Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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07 Março 2021

Na entrevista de Jonathan Carroll à Locus de Março, o autor refere de passagem a decisão crucial, no início de carreira, em que aceitou o desafio da esposa para passarem um ano na Europa como professores, mas que, para tal, sacrificou uma boa oferta de emprego e a sua conveniência pessoal.

That was 44 years ago. If we hadn't gone, I would have probably been a college professor, all that junk. Not that it would have been an unhappy thing. Just different.

E no entanto, é precisamente nas diferenças que a felicidade mora. Nem todas as vidas alternativas suspiram com saudade de outras escolhas.

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08 Dezembro 2020

Brown e Reynolds formam equipa para escreverem a quatro mãos «Dark Interlude», publicada na Galaxy de Janeiro de 1951 [link]. Uma história em que predomina o tema da relação do sul estadounidense com as questões da raça, mas que inclui também outro, mais dissimulado, sobre a supressão da agência feminina, se considerarmos que nunca se chega a conhecer a verdadeira opinião da esposa da vítima (uma vez que, nesta fase final, a rapariga apenas nos surge através do olhar do irmão). De passagem, um mini-enredo que envolve viagens no tempo, como possível justificação para a ingenuidade do protagonista (bem como para a presença desta narrativa numa revista de FC). O título em questão parece remeter uma outra referência, mas a mais óbvia (o capítulo de Sleepwalkers de Koestler, assim intitulado e que designa a Idade Média, a idade das trevas) não é defensável, pois esta obra só teria edição nos EUA em 1959.

O conto de Brown e Reynolds surgiu entre nós pouco depois da sua publicação original, na antologia O Que É a «Ficção Científica»? (org. Victor Palla, Ed. Atlântida, 1959) - como possível resposta a esta pergunta -, sob o título «Interlúdio nas Trevas» (tradutor anónimo, possivelmente o próprio Palla), e logo a seguir em Nove Novelas de Antecipação Americanas (Estúdios Cor, 1964), sob o título «Interlúdio Sombrio» (tradução de Rafael Alberty, e provável organização do mesmo - afirmação que carece de uma análise mais aprofundada). A repetição de escolha do mesmo texto em duas antologias portuguesas de FC é invulgar para a época e inclusive para edições tão próximas temporalmente, pois o racional comercial de uma editora passaria por apresentar material inédito e assim justificar a aquisição pelo leitor. Ainda que o organizador de Nove Novelas desconhecesse a existência da antologia anterior, e partindo do pressuposto que ambos os antologiadores trabalharam com liberdade de escolha (por outras palavras, sem obedecerem ao índice de uma edição estrangeira de referência), é possível fazer-se uma leitura de tal coincidência - que as temáticas abordadas pelo breve conto ressoaram no inconsciente estético dos editores, fazendo-os acreditar que se tratava de uma boa oferta ao público. Talvez a abordagem humanista, centrada no ser humano e não na tecnologia; talvez a crítica aberta às imperfeições do nosso tempo, em contraposição à sociedade utópica de onde provém o viajante temporal; talvez o comprometimento moral da autoridade, que aquiesce e cala - e portanto, legitima - o crime, tal como percebido no paradigma social luso da época; talvez, por fim, simplesmente a questão racial que se destaca. Subjacente à escolha manifestada, encontramos uma percepção subtil do que a FC «deve ser», ou «deve representar», já nessa fase inicial do género na nossa literatura, em aparente convergência.

(Referências - sempre - indispensáveis: Bibliowiki e ISFDB.)

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