Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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17 Junho 2010

É Um Breve Livro, Longitude (Temas e Debates), o que não é o equivalente a dizer que se trata de um livro pequeno. Embora também. Por que a história que conta não é exactamente a história a que se propõe, ainda que seja igualmente rica em informação e entusiasmante, como qualquer aventura pela descoberta científica. Tudo devido a sonhos de impérios e riquezas, como os que povoavam as mentes de Inglaterra há uns meros séculos. Se perguntássemos a um britânico qual a sua antevisão de um futuro radioso, seria quase certamente a presença da Union Jack em todo o mundo. Se perguntarmos agora, talvez a resposta fosse a mesma, mas com tom sarcástico. Igual pergunta faríamos a um português se o nosso tema não fosse outro.

Dava Sobel mostra que foi jornalista e que escreveu colunas breves - não sei se pequenas - num conceituado jornal de grande circulação. De outra forma, não se explicaria que um livro tão humilde tivesse divulgação tão grande, com direito a filme. A história está longe de ser breve, embora possa ser resumida. A determinação da longitude em alto-mar sempre foi um problema, pois durante muito tempo não houve instrumentação que se mantivesse fiável nas condições a bordo e permitisse aos marinheiros e capitães saber a que distância efectiva se encontravam do destino. O problema disto é que a Terra gira em torno de si mesma e em torno do Sol, a malvada, e portanto a posição das estrelas ao cair e levantar da noite depende da posição relativa no mundo - e como tudo o que é relativo, precisa de uma base, e essa base apenas poderia ser dada pela diferença horária face ao local de partida. Assim, o problema cartográfico tornou-se num problema relojoeiro.

A breve - mas não pequena - explicação de Dava Sobel serve como justificação da centena e meia de páginas seguintes, cujo foco passa do problema científico para um problema humano: quem iria descobrir - e como - uma forma de medir a longitude em alto-mar? Para motivar os potenciais investigadores, o Parlamento Inglês decidiu atribuir um prémio à invenção que conseguisse resolver definitivamente o problema, através do «Longitud Act». E assim se transforma uma senda científica numa caça ao tesouro tecnológico, um problema cósmico numa intriga humana de mesquinhice e altruísmo.

John Harrison, um dos melhores relojoeiros da época, cuja vida é aqui emiuçada ao pormenor, surge como o herói esquecido e injustiçado, tendo dedicado décadas ao aperfeiçoamento de um mecanismo imune aos problemas da navegação em alto-mar e que terá sido tratado com desmerecimento pelos seus, ao ponto de a invenção a que dedicou todos os seus esforços jazer até há pouco tempo esquecida nas caves de Greenwich, salva apenas pelo esmero e nova dedicação de um coleccionador. Os relógios resistiram aos rivais, aos concorrentes, às invenções menores e maiores, e transformaram-se em lenda. Ou pelo menos é assim que Dava Sobel nos apresenta, e apresenta-nos bem.

Poderia a autora ter dedicado mais tempo e páginas a explicar com maior detalhe as inovações contidas nos mecanismos de Harrison? Sem dúvida, mas perderia o foco do drama humano e claro que lhe prejudicaria as vendas. Talvez o único propósito do livro seja efectivamente despertar a curiosidade pelas quatro grandes tentativas de Harrison que se encontram hoje em dia expostas no museu da cidade inglesa. Este leitor pelo menos sentiu um fascínio dessa natureza, e entendo-o perfeitamente. Talvez o verdadeiro benefício deste livro seja o de incentivar à viagem e descoberta.

Ainda assim, creio que se perdeu uma oportunidade de comentário social, escondido na explicação dada e que merecia um pouco mais de destaque: que Harrison tenha demorado décadas a aperfeiçoar uma invenção. Décadas! Quando apresentou a versão mais próxima da sua ideia final, encontrava-se já na terceira idade. Sem considerar que o concurso se manteve em vigor no Parlamento durante mais de cem anos. Conceber isto nos nossos apressados dias é absolutamente impossível. Actualmente, não só cremos que somos capazes de tudo, enquanto espécie, como vamos obtê-lo já amanhã, e antes do meio-dia. Encurtámos a nossa noção de causas meritórias. Creio que ficámos um pouco mais pobres.

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24 Maio 2010

Daqui Para Cima É Sempre A Descer, ou o início.

Revista Visão - 1993
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