16 Março 2010
Eis, Possivelmente, O Motivo por que falta uma grande dose de genuína emoção na maioria da ficção juvenil e da literatura fantástica escrita pelas novas gerações.As revistas de FC nos anos 1930 pareciam os video-games de 2000. O excesso de ação física e violência se sobrepõe às escolhas morais, que se tornam rasas, oportunistas, imediatistas, egocêntricas. Os video-games ensinam a crueldade sem ensinar a coragem. A coragem só pode ser aprendida diante de desafios e perigos reais, situações que exijam sacrifícios dolorosos e responsabilidades verdadeiras. Algo ausente nos jogos, onde pode-se inclusive morrer e começar tudo de novo, como se a própria morte nunca tivesse ocorrido.
Não há jovem autor do fantástico nacional (ou haverá alguns, mas são poucos) que não cite o videojogo como principal influência literária (!), a par do cinema. O que até poderia resultar num mashup interessante, se não fosse a constante ausência (inconsciência?) de referências a livros, escritores, abordagens e preocupações temáticas. Será este factor que os torna insensíveis à necessidade de envolvimento, da existência de suor, sangue e lágrimas para o cumprimento da missão? Ou simplesmente as restantes influências actuais do género - os livros dos autores estrangeiros, das séries televisivas, pouco preocupados em atingir igual patamar de qualidade -, nas quais tal grau de exigência emocional é esbatido até atingir a modorra? E o que dizer da originalidade, de procurar formas narrativas ou mesmo enredos que subvertam, ao invés de imitarem, os predecessores. Seja como for, há uma enorme falta de ambição, do escrever vindo da alma, no fantástico luso corrente - denúncia que procurei começar a transmitir no Clube Literário do Porto, em Janeiro passado, aquando do lançamento da revista Dagon.
Bráulio ainda tem mais para concluir:
A sem-cerimônia com que a violência é tratada na FC de hoje tem origem nisto. Escritores jovens e talentosos, filhos da classe média, que nunca tiveram que enfrentar problemas de sobrevivência, de adaptação num meio hostil, nunca tiveram que começar a trabalhar cedo, nunca fizeram grandes sacrifícios... E eles se divertem falando de canibalismo, mutilações, massacres, serial-killings, tortura e assim por diante. Vivem num mundo virtual, na proteção de um apartamento em condomínio. Temem a violência, porque se sabem despreparados para enfrentá-la. E a exorcizam através de jogos ou livros em que parecem estar gritando: «Eu não tenho medo disso! Eu não tenho medo disso!»