Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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16 Outubro 2011

A Abrir A Revisão Do Mito De Fausto sob a égide da atitude do positivismo contemporâneo - a prática do método científico aliada ao estabelecimento do capitalismo - que nas mãos hábeis de Michael Swanwick assumiu a forma do romance O Verdadeiro Dr. Fausto, encontra-se um excerto de An Anatomy of the World: The first anniversary, do poeta inglês John Donne, suposto contemporâneo de Fausto.

And new philosophy calls all in doubt,
The element of fire is quite put out;
The sun is lost, and the earth, and no man's wit,
Can well direct him where to look for it.

Uma exortação evidente das falsidades da Ciência, que vêem impor ao Homem a nova filosofia do cepticismo e da necessidade de comprovação. Habilmente, e de forma muito subtil, é como se Swanwick sugerisse que Donne reagia às transformações impostas por Fausto, e à velocidade (voracidade?) de transformação do mundo.

O poema continua:

And freely men confess that this world's spent,
When in the planets, and the firmament
They seek so many new; then see that this
Is crumbled out again to his atomies.
'Tis all in pieces, all coherence gone;
All just supply, and all relation:
Prince, subject, Father, Son, are things forgot.

(Uma exortação cujo conservadorismo  - mau grado a comparação - teria sido abraçada pelo Estado Novo, sem dúvida...)

Swanwick escolhe a primeira estrofe e dessa forma escolhe também o tema central da obra: a perenidade da crença versus a solidez do facto.

Eis a minha leitura: ainda que queiramos acreditar na fé irredutível das massas, e que o espiritual é mais forte que o material, a verdade é que a sociedade sempre avançou de encontro ao facto, à realidade. Mesmo indo contra as respectivas crenças, a História viu o planeta abraçar os benefícios da medicina, da indústria, da tecnocracia. Não chegámos aqui por acaso, e se calhar chegámos um pouco distraídos, mas, se se poder afirmar que existe uma consciência colectiva, creio que neste acumular de escolhas e decisões se manifesta a nossa inconsciência colectiva: seguimos o caminho que mais nos beneficia, ainda que este seja contra a nossa fé.

Penso que este é um dos grandes argumentos ocultos neste romance, e que a história de Fausto é perfeita para a sua demonstração, pois nada melhor que o ritmo acelerado do progresso (vários séculos em poucas décadas) para evidenciar algo que a lentidão das eras oculta (da mesma forma que fotografias de uma paisagem montanhosa tiradas ao longo de décadas revelam que aquilo que parece imóvel e eterno é na verdade um lento mas agitado mar de pedra).

Claro que isso nos leva ao verso da medalha, que é o do progresso da ética e da moral, evidenciada pela citação seguinte à de Donne, um progresso possivelmente mais lento:

From Hell Mr Lusk

Trata-se do texto de abertura de uma das poucas cartas genuinamente atribuidas a Jack, O Estripador. Neste pequeno texto encontram-se a demência e maldade (inatas? Ou propositadamente enganadoras?) de um indivíduo, também ele fruto do modernismo (um dos primeiros serial killers da História a beneficiar do espaço urbano e dos meios de comunicação como forma de criar um mito instantâneo. Nisto, não há nada de novo; desde longa data que é sabido existirem dois meios de se alcançar fama rápida - criar algo de importante, ou destruir algo de importante).

A minha leitura é que este se torna no contraponto do romance. O Verdadeiro Dr. Fausto conduz ao progresso, traduzido no desenvolvimento tecnológico e económico. Contudo, este precisa de ser acompanhado por uma revolução social, a nível dos valores e da (Marx dixit) luta de classes (na verdade, é mais do que isso). E o problema é que esta revolução é extremamente lenta.

O poder e liberdade conferidos pelos novos gadgets não é imediatamente apreendido pela sociedade. Basta ponderar na forma como as tecnologias sociais alteraram os padrões de relacionamento no mero espaço de dez anos - mas alteraram para quem? Essencialmente para a malta nova, levando os restantes de arrasto. Contudo, não aprendemos a viver com estes em sociedade, em desenvolver valores éticos e morais - se para uns, utilizar o telemóvel desta e daquela forma é válido, para outros é ofensivo. Isto coloca um particular desafio para os pais e professores, que não têm padrões de comportamento que possam ensinar aos miudos e assim os deixam descobrir por si mesmos, por vezes com resultados patéticos (como os casos dos vídeos recentes sobre conflitos na sala de aula).

E nós somos a geração insensível ao progresso. Imaginem o ritmo de transformação imposta por Fausto sem o acompanhamento devido da moralidade. Sem o movimento feminista ou o término da escravatura, sem a declaração de princípios do homem, sem a constituição americana. Sem que os oprimidos reclamassem para si, com esforço e conflito, um espaço legítimo de aceitação social.

Jack o Estripador remete a sua carta do Inferno. Fausto, pelo contrário, encaminha o mundo para lá.

Capa da edição portuguesa

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27 Setembro 2011

Eurocon 2011: Discurso de Ian McDonald em Estocolmo, em Junho passado, sobre os aspectos positivos da Ficção Científica. Algumas mensagens importantes: que perdemos o futuro, perdemos a noção consensual do rumo enquanto civilização, perdemos o mercado feminino (no sentido em que a FC parece ser uma «coisa de gajos», ainda que o género esteja repleto de bons exemplos de autoras que também praticam ciência). Também descobrimos que cada apreciador tem a sua noção de «FC dura», do mesmo modo que cada crente tem a sua ideia sobre Deus. E mesmo assim, a FC é capaz de nos descrever o mundo tal como se encontra. Ou devia, se não fosse o preconceito e miopia que altera a percepção de quem vive no presente e dificulta uma opinião isenta, distante - algo que esta mensagem, quando vinculada, normalmente desconsidera. Pois, infelizmente, a FC ainda requer autores, pessoas do presente, para nascer. Talvez por isso o mundo continue perdido, apesar de interjeições tão simpáticas como esta. Um mundo que sabemos já não tem futuro, e se tem, não inclui Portugal. Gravado por um canal de televisão sueco. A espreitar aqui.

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