Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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29 Agosto 2007

O NOVO LIVRO DE WILLIAM GIBSON já pode ser adquirido nas Fnacs portuguesas, e é, como antecipava, a primeira obra mainstream do precursor do ciberpunk moderno (por muito que ele o negue) - embora como apenas ele seria capaz de o escrever. Não uma reflexão sobre o passado distante, mas sobre o dia de ontem, sobre a hora que agora terminou. Esta perspectiva do presente intensificado, aquele que acabou de acontecer, percorre Spook Country, algo que é assumido pelo próprio autor como resultado da sua incapacidade de discursar sobre o futuro por não conseguir descrever precisamente o mundo em que vivemos. Este singelo obstáculo reflecte de certa forma o cerne do género e da crise por que passa, na qual está a perder a primazia para romances escapistas de fantasias juvenis. Mas se esse é o facto, o passado, devíamos perguntar: o que surgirá a seguir? Uma cisão profunda entre os autores de tecnothrillers pós-era-da-informação e os viajantes do espaço cósmico, de tal forma que se situarão em géneros comerciais completamente distintos? A recuperação pela FC tradicional da inocência e simplicidade dos anos 50 de forma a competir com outras obras de intenso escapismo e recuperar a audiência perdida? E no que respeita à sociedade em geral, neste estado de complexidade incremental, quem ditará as regras no fim do dia, quem será competente para seguir e ver a big picture, como legislar o progresso tecnológico?

(...) We’re doing things differently and we’re doing them more differently as we go along. And there’s no plan. There’s no plan for any of this. No one legislates that there’s going to be cell phones; they just get invented. Then we try and legislate it after the fact to make sure that what happens from having cell phones is OK. New technologies emerge and they start changing our society in ways that nobody, least of all the inventors of these things, ever intended. That’s the way in which the world is fundamentally out of control.

É verdade. Não temos qualquer plano para o progresso tecnológico - e por arrastamento, nem para a evolução socio-cultural. Não é mandatório que os técnicos registem a intenção de conduzir pesquisas. Nenhuma empresa é obrigada a fazer um estudo de impacto social antes da introdução no mercado de novas tecnologias: uma avaliação efectiva da contribuição de determinado aparelho, que grupos sociais verão o protagonismo respectivo incrementado e quais o perderão com a mudança, que conceitos e semiótica se prevê desenvolverem-se pela interacção com o novo aparelho e como se disseminarão no tempo, e de que forma serão afectadas as classes etárias mais antigas e resistentes à mudança. Somos livres de dispender o tempo e o esforço humano à nossa disposição em actividades sem controlo social e que podem não conduzir a benefícios práticos para a vida quotidiana (por exemplo, as horas de investigação dedicada à cosmética perante as dedicadas a algumas áreas da saúde).

É um facto. Não é uma proposta para que o façamos, apenas que não vejo argumentações (literárias) de futuros em que isto poderia acontecer, nem argumentações contra e a favor, e é função do autor de FC (entre outras) questionar o impensável - se não questionar, que falta faz o que escreve?

E depois há umas preciosas gemas nesta entrevista que nos remetem para o motivo pelo qual demos origem ao termo TecnoFantasia, e o que significa para a alma humana:

There are now so many ways for people to get intensely and even emotionally involved with things that are happening to them, but that aren’t physically happening to them. They’re just happening on a screen. And that’s so much a part of the culture that we take it absolutely for granted. There are ways of looking at it that sort of reveal how strange it is. If my great-grandfather, if you told him that he was about to hear a dead man sing and he believed you — it probably would’ve horrified him — if I’m walking into a supermarket and Elvis is singing “Heartbreak Hotel,” I don’t start shivering. I just take it for granted. So there are these dead people who are out there singing, and they’re probably gonna be singing forever. Not only are they singing, they’re earning money!

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27 Agosto 2007

A RELAÇÃO ENTRE POLÍTICA E FC parece inevitável, e no entanto é raro (considerando as centenas de títulos publicados anualmente, nos paises de expressão anglo-saxónica e não só) encontrar uma obra verdadeiramente constestatária do status quo. A fantasia comercial, então, peca pela ausência absoluta de questões relacionadas com o poder e o determinismo social, no sentido em que o protagonista, ou parte de uma condição de nobreza/monarquia ou a atinge mediante o cumprimento da missão que lhe fora fadada - não me recordo de uma obra (séria) recente em que o pobre coitado é enganado pelos ricos a arriscar a vida na conquista do anel/fios de cabelo/porta-chaves mágico em questão, para no final ser despojado e continuar pobre e a sustentar uma dúzia de putos. Mesmo assim, é de admirar (ou talvez não, afinal Portugal continua a ser assolado por um debate de esquerda bastante activo, para o bem e para o mal) que um dos prémios Caminho tenha sido a Euronovela do Miguel Vale de Almeida, recuperando o tema iniciado por Saramago em Jangada de Pedra  sobre a identidade portuguesa na Europa unida. John Barnes, que tem como profissão a fascinante actividade de consultor em semiótica estatística, acrescenta algumas considerações - bastante americanizadas - à questão, e oferece igualmente (a par do presente post) poucos exemplos concretos na literatura (os quais podem ser encontrados aqui, para referência adicional). Mas vale a pena destacar as seguintes ideias sobre a postura de um autor perante o tema:
The habits of mind required for a novelist are antithetical to those required for political participation.  A hard-working, competent politician will open a can of worms only as a last resort, and then try to discard the bad worms, make the good worms line up straight, and ultimately put all the good worms back into a better can.  A fiction writer who is serious about writing good fiction will open the same can just for the hell of it, with a joyous shout of "Wow!  Cool!  Worms!" in order to play with the worms, show the worms to friends, give the worms names, dress the worms up in costumes, attempt to interview the worms, and perhaps try to become a worm.  Naturally the can is thrown away at once, because the worms need room to tangle and copulate and make more worms; if the worms are to be put into anything, it will be something more interesting than a can, perhaps a flower pot, bathtub, or gravy boat.

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21 Agosto 2007

QUEM DIRIA QUE A ESPECULAÇÃO ANTECIPA A PRÓPRIA FICÇÃO? No meu conto «A Casa de um Homem» (revista Bang! nº 1, Edições Saída de Emergência) tentei inovar no conceito de meios de transporte: imaginem um habitáculo pequeno, que contenha um mínimo de condições para repouso e existência, quase como um quarto de hotel, no qual o viajante entra tendo como objectivo chegar a um destino, sendo-lhe perfeitamente indiferente se o fará por mar, terra ou ar. Esse habitáculo, construido de acordo com um standard internacional, tem capacidade de se afixar às carlingas de veículos de transporte de cargas que façam rotas permanentes - preferencialmente de baixo custo energético - e que possam depositá-lo num próximo destino intermédio para ser colectado pelo veículo seguinte.

Imagine que pretende deslocar-se a Londres; imagine inclusive que habita numa vivenda e que uma secção da sua casa é destacável e está consagrada a este tipo de viagens. Faz as malas, muda-se para o habitáculo, e solicita o seu destino, sendo-lhe apresentadas rotas alternativas, cada qual com a sua duração, momento de partida e custo. Escolhe e aguarda. No momento indicado, surge um camião que anexa o seu habitáculo à respectiva carga e dá início à sua viagem. Dali em diante, passa por uma sucessão de transbordos: é colocado num comboio expresso com destino ao aeroporto, aí chegado o habitáculo é confortavelmente (mais solavanco, menos solavanco) depositado na carlinga de um avião de carga massivo que enceta rumo ao aeroporto mais próximo do destino; já em Inglaterra o seu habitáculo anexa-se ao lugar que lhe está reservado no próximo metro para o centro da cidade, e finalmente, porque assim o solicitou, é anexado numa das estruturas receptoras que abrigam temporariamente viajantes - poderia ter escolhido permanecer num hotel, e neste caso o habitáculo seria (por sua escolha) devolvido à precedência automaticamente ou armazenado num silo até ao momento do regresso. Claustrofobia de passar tanto tempo fechado? Possivelmente o avião e o comboio teriam serviço de bordo, espaços restaurante - inclusive outros habitáculos - onde iria relaxar durante esse período da viagem.

Haveria efeitos secundários indesejados nesta tecnologia? Bem, o conto em questão menciona um: que piratas informáticos poderiam convencer a sua casa (se fosse toda ela um habitáculo móvel e inteligente a ponto de cumprir tarefas automáticas - por exemplo, deslocar-se a um lugar de limpezas domésticas - sem intervenção humana) a deslocar-se sozinha para o outro lado do mundo... sem o dono.

Eis como descrevi o conceito - nesta cena o protagonista dirige-se a Nova Iorque em busca da sua casa raptada:

            (...)Mas acabaria por fazer eu a viagem, numa casa alugada, um pequeno quarto com kitchnette e lavatório no qual mal me podia mover. Passei horas a sobrevoar o Atlântico, congeminando as próximas acções e informando-me intensamente sobre os movimentos secretos do submundo informático. (...)

            Aterrei no porto de Nova Iorque, no meio de uma tempestade que erguia ondas ferozes contra os pontões fortificados de Manhattan e faziam balançar os barcos de bambu, atados uns contra os outros, a ligar os dois braços do rio. Como era possível viver ali, pensei, enquanto aguardava a aproximação de um transportador que me levasse para o nicho alugado de uma estrutura na Sétima Avenida; segundo a net, viviam mais de dois milhões de almas naquelas embarcações frágeis que via acomodarem-se à vontade do mar pela janela do quarto. Nova Iorque era actualmente mais parecida com o caos associado ao imaginário de Hong Kong, que esta própria.

            Quando a casa alugada se fixou na estrutura, fui ao encontro de um amigo de longa data. Se era tão desenrascado como antigamente, iria encontrar forma de nos levar ao epicentro do sinal lançado pela minha casa. (...)

E porque um retrato tão detalhado? Porque acabo de descobrir um artigo datado dos anos sessenta que descreve um conceito aproximado, e de que não tinha conhecimento até hoje, mais uma prova de que ideias idênticas surgem espontaneamente ao longo das eras e das culturas:

(...) Martin Schaffer, chairman of the board of an airplane architectural firm, envisions "containerized" passengers transported from near their homes to the plane and then to their destinations without leaving the seats in which they started. (...) Shaffer foresees passengers with their baggage boarding a "pod" from gathering points in the area serviced by the airport, Shaffer explained that the pods would be car-like compartments running on monorails through tunnels like an underground system or on an air cushion. Several pods, carrying about 75 passengers each, would be scheduled for a specific flight, Shaffer said, and after picking up the passengers at designated stops, would go directly to the field. Instead of seats for passengers, planes would consist of a large frame in which the pods would be inserted, the way baggage compartments are insterted into a frame now, Shaffer said. The pods could be detached from the air frame upon landing and could carry the passengers to different points at their destination, he said. (...)

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20 Agosto 2007

UM DIA ESPECIAL PARA OS AMANTES DO TERROR. Há mais de um século nascia H. P. Lovecraft. Há quase um século preparava-se o primeiro encontro entre tropas britânicas e germânicas na frente de batalha da Bélgica, cujo desfecho aparentemente milagroso (a intensidade de fogo dos ingleses confundiria os alemães, levando-os a pensar que estariam a defrontar um exército de maiores proporções e dessa forma permitiram-lhes a retirada) serviria de base à lenda do Anjo de Mons, eternizada em relato pelo discreto Arthur Machen, cuja abordagem fantástica encontrava lendas de perigosa sedução na geografia dos terrenos campestres e do corpo feminino. A reunião destes elementos encontra-se (uma das possíveis versões de) descrita em «Aquele Que Repousa na Eternidade», in Sombra Sobre Lisboa, Edições Saída de Emergência, 2006, da qual vos deixo um extracto:

           O vigésimo-quarto aniversário do rapaz é celebrado sem grande pompa e circunstância. Corríamos nós em direcção à vila e quem a habitava fugia de lá, de pertences recolhidos em grandes trouxas feitas de lençóis atados com nós nas pontas e transportados sobre burros e cavalos e carroças, no meio de mãos-cheias de crianças e mulheres de olhar assustado. Os encontros eram quase sempre de uma mútua incredulidade e absoluto e silencioso respeito pela escolha da outra parte. Armagedão ou não, se o rapaz não tivesse recomeçado a ter ataques nocturnos dificilmente teria aceite continuar, e o Parsifal que se lixasse.

            Mas ser interrompido a meio de um jantar numa casa de campo com o rapaz a gritar impropérios subitamente ao ar vazio, assustando o dono que era velhote e se recusava a abandonar a casa, mesmo com a possibilidade de uma nova guerra – assustando-nos a nós todos, pois não houvera provocação aparente, desta feita, para se levantar e caminhar como se possesso, brandindo os punhos e falando naquela língua antiga cujo sons despertavam significados, mais ou menos, desconexos em mim (quem pairava sobre nós? Quem se encontrava do lado de fora da casa?) – Parsival tentando acalmá-lo e levá-lo a sentar-se, e lá fora o vento a soar com mais força, chiando nas frestas das janelas e das portas da casa de madeira – o rapaz dirigindo-se de súbito para a entrada e apontando-lhe o dedo, invocando algum espírito, e de súbito, três fortes pancadas na noite faziam estremecer a porta de carvalho, calavam-nos a todos e eu quase perdia o controlo do esfíncter – Parsifal retirando do bolso uma pequena pistola que nunca lhe tinha visto guardar, mas cuja presença era naquele instante motivo de satisfação, e começando a dirigir-se muito lentamente, quase como num sonho, para a maçaneta – a voz forte que se ouviu de repente do outro lado, a anunciar em francês que se tratava da guarda nacional e a perguntar se estávamos todos bem – o suspiro colectivo de alívio, em particular do velhote, que se começou logo a rir e a responder ao visitante – Parsifal que guardava de novo a pistola antes de abrir a porta e revelar uma figura da mesma idade avançada que o nosso anfitrião, de espingarda ao ombro e farda policial a entrar e cumprimentar-nos – o espanto dele ao julgar que haveria um fogo intenso num dos quartos, pois quando caminhava pela rua vira um brilho espectral muito forte cobrir o telhado da casa térrea, formando um remoínho que pulsava – a troca de olhares significativos entre mim e Parsifal, o rapaz entretanto desfalecido numa cadeira - ser interrompido dessa forma e não conseguir dormir durante a noite porque estava continuamente a regressar àquele domingo e à ansiedade de Thomas e à teimosia de Hogarth e ao percurso descendente para o interior da terra e ao terror crescente nos olhos do velho árabe intérprete da linguagem inscrita nas paredes que me fazia acordar de pele arrepiada, e ficava a ouvir a voz gentil do rapaz americano, muitas vezes a dormir num catre junto ao meu, a repetir, baixinho, as mesmas falas que haviam sido trocadas naquele dia distante, a sonhar o meu sonho...

            Se Amy não tivesse morrido e Dorothie desaparecido em parte incerta e aquela maldita incursão às escavações tivesse sido oferecida a outra pessoa...

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19 Agosto 2007

OS PAÍSES PEQUENOS ONDE A REALIDADE É ESMAGADORA partilham de problemas idênticos, e se no nosso caso o vórtice económico que nos suga o progresso não é os Estados Unidos mas uma ideia de Europa que ajudámos a construir e cujo passo temos agora dificuldade em acompanhar (e mais uma vez lamento a falta de existência e divulgação de planos estratégicos a dez e vinte anos que orientem o país para o futuro - inclusive os grandes projectos de infrastrutura parecem ser mais motivados por interesses de lobbies do que por uma visão coerente e fundamentada do que deve ser o nosso desenvolvimento económico -, culpa exclusiva da classe política como um todo, mais preocupada com os trocos de final de mês do que em gerir decentemente o país - mas isto é uma longa discussão...), a verdade é que na ausência de uma perspectiva de futuro e na presença de uma realidade de desconsolo, o que morre em primeiro lugar é a capacidade de antever destinos possíveis. Não iremos a parte alguma porque não nos sentimos mover? A situação do México é muito parecida com a nossa, então, embora eles ainda consigam encontrar no resto da América Latina um espaço para contribuição literária que não possuímos - o Brasil está linguisticamente demasiado distante para tal, e não há Acordos Ortográficos que nos valham. Escrever para a gaveta não é opção, obviamente, embora seja nobre e compreensível a postura de Ramírez, pois o que não é lido não é criticado, e logo o autor perde a motivação e a noção de exigência pessoal. Pois, também não sei como resolver...

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15 Agosto 2007

LIMPANDO A COLECÇÃO DE LINKS que vou armazenando para um dia vos apresentar, eis um convite à navegação: uma entrevista com Robert Silverberg, uma colecção de postais ilustrados da autoria de Paul DiFillipo, uma lista de obras que fazem uso apropriado dos conceitos de astronomia e física - a maior parte das quais não disponíveis em português -, uma colecção de razões pelas quais a FC poderá desaparecer seguida de uma argumentação mais plausível e de uma abordagem mais pragmática, um guia para o estudo de Os Despojados, o relatório RAND sobre a possibilidade de descobrir planetas habitáveis, um interessante artigo sobre o processo da morte celular, e várias revistas online de ficção científica, terror e fantástico.

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13 Agosto 2007

SIMPSONS, SIMPSONS... O filme fica muito aquém do que poderia ter sido, pois aproveita mal a maioria dos personagens que durante anos a série nos veio habituando. A minha abordagem passaria por fazer um gigantesco smorgasbord de estória, com gags a 200km/h sobre assuntos da série e da actualidade. Aproveitaria para reciclar algumas anedotas antigas à luz da actualidade e proporcionar aos fãs momentos de nostalgia. Tentaria fazer um revisionismo face aos desafios colocados pelo Family Guy e South Park, que então não existiam. Infelizmente fica-se pela noção de um episódio extenso de hora e meia muito centrado nas trapalhices de Homer, que quase destroi Springfield. Numa nota positiva, faz jus aos melhores episódios, e é entretenimento puro com o ritmo e a pose habitual dos Simpsons. Talvez um dos melhores momentos do filme aconteça quando um dos homens mais ricos dos EUA se justifica perante o Presidente (que é o Schwarzenegger) porque se tornou seu conselheiro pessoal - diz ele que «a sociedade tinha-o ajudado a ficar rico, e agora sentia que precisava de contribuir de volta com qualquer coisa à comunidade... dinheiro, não! Qualquer coisa...»

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12 Agosto 2007

SEGREDOS TODOS OS DOMINGOS. Alguns são banais, alguns são terríveis, outros são confissões - a familiares e amigos, desaparecidos ou vivos; por vezes totalmente anónimos, por vezes sugerindo mensagens privadas que o outro poderá (se for ao site) vir a descobrir. Ocasionalmente encontram-se janelas para a alma humana. Quase sempre há um ponto de referência em que nos revemos - na vergonha, no medo. Histórias encontram-se presas nestas pequenas mensagens e poderiam ser construidas a partir delas. Infelizmente o arquivo de imagens é limpo todas as semanas - senão poderia mostrar que o site já foi mais interessante e está a tornar-se delicodoce e os segredos a perder a intensidade de outrora, não obstante a ocasional mensagem constrangedora, como foi recentemente a de uma ecografia de um feto ainda nas primeiras semanas e por baixo a legenda «Esta será a única fotografia que existirá de ti».

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E JÁ AGORA vão ver a Criatura - The Host, o filminho recém estrado de terror/humor sul-coreano sobre a tortura existencialista de um anfíbio com excesso de testosterona... contém o número suficiente de abordagens acima do banal para ser salvo da mediocridade habitual neste tipo de filmes, e inclusive algumas poderiam ser consideradas como cinema de qualidade. As actuações são vigorosas e empenhadas, sendo particularmente memoráveis quando da morte do ancião (notem como em câmara lenta, sabendo-se perdido, este limita-se a dizer aos filhos que prossigam) e quando da tentativa de salvação da rapariga no fosso enquanto o monstro dorme. Contém um excelente momento cinematográfico, uma pérola desenquadrada do resto do filme, no qual a miúda que procuram salvar surge em pensamento à família enquanto saciam a fome, e que me fez recordar Bergman. Infelizmente o enredo errático, o comportamento inverosível dos orgãos de poder e das forças de segurança, a ausência de uma «atmosfera de medo» sólida e permanente, e a sensação excessiva de que o verdadeiro personagem não será a criatura mas o sistema de esgotos do rio Han (à semelhança de Person, também me ocorreu que o leitmotiv do filme teria surgido ao realizador durante uma visita aos mesmos) não lhe permite ascender ao estatuto de um Alien, ficando-se por um Tremors vitaminado, e demasiado longo (hora e meia teria sido suficiente). Perfeito para uma noite de domingo após um dia de praia.

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A INSATISFAÇÃO DE CONTRIBUIR para a discussão eterna entre Ficção Científica e Mainstream, e respectivos méritos e justificação literária, é de entender que, como em qualquer contenda humana segregacionista, ambos os lados promovem a dissociação ao invés da síntese, o unilateralismo ao invés da fusão, dificultando a percepção das reais causas da guerra. Se o mainstream é criticado (com toda a justiça) por fazer incursões supostamente corajosas nos territórios ocupados pela FC, laudadas como verdadeiras invasões mas que na verdade nem sequer desembarcaram na praia (veja-se o caso de Sob a Pele de Michael Faber, os Filhos do Homem da P. D. James, ou a recente Estrada), a Ficção Científica assume demasiado facilmente a pobreza do mainstream como contendo exclusivamente romances sobre relações, sexo e intimismo, condenando ao oblívio obras como Gente Feliz com Lágrimas, O Vermelho e o Negro, Look Homeward, Angel, Morreste-me. Ambas as posturas são irredutíveis, e sinceramente duvido que um casamento se venha a efectuar, ou que seja mesmo desejável - os compromissos para tal união iriam certamente fazer diluir as características essenciais e específicas de cada género e criar algo morno e tépido e intragável, como uma matiné de Hollywood para as famílias. No entanto, como em todas as guerras, existe uma perda, neste caso uma Terra de Ninguém que é cultivada nem explorada ao máximo do potencial - quer por escritores quer pelos leitores. Um terreno no qual poderiam surgir pérolas de síntese capazes de demonstrar que, não só é possível construir a metáfora de FC e adorná-la com uma sensibilidade umbiguista (impossível de evitar, pois todos nós temos umbigos) sem perder a noção do transcendente, como é preferível que tal aconteça, para ganho global da obra (não duvido que as pérolas se enterrassem no meio de muita, mas mesmo muita porcaria, mas também acredito que de uma forma ou outra algumas acabariam por brilhar e demonstrar novas formas de escrever).

Existem e continuarão a existir ocupantes desta Terra; são apropriados com maior ou menor vigor por diferentes facções do mainstream e da FC, consoante os pesos relativos que cada uma das facções encontre das respectivas práticas nas obras. Steve Erickson é praticamente ignorado pela FC, Ballard existe num equilíbrio instável do qual a sua ficção mais recente (comtemporânea) não veio salvar, LeGuin encontra muitos apoiantes pela sua prosa articulada e pela defesa do feminismo, M. J. Harrison apropria-se de temas fantásticos mas o seu foco é bem mais intimista, Banks diz que vai mantendo um pé em cada domínio mas na verdade nunca escreveu um livro de puro e assumido mainstream. Estes são apenas alguns - os anos 60 foram uma ocupação massiva da Terra de Ninguém, um verdadeiro Natal de tréguas, e no seu estudo poderão encontrar-se outros resultados igualmente válidos (Moorcock, Anna Kavan, Joanna Russ), mas que por várias razões não são reconhecidos (os que ainda escrevem) pelo núcleo duro dos géneros como contribuidores activos.

Numa clareza que poucos dentro do género possuem, Daniel Green fala-nos da necessidade do realismo e da natureza do enredo. E de facto, nos autores evidenciados, encontramos preocupações de estilo e propostas literárias que procuram alternativas às soluções normalmente encontradas nestas áreas. Nos livros de Erickson não há um enredo explícito, normal, descodificável pela maioria dos leitores. Ballard sempre tentou esquivar-se à necessidade de uma estória, mas interessantemente pela acentuação do realismo, pela construção de um cenário artificial onde se encontrassem os códigos para o desenvolvimento do enredo. Le Guin aborda esta contenda com conservadorismo, o que lhe valeu um punhado de excelentes obras no decorrer dos anos 60 e 70, e se a sua única e corajosa incursão nas profundezas da Terra de Ninguém (com Always Coming Home) não recolheu os frutos que desejava (o interesse pela excessiva análise antropológica de uma cultura completamente inventada possivelmente não teria muitos adeptos entre os que não são antropólogos à partida), talvez isso se devesse ao facto de não ter ido suficientemente longe, de ter encontrado soluções fáceis e inventado uma cultura pré-tecnológica em tantos moldes semelhantes às existentes na actualidade que em nada nos transmitia a sensação de iluminação e estranheza indispensáveis a qualquer distorção da realidade. Harrison diminui a importância do world-building, e de facto quem leia um conto como Tourism reconhece uma forte presença autorial mais interessada na reacção humana face a desafios da realidade, e se a FC o apropria para si é por pensar reconhecer em Light e Nova Swing (apenas porque falam aparentemente sobre viagens no espaço e singularidades) pontos de contacto comuns.

Partilho de muitas das opiniões do comentário no blogue, contesto outras. O realismo obsessivo, pormenorizado, barroco (apropriando-me de uma caracterização singular de Jorge Candeias perante a ficção de João Barreiros) é indispensável para a FC, e muitas das vezes fundamento do prazer da leitura. De que outra forma trazer à vida um mundo que não existe, de concretizar uma metáfora? O perigo, ou pecado, está em cometer excessos, em querer tornar demasiado precisa a caracterização, de tal forma que o pormenor se torna técnico e logo distorce a função de metáfora e se torna em mero proseletismo, mesmo sem haver intenção de. Pessoalmente, sempre me aborreceu a ficção que precisa de situar-se num tempo e num espaço, e daí a minha reserva (in)consciente em carimbar com datas precisas o momento da narrativa. A viagem literária é - tem de ser - essencialmente uma viagem interior, uma viagem de percepções, salpicada com condimentos de pormenor espaço-temporal q.b., inevitáveis pois o que nos rodeia também nos povoa a mente. E embora admire, e me encante, o excessivo pormenor técnico sobre funcionamento dos átomos, das dobras espaciais, das peculiaridades relativisticas, também reconheço que muito deste prazer provém do desconhecimento - um físico, um biólogo de profissão terão leituras diferentes. É uma sensação - desconfio - partilhada pelo fandom de FC, e que ilude muita da apreciação do que é boa ou má ficção. Mas será que isto constitui literatura? Até que ponto conseguimos reproduzir o sucesso de Moby Dick? Pelo meu encontro fortuito com algumas obras do passado, poucas se salvam à tenacidade do tempo - a tecnologia é risível, as sociedades ingénuas, os livros mostram-se terrivelmente datados, e só algum saudosismo, com kitsch à mistura, impedem algumas obras de voltar à tona. Não é por acaso que apenas as obras que: a) existam hermeticamente em universos completamente inventados sem contacto evidente com o mundo real  (Vance); b) funcionem como sátiras (o grande exemplo da Guerra dos Mercadores); c) sejam tão vagas ou distantes nos postulados científicos que se poderiam inscrever no ponto a) (Dune, Wolfe) - apenas estas consigam ultrapassar a barreira dos tempos e sobreviver como obras permanentes de FC, e logo da literatura.

Está obviamente na natureza do leitor justificar as escolhas, porque daqui depende a sua identidade específica - é pitoresco notar como quanto mais detalhadamente nos apropriamos dos objectos preferidos (gostar deste e deste e daquele livro ou tipo de livros) mais estamos a comunicar ao mundo em que ponto nos encontramos no mapa literário. No final, reductio ad absurdum, cada leitor acabará por tornar-se num movimento literário próprio, e terá a liberdade de escolher sem sentimentos de culpa. Desde que se entenda esta liberdade, que esta liberdade existe e pode ser praticada sem reprimendas, nenhum mal virá ao mundo com tais discussões.

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02 Agosto 2007

A DESCOBERTA DO DIA. Stephen King estudou no liceu de Lisbon, Maine. Alguém interessado em abrir a escola de escrita criativa Maine, em Lisboa?...

Na qual se ensinaria apenas uma regra básica para a concepção da história, curiosamente ausente da maioria dos cursos: que tem de partir de uma vincada opinião pessoal, em forma de reacção face a determinado evento, a qual tem de ser dita pelo autor pois não está suficientemente representada pelos argumentos existentes...

Exemplos?

  • O Necronomicon é na verdade um manual de instruções técnico para a invocação de seres extra-dimensionais que se alimentam da inteligência e que se encontra fragmentado e disperso por todas as ficções lovecraftianas e derivados existentes [reacção perante o fenómeno Lovecraft, o equivalente da Rowling de então, um fraco exemplo das verdadeiras capacidades da literatura de horror mas ainda hoje extremamente famoso e influente] - «Aquele Que Repousa na Eternidade»;
  • o próprio espírito íntimo do criador pode ser igualmente resultado e objecto de uma concepção artística [reacção perante a história de vida de James Ellroy e o tipo de obras negras e acídicas que produzia] - GalxMente;
  • obedecer aos sonhos é inevitável mas perigoso, pois se primeiro fazem, depois desfazem [observações relativas aos meus companheiros de geração e aos problemas que nos assolam, agora que estamos a chegar à meia-idade] - «A Vida da Minha História»;
  • o uso ardiloso de mensagens publicitárias sobre assuntos publicamente delicados pode ser capaz de manipular intencionalmente multidões e desencadear a psicose colectiva [forte reacção contra a prepotência do estilo de marketing da Benneton] - «The Rodney King Global Mass Market Artwork».

E para descontrair, que tal a versão simpsons do Zona Morta, inspirada no autor em questão?

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