Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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30 Abril 2011

O Sempre Ecléctico Jeff VanderMeer colocou um desafio para uma «ficção-relâmpago» no seu blogue, e como não havia mais que fazer num sábado de manhã, decidi arriscar:

Não chegamos a tempo. O cadáver está cheio de pássaros. Reind apronta a espingarda de pressão de ar, mas eles apercebem-se e começam a fitá-lo com a mira vermelha de laser dos olhos.

- Não faças isso - aviso.

- Mas estão a devorá-lo!...

Desmontam Hhlod com perícia e segurança, como se tivessem a experiência de anos. Expõem os orgãos, engolem as bioengrenagens, abrem os compartimentos de segurança à primeira tentativa.

- Conhecem as palavras-passe? - comenta Reind com espanto.

- Pássaros polinomiais? - arrisco, ainda que me perturbe. - Cérebros quânticos?

- O que é que procuram?

- O núcleo, obviamente. Olha, não falta muito.

Os animais são implacáveis. O corpo está praticamente desfeito.

Contorce-se violentamente na areia, cada vez mais despojado de conteúdo. Aguardamos. Assim que engolirem o núcleo, partirão. Sei como actuam.

Alguns pássaros erguem-se no ar e voltam a pousar mais adiante. Ficamos com uma boa vista do corpo.

Reind nota a anomalia um segundo antes de mim.

- O núcleo ainda está intacto...

Mas sou mais rápido a perceber. E a reagir.

Corro já em direcção ao carro quando os pássaros se erguem numa só vontade e mergulham em bando. Reind grita por breves instantes, e logo se cala. Não me viro. Sei que agora vêm por mim. E não vale a pena implorar. Devoraram o gestalt de Hhrod. Está dentro dos pássaros. Raios, possivelmente deve tê-los treinado, para precaver esta situação. Sabe o que lhe fizémos. Os pássaros sabem o que lhe fizemos.

Ainda consigo entrar no carro. Trancar a porta. E só então me lembro. Reind ficou com a ignição.

O carro estremece. Olho pela vigia. Vários pares de miras vermelhas, frias e implacáveis, devolvem o olhar. E começam então a desmontá-lo.

A quem leia esta mensagem, por favor, acuda. Estou pronto a entregar-me. Depressa. O carro está cheio de pássaros. Não vai aguentar muito mais tempo.

E, claro, teve de ser traduzido:

We get to the beach too late. The corpse is full of birds. Reind readies his shotgun but they notice it and lock their menacing red laser beacon eyes at us.

"Don’t do that" I warn Reind.

"But they’re tearing him apart!..."

The birds are disassembling Hhlod skillfuly, effortlessly, as if they had the experience of years - exposing the organs, swallowing the biogears, opening the heavily secured hatches on the first attempt.

"They know the passwords?" Reinder is amazed.

"Polynomial birds, perhaps?" I venture, though it disturbs me as well. "Quantum brains?"

"What do they want?"

"The core, obviously. Look, it's just a matter of minutes."

The creatures are relentless. The corpse is almost dismantled. It jerks violently on the sand under the attack. We wait. Thet will leave once they swallow the core. I know them.

Some birds rise up in the air and land further away, giving us the first clear view of the body.

Reind spots the anomaly first.

"But the core is still intact..."

And then I realize it. And I react.

I’m running back to the car when the birds rise in the air with a single will and plunge to the ground, a hammer of feathers and beaks. Reind cries out briefly, then stops. I do not turn around. I know they’re coming for me. It's no use begging.

I know what happened. Hhrod’s gestalt - they ate it, he’s become them. Hell, he possibly had them trained. In the event something happened to him. He knows what we did to him. The birds know what I did to him.

I manage to get inside the car and lock the door. And then I remember. Reind had the igniter.

The car shudders. I look out the porthole. Several pairs of red aiming beacons stare back at me, cold and relentless, as only a betrayed human would.

And then they begin to disassemble the vehicle.
 
To whoever reads this message, help! I am ready to turn myself in. But please hurry. The car is full of birds. It will not last much longer.


Tratam-se de rascunhos de uma possível versão final. O processo de escrita merece alguns comentários. Mas isso fica para depois.

ACTUALIZAÇÃO 1.05.2001: versão inglesa corrigida e melhorada.

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29 Abril 2011

O Conto Seguinte Apresenta-nos um Peter Pan activamente envolvido nas andanças políticas do Império Britânico, ao agir como espião ao serviço de Sua Majestade. No entanto, enquanto miúdo traquinas e imberbe que é, o seu comportamento deixa muito a desejar... junte-se a isto a trisneta de Wendy e um rol de gerações de mulheres apaixonadas pelo rapaz voador que não queria crescer, bem como um vilão perfeitamente inesperado mas lógico, e fica-se com algo semelhante a um cadáver esquisito, uma junção de várias peças, atrapalhadas no início (a prosa inclusive alterna, confusa, entre tempos verbais - desconhecendo o texto original, não me foi possível determinar se se trataria de uma homenagem propositada) mas, graças ao predomínio final de uma voz adulta e de uma opinião vincada sobre o personagem de Barrie, acaba por resultar. É a voz de uma criança ambiguamente desiludida por ter crescido mas também convencida que quem recusa crescer acabará por ficar com graves cicatrizes na alma - a voz de Sarah Reese Brennan em «The Spy Who Never Grew Up», e a sua melhor dádiva é lembrar-nos que, nos dias actuais, se quiserem ser aceites em sociedade, os contos de fadas são obrigados a crescer e vestir-se de pós-modernismo.

«The Aarne-thompson Classification Revue» de Holly Black é, também, uma abordagem moderna, desta feita sobre o tema do lobisomem, que desta feita é uma jovem mulher, e que, desta feita, procura sobreviver e adaptar-se e ter uma vida apagada, para que não se notem as diferenças. Acaba no cimo de um palco, na noite de estreia, a debater-se contra uma transformação que não controla. Pequeno, ainda que bem construido, tem dificuldade em manter-se na memória do leitor além do encerramento das páginas.

Por seu lado, «Under the Moons of Venus» de Damien Broderick é um texto pseudo-adventista sobre o Dia do Juízo Final, embora esta alusão nunca seja concretizada. Contudo, que outra leitura ter de uma situação em que Vénus é terraformado por uma espécie inteligente não-humana (atenção que não disse «extraterrestre» de propósito), e toda a gente do planeta é deslocada para nele habitar, exceptuando um conjunto de rejeitados? A explicação científica parece deslocada do tema, e, embora apresentando informações pouco conhecidas, não senti que contribuisse para a finalidade da história. Esta revela-se no final, em que se descobre, sem grande surpresa, que a verdadeira intenção do protagonista é de se juntar aos escolhidos.

Com «The Fool Jobs», Joe Abercrombie demonstra-nos, novamente e de forma compacta, o motivo pelo qual é considerado um dos autores de fantasia mais irreverentes e divertidos da nova geração. Um conjunto de mercenários é contratado para um serviço de treta, o «serviço» que só um «tolo» aceitaria: roubar um determinado objecto escondido numa aldeia na região que ninguém quereria percorrer. Que objecto é? Pois, quem os contrata afirma somente que, quando virem o objecto, saberão qual é. Cépticos como quaisquer bons mercenários que prezem a integridade das suas peles, isso não os reconforta. Junte-se a isto uma boa dose de cobardia e loucura, além de um excelente sentido de humor, e o resultado é imperdível.

(Continua...)

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25 Abril 2011

Chegou Aquela Etapa No Ano em que é preciso (realmente preciso) olhar para o ano transacto e definir fronteiras para o território das melhores histórias curtas publicadas durante esse período - falamos de FC e Fantasia, obviamente.

Um dos volumes anuais que compilam opiniões pessoais sobre estas histórias (os quais apresentam uma surpreendente elevada taxa de sobreposição entre si, o que acaba por reduzir as perspectivas sobre o género e sem dúvida empobrecê-lo) e que já se encontra em algumas das livrarias nacionais que contenham livros importados trata-se de The Best Science Fiction and Fantasy of the Year, Volume Five, organizado por Jonathan Strahan (pois, nem a nível dos títulos encontramos grande variedade. Imagine-se que um destes senhores antologias se propunha subtitular a edição do ano como «The Year Hard SF Came Back From the Dead»; tanto medo de se mostrarem parciais, e depois perguntam-se por que os leitores bocejam profundamente). Irei, como já fiz no passado, apresentar algumas opiniões pessoais sobre os contos seleccionados.

A abrir, «Elegy for a Young Elk», do finlandês Hannu Rajaniemi. Não fosse este o autor do divertidissimo The Quantum Thief, que já me encontrava a ler, e duvido que voltasse a dar-lhe uma oportunidade. Anódino, insubstancial e inconsequente, o distanciamento e o descuido da prosa tornam a história tão higiénica que lhe é impossível captar-nos a atenção. Uma sensação de profunda perda de tempo semelhante à que tive com o Tony Daniels, há muitos anos.

«The Truth is a Cave in the Black Mountains» é uma lufada de ar, com a habitual competência de Neil Gaiman. Uma viagem emocional cuja verdadeira natureza - como é, aliás, intuido no início - não é a que aparenta. Este seria o tipo de histórias próprio de um folclore moderno, se tal criatura existisse.

A seguir, «Seven Sexy Cowboy Robots» de Sandra McDonald é simplesmente... estranho. Uma mulher separa-se de um marido rico, criador dos andróides mais famosos e vendáveis da época, e que requer, como cláusula de divórcio, que este lhe entregue seis robôs com forma e pujança (sexual) de cowboys. A história trata do relacionamento desta com os robôs, e como lhe vão fazendo companhia ao longo dos anos, cada qual com a sua personalidade própria. O tratamento do tema é tão vincadamente feminino que me fez sentir que uma mulher seria capaz de apreciar o que, a mim, apenas me aborrecia - é rara a prosa que comporta uma voz tão marcante, e por esse motivo o conto merece destaque.

(Continua...)

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24 Abril 2011

É Impressionante A Importância que o mundo (dentro do género, bem entendido) atribui a esta singela lista anual de nomeações e galardões, como se reflectisse critérios globais e indiscutíveis de qualidade e não, efectivamente, o consenso, de entre os mil e poucos votantes, do que estes consideram ser «ficção científica». Não deixa de ser uma responsabilidade algo excessiva para tão pouca gente, a de falar pelos seguidores de todo o planeta. O argumento contrário é o facto de se terem interessado o suficiente com a situação do género para apresentarem um voto - quem se abstém, não conta... No final, o balanço resulta positivo, pois estabelece padrões, que podem ser seguidos ou contrariados.

Após um conjunto de anos com a cabecinha virada para textos de Fantasia, o Hugo tem apresentado, nos últimos anos, uma saudável (na perspectiva cá da casa) preferência pela racionalidade científica. Este ano assiste-se a uma mistura estranha, na qual textos sobre zombies (Feed) concorrem com futuros imediatos sobre terras não ocidentais (The Dervish House - passado na Turquia), viagens no tempo clássicas (Blackout/All Clear), space opera militar com todos os aparatos tradicionais (Cryoburn) e uma fantasia feminista com laivos de Ursula Le Guin (The Hundred Thousand Kingdoms). O conjunto de finalistas parece-se assustadoramente com o formato politicamente correcto dos comunicados empresariais norte-americanos (cujas ilustrações devem incluir mandatoriamente representantes de todas as raças do país, numa atitude que pode ser bem intencionada, mas não deixa de parecer igualmente racista, e por conseguinte hipócrita, do que o anterior predomínio branco): estes são os temas dominantes do actual panorama da FC editada nos Estados Unidos, se exceptuarmos a faixa vampiresca que tem público próprio e inclusive já iniciou o seu processo autofágico.

Perante tal diversidade, é difícil apostar num cavalo vencedor, sendo que tudo irá depender agora dos gostos dos participantes da convenção mundial, os únicos que podem votar no final. Também em possível resposta a queixumes dos anos anteriores, um saudável predomínio de mulheres entre os autores finalistas. A única reacção a ter? Ler todos os romances, contos e ensaios nomeados, pois entre eles estarão alguns dos melhores textos do género publicados em 2010, e depois, informados, decidir por vós mesmos.

P.S. - destaque para a possível atribuição do John W. Campbell Award para novos escritores ao luso-descendente Larry Correia. Existe ficção científica portuguesa, sim, a medrar em terras estrangeiras.

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14 Abril 2011

Menos Portentoso Que A Viagem até à Lua, mas igualmente importante, foi o vôo orbital de Gagarin, cujo 50º aniversário se celebrou mundialmente há poucos dias. Ao conquistar uma nova fronteira, tornou-a acessível e logo banal. Já não encaramos o espaço com temor nem admiração. Ou se há temor, é o das facturas, quando se olha para o custo versus o lucro imediato. A economia não está apenas a roubar o futuro deste povo (que, admita-se, adora a sua vidinha de pequeno burguês comprada a crédito) mas já roubou o sonho de estabelecermos colónias noutros planetas numa década próxima. A não ser que as viagens interplanetárias tripuladas fiquem subitamente baratas e fáceis de realizar (o que seria um milagre; é mais viável enviar sondas automáticas) ou que sejamos empurrados para fora deste habitat redondo por uma daquelas catástrofes ecólogicas/solares que poderíamos ter antecipado e estabelecido medidas para minorar, mas que, como é hábito, só vamos tentar resolver depois do acidente...

Fiquemos com esta lembrança, tranquilamente à espera do apocalipse... perdão, do subsídio europeu.

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12 Abril 2011

Uma Lição Muito Persuasiva sobre o valor intrínseco do Marketing. Apetece-me ir comprar qualquer coisa, seja o que for, já!

(Forte cotovelada para os nascentes autores futuristas/fantasiólogos: isto não vos abre os horizontes para pensarem enriquecer os vossos mundos com versões desta disciplina adaptadas à respectiva cultura e disposição? Não vos ajuda a entender a natureza humana e como os nossos cérebros de macaquinhos são guiados por estímulos básicos e comuns? Não vos impele a recolher informação sobre estudos comportamentais e sociológicos? Não vos sugere ideias para enredos sobre sociedades humanas em que este tipo de comportamentos seja proibido/aplaudido/intensificado? Não vos apetece utilizá-lo para iluminar aspectos particulares desta nossa realidade, pelo recurso à ironia ou ao pathos? Não? Nada? Ah, bem. Pronto. Mas depois não venham perguntar-me por que o actual fantástico lusitano me sabe, na sua maioria, insulso...)

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09 Abril 2011

Isto Merece Ser Visto. É bom ver alguém do meio a assumir a preferência do cinema português pela composição - e efectivamente a dar-lhe um nome -, ainda que, pessoalmente, considere ser este o maior defeito (a composição frequentemente oculta graves deficiências de conteúdo, tornando-se em composições de inutilidade).

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