condenados.

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24 Julho 2010

Existe Uma Dinâmica recente na minha vida, na qual, se não consigo convencer-me a assistir a um filme na semana de estreia, serão grandes as possibilidades de só o encontrar no formato vídeo. O que tem o seu historial de ser, tendo a experiência cinéfila sido transformada num esvoaçar dos pirilampos-telemóvel na escuridão enquanto a audiência envia SMS a não sei quem, acompanhados com a banda sonora de dezenas de baldes de pipocas e refrigerantes a descerem gargantas alheias. Desta vez, cheguei a presenciar inclusive uma situação em que a empregada do bar, ainda que discretamente, entrou na sala em plena exibição para trazer uma encomenda a alguém. A ida ao cinema procura adoptar de propósito os maneirismos e circunstâncias de assistir-se a filmes no sofá lá de casa - quando conseguirmos estar de cuecas na sala de cinema, sei que teremos atingido esse objectivo.

Inception teria sido correctamente traduzido para Germinação - trata-se afinal do germinar de uma atitude a partir de uma ideia, frase que reconhecemos do quotidiano. As ideias são resilientes e também perigosas; as ideias são o que nos define, afirma o filme - ainda que não se deixe enganar pela sua própria retórica e demonstre, em bom jeito de storytelling, que quem nos define são, afinal, as atitudes.

O filme, que vale tanto ou mais pela vertigem visual que pela narrativa algo confusa, lida com a capacidade tecnológica de invadir, manipular e partilhar sonhos - neste caso, para «roubar» informações ou «implantar» ideias, num cenário de espionagem industrial. Os sonhos são assim cenários de realidade virtual, até certo ponto, e como tal, com liberdade de ser e acontecer. «Vamos filmar sonhos» parece, então, tornar-se na frase redentora de um realizador em Hollywood. Despoja-se de formas e estruturas aceites. De repente, tudo é possível no palco cinematográfico, a metáfora invade a história, a cenografia solta-se das amarras e pelo guião voam ruas que se dobram e bares que se inclinam para demonstrar que a vida pode ser ilusão - algo a que, penso, já o Shakespeare aludia. O cinema aproxima-se da sua plenitude enquanto arte, e não se limita à montagem de sequências captadas por uma câmara passivamente observadora: a imagem torna-se ela própria um veículo de narração. O foco sobre o plano que define um filme convencional, o foco necessário para incidir sobre a história, é aqui limitador. Queremos olhar para o lado. Queremos ver uma Paris totalmente dobrada sobre as nossas cabeças. Assim manipulada, para fins narrativos, a imagem revela a sua potencialidade enquanto forma e inspiração, igual potencialidade que reconhecemos à palavra escrita.

É inevitável fazer comparações com Eternal Sunshine of the Spotless Mind (não conspurcando o título, que é uma citação de Pope, com a pretensa versão portuguesa), obra cinematográfica de referência sobre o habitar do espaço mental. Mas neste jogo de lado a lado, Inception fica a perder, pois está mais interessado no virtuosismo que na viagem emocional. Se a derrocada progressiva do protagonista de Jim Carrey é sublimemente apresentada como uma luta contra o esquecimento, através do apagar de luzes e do derrube de estruturas, as construções imaginadas de Inception são pinturas fantásticas destinadas mais a provocar o assombro no espectador que propriamente o envolvimento narrativo. Os personagens são relativamente ocos, e um deles acaba por reconhecer até que não passa de turista na acção. Gostaria de crer que se deveu a um artifício inteligente por parte de Chris Nolan - que toda a história era um sonho muito elaborado, e que portanto só o protagonista é que teria alguma profundidade -, mas a abordagem, um meio caminho nunca bem definido entre filme de aventuras e pretensa «golpada» e herói a querer redimir-se do passado, não é o que sugere. Ainda que exista a (inevitável) dúvida sobre a natureza da realidade, e que Nolan tenha plantado alguns indícios, como a pista de os miudos nunca mostrarem a cara, inclusive na sequência de flashback; como a informação de que o pião só gira eternamente nos sonhos da ex-mulher, indicando-nos que a história é na verdade o sonho dela, o que implica que teria sido ele a receber a Implantação e a matar-se... 

Não é displiscente relembrar a entrevista que Nolan deu no seguimento da estreia de Memento - um filme mais inteligente e bem sucedido em questionar a natureza da realidade -, na qual afirmava que, com o advento do DVD e do cinema em casa, os filmes tinham de aguentar-se a visionamentos repetidos e oferecer continuamente perspectivas novas. Aqui, e não obstante um par de sequências delirantes filmadas em tambor rotativo (talvez o melhor uso do mesmo no cinema desde 2001), a novidade acaba por desvanescer-se, como um sonho do qual se acorda.

Uma nota final: ao contrário de Abigail, e mesmo concordando com muito do que afirma, não consegui classificar este filme como ficção cientifica. Por muita explicação que seja apresentada em outros assuntos, a realização do sonho partilhado é algo completamente posto de lado, e não é uma veia injectada no braço que me vai convencer da capacidade tecnológica.

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20 Julho 2010

Sem Mais Informações que os dois trailers insalubres, a inevitável e nada original sequência dramática no cimo de um prédio, as frases promocionais pretenciosas («a vida é ampla»?) e erradas (são 7 mil milhões de pessoas, e não 7 biliões *), e a vaga desconfiança de que o filme esteja a querer pavonear-se perante o mercado norte-americano com elevado grau de amadorismo, é com bastante receio que encaro esta recente tentativa de fazer ficção científica às mãos de portugueses. Para tal, não ajudou deparar-me com um Joaquim de Almeida a sair do carro após o que devem ser horas de condução em pleno deserto norte-americano com o fatinho imaculado e sem um único vinco (bastaria tirar-lhe o casaco, senhores...), para ser salvo do acto a que se propõe pela voz do GPS (que se limita a reagir de sinais de satélites em órbita, o que não é, portanto, indicação de que esteja mais alguém vivo no planeta, o que o protagonista deveria saber) - o único traço que salvaria a cena da banalidade estaria, no mínimo, em utilizar a pistola contra a voz irritante do dispositivo, antes de retomar o intento. Mas para quê tentar-se a diferença? Ou sequer a ironia?

Além disso, o facto de ante-estrear num centro comercial creio que diz biliões... perdão, milhões.

(Bem, oxalá me engane.)

* - corrigido numa versão mais recente do mesmo trailer.

Actualização: o sempre atento Luís Rodrigues, faz notar, e bem, o seguinte: «Já dizia Einstein que tudo é relativo.  E relativisticamente falando, todos os satélites GPS sofrem com dessincronizações por dilatação do tempo, diferenças na velocidade angular entre o satélite e o receptor à superfície, excentricidades da órbita, etc.  Tal significa que estes satélites têm de ser constantemente monitorizados e os relógios de bordo corrigidos.  Alguma monitorização é automática (partindo do princípio que os computadores de sincronização têm corrente eléctrica para funcionar), mas não é resposta a todas as emergências.  Por isso diria que o bom funcionamento do GPS é um excelente sinal de que há outros seres humanos vivos no planeta, entre outras coisas ocupados a sincronizar os relógios dos satélites numa base militar algures no Colorado.» Infelizmente, o Luís, que eu saiba, não foi consultor criativo do filme...

Já temos entretanto crítica e opinião fundamentada.

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O Dia Acordou, surpreendentemente, com citações de Kurt Vonnegut Jr., em particular: «Any reviewer who expresses rage and loathing for a novel is preposterous. He or she is like a person who has put on full armor and attacked a hot fudge sundae.» Ah, e com a descoberta da elevada toxicidade do paracetamol, que tem um nível mínimo de sobredosagem muito baixo (cinco vezes inferior ao da aspirina), podendo resultar em graves lesões hepáticas, a qual deu outra perspectiva ao futuro custo/benefício de aliviar as mazelas da gripe (as minhas leituras estão algo eclécticas...).

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