29 Maio 2016
Demorou cerca de 18 meses, a tecelagem desta novela, cujo título áspero ao paladar emergiu da biografia ficcionada de um dos muitos autores de Ficção Científica que Portugal nunca teve (sendo de longa data a inclinação para inventar mundos em que a cultura lusitana reluzia de volumosos tomos de aventuras espaciais e futuristas com referências bibliográficas a um passado de revistas e tertúlias, em jeito de oposição passiva ao mundanismo flatulento da vasta maioria da nossa presente literatura – treino que veio a dar frutos neste outro projecto) e cujo enredo se revelou na primeira linha de um texto que foi preciso iniciar para retirar o título incómodo do pensamento – a linha onde nasceu a Cidade da Carne, toda a sua ascenção e queda. Há livros que se oferecem como uma manhã primaveril, falam de promessas e percursos. Parti-lo a meio foi uma vicissitude necessária, embora talvez entregue com pouca luta. Sem dúvida que contribuiu para fazer de 1993 o ano da FC portuguesa, que entretanto o tempo decorrido já devia ter suplantado. Entretanto, houve quem recensionasse o(s) livro(s), entre eles o João Barreiros com uma crítica inolvidável no Público (quando ainda era possível falar de livros em jornais e criar impacto na comunidade). Houve quem propusesse a sua tradução para inglês, ideia que não avançou. Acabou obviamente por desfazer-se no ar, destino inevitável para as pequenas edições da História, que talvez uma atempada dedicação (fé?) por parte do autor no ofício tivesse salvado. Entre promessas e tentativas de reedição, vinte e três anos decorreram até surgir a oportunidade – mas ei-la, finalmente, recuperada literalmente das cinzas, com uma capa distante do minimalismo da edição original, e inteira. Ininterrupta. Imagem tardia do livro que teria existido no final do século XX? Em grande parte, sim, excepto na percepção entretanto ganha de que andrajava imperfeitamente, frases confusas e laivos de ingenuidade (juvenil?) à mistura com plot points e twists of fate que lhe dão osso e carne. Na separação dos siameses, foi preciso costurar remendos ao final do Cidade da Carne e ao início do Vinganças – além de frases dispersas de contextualização -, que o historial veio revelar insuficiente por parte de quem leu na sequência inversa. Aqui fez-se o contrário, mas um dos remendos foi mantido, porque o livro ficaria mais pobre sem ele. Incluiram-se outras explicações e voltas de sentido, o mais contidas possível para não estragar o conjunto: não cabe aos (semi-)velhos opinar sobre os jovens nem contrariar-lhes a ambição. O livro ficou mais aprumado, mas mantém imperfeições e (se os tiver) todos os êxitos que, para bem ou para o mal, são próprios da sua natureza... excepto num pormenor muito subtil que deixarei para quem se interessa por dissecação narrativa.Não podia, contudo, nascer de parto sem dor, e novamente, onde há sorrisos existem lágrimas: foi publicado o livro sob a égide de um ateliê de auto-edição, que o juízo apressado confunde com uma vanity press. Mas aqui comparamos formigas com baratas: as primeiras, obreiras, constroem sozinhas e com bastante esforço um habitat complexo, colectivo; as segundas, escondem-se, furtivas, espalhando doenças, contaminando, fingindo o que não são, proibindo (há quem diga quem lá publicou) de contar o que acontece atrás da porta fechada. Note-se que detalhar pacotes de serviços base e respectivo preçário é uma tentativa de caminhar para a luz, ao mesmo tempo que expõe a triste realidade de um mercado onde há mais autores que leitores, e os leitores que há correm para a escrita importada, vazio de oficinas de escrita profissionais e de uma verdadeira cultura de massa na qual o povo se reveja. Embora também seja necessário ressalvar que, quando se professa a doutrina de pecadores, escolher batina branca não garante absolvição do pecado original, pois o mero uso da batina arrisca-se a ofuscar as melhores das intenções - não se confunda este enquadramento com uma defesa da prática, como um todo.
Assim sendo, e por decisão editorial, o livro dificilmente se encontrará por acaso no mundo das pessoas, embora exista, e possa ser encomendado, apreciado, via mundo dos dedos (vulgo: digital). Deixo-vos com a sinopse oficial e as tais ligações para ir ao seu encontro, quais mapas de tesouros há muito por descobrir.
É dia de Festival na Cidade da Carne. Vindos do espaço virtual da GalxMente, milhares de Padrões escolhem corpos para encarnar e apreciar os imensos prazeres do mundo físico, discutir arte, assistir ao espectáculo de encerramento com os artistas humanos por eles concebidos. Estes artistas nasceram com doenças e deformidades propositadas, para falarem da morte e da angústia existencial - sensações negadas, e portanto cobiçadas, pela sociedade de imortais. Com sorte, talvez um artista morra em palco para deleite dos seus criadores… Acrescente-se a ameaça de ataque por um grupo de rebeldes, também humanos, com real perigo físico, e tudo se conjuga para uma experiência única e um dia inesquecível. Um dia que promete ficar na memória da GalxMente e fazer ascender os organizadores em estatuto pessoal.
Mas algo podre e funesto cresce nesta sociedade perfeita… E, ao terminar o dia, a GalxMente defrontará uma revelação capaz de abalar os seus princípios, que a vai conduzir numa guerra devastadora contra inimigos internos e externos.
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