Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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24 Dezembro 2009

Aproxima-se O Final Do Ano, o que implica uma ideia de ciclo, o que conduz a uma necessidade de «encerrar capítulos», «virar a página» e «apreciar a história que passou». Falamos assim das nossas vidas. Sem dúvida que para tal contribuirá a sucessão de estações e o nosso progresso circular em torno do Sol. A noção de ciclo, de começo e retorno, do viajante que ressurgirá, encontra-se embrenhada nos nossos circuitos genéticos. Habitamos efectivamente espaços pequenos, fechados, e se nos deslocamos, vamos acompanhados da vontade da volta, para um lar primevo de desova ao qual sentimos que «pertencemos». Mas como diria e bem a sra. Ursula Le Guin, podemos voltar a casa desde que se entenda que casa é um sítio em que nunca estivemos.

A estória é-nos essencial. Olhar para trás, ver uma sequência de desenvolvimentos, antecipar o que há-de vir. Nesta quadra Natalícia, tão arbitrária como qualquer outra tradição e por esse mesmo motivo, escrita na pedra, deixo-vos com um conjunto de ligações a outros blogues que estão já silenciando-se ante as exigências que a verdadeira realidade impõe aos seus criadores:

- uma lista dos eventos de destaque no mundo televisivo e cinematrográfico norte-americano, com poucos destaques para livros e jogos, e um incrível esquecimento de filmes independentes como Moon.

- os únicos vampiros que me interessam (bem, aparte vampiras lésbicas, mas por motivos diferentes...)

- Silverberg chama Clarke de «amateur» com todas as letras desse francofonismo.

- David Soares oferece exemplares da vindoura reedição do romance Conspiração dos Antepassados. Sai dia 22 de Janeiro e é a primeira novidade de 2010. Grande capa!

- E do sempre movimentado Correio do Fantástico surge um conjunto de novidades: a crítica ao Dias da Peste do Fábio Fernandes, a primeira (e única) crítica ao Brinca Comigo!, as novidades da emergente colecção Mir (livros duplos como os antigos Ace!), o anúncio da participação de Larry Nolen como blogueiro internacional convidado, a crítica deste à antologia brasileira de Steampunk, e a entrevista com um chato cá da praça.

Mais novidades para depois do Natal. Ficam-se estes singelos refúgios, para quando os putos estiverem a fazer demasiado barulho e os adultos falarem de impostos, de dores reumáticas, das últimas imbecilidades dos nossos governantes e da qualidade literária do Miguel Sousa Tavares.

Bom Natal.

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23 Dezembro 2009

O Grande Destaque Natalício da FC portuguesa terá de ser a publicação do que, esperamos, seja o primeiro artigo de Nuno Fonseca para o blogue World SF, iniciando assim a contribuição lusófona para o grande discurso sobre a legitimidade da internacionalização da FC.

A questão que o Nuno coloca é fundamental: a crítica de barriga cheia é substancialmente diferente de quem tem de rastejar nos caixotes de lixo dos outros e viver das migalhas.

Por crítica entenda-se o conjunto de queixumes de autores internacionais de que não existem suficientes mulheres a escrever FC ou suficientes pessoas de cor ou de sexualidades alternativas – argumentos que, confesso, me parecem sempre tocar uma condição particular, pessoal, de quem os profere, mais do que reflectirem uma condição generalizada do género. Por outro lado, não pertencendo a nenhuma destas supostas condições excluídas nem vivendo num território em que os conflitos de raça se apresentem como socialmente dominantes, poderei ter uma visão deturpada. Não estando nós nos anos 50, tendo-nos libertado de um conjunto de preconceitos a nível social e cultural (a ponto de haver preconceitos contra quem mantém preconceitos), este discurso peca, a meu ver, por bafiento e repetitivo, e talvez o que se pretenda verdadeiramente seja um deslocar das preocupações da FC – digamos, de uma visão tecnológica do futuro para uma visão mística – mais conducentes à posição do país de origem do queixoso no panorama mundial. É natural que a atitude all-american-hero diga pouco a, por exemplo, um cidadão indiano e inclusive que, em grande medida e na condição de país ex-colonizado pelo ocidente, lhe seja ofensiva.

E contudo, como bem afirma o Nuno, é uma queixa de barriga cheia, porque um dos benefícios da colonização terá sido o legado da língua inglesa – como em tempos idos, o foi o do latim aqui na Península Ibérica (sim, já fomos nação colonizada). Um legado que permite aos autores manifestarem-se com maior facilidade na língua franca mundial, lerem e serem lidos sem grandes preocupações de tradução e, obviamente, queixarem-se com a devida facilidade de argumentação.

Admitamos que as migalhas são ricas em nutrientes – afinal, neste país temos actualmente igual acesso a todas as obras publicadas no mundo anglófono – e que, graças à tecnologia, existe uma democracia verdadeira face à possibilidade de participar no discurso opinativo. Contudo, no que toca à ficção, é impossível reflectir preocupações nacionais sem a árdua tarefa de escrever, publicar e criticar. Este triunvirato, como tenho tido oportunidade de defender em outros fóruns, é essencial para o desenvolvimento do género – de qualquer género, a bem dizer. E se neste caso, a escrita e publicação são, como o Nuno afirma correctamente, deficientes, afirmarei que a crítica ainda o será mais.

A maioria das obras nacionais surge e desaparece dos escaparates sem uma atenção mínima dos leitores. Àparte as considerações que possa ter enquanto autor, vejo passar pelas montras dezenas de romances históricos de novos autores lusitanos sem qualquer perspectivação da qualidade nem uma ideia dos temas e  épocas mais abordados ou do nível de fidelidade histórica. Algum deles me prenderia a atenção? Algum deles seria do meu agrado? Algum deles aborda de forma inovadora a santidade com que encaramos o nosso passado? Algum deles é rebelde? As capas pretendem vender e não é nelas que vamos encontrar estas respostas. Infelizmente também não o é nas poucas revistas de resenção literária nacionais, demasiado preocupadas em agradar a público e editores e demasiado generalistas para abordagens mais discursivas.

E por outro lado, abordando de frente preocupações de autor e entusiasta da FC&F, conheço bem de mais o padrão de soltar um livro no mercado e vê-lo cair em águas turvas, onde facilmente se afunda. Nem tudo foram más experiências – a antologia Por Universos Nunca Dantes Navegados, por exemplo, teve um conjunto apetecível e invulgar de comentários por essa internet fora. Não são, contudo, casos coerentes e sustentados, e é mais habitual ocorrerem publicações que recebem o mínimo de críticas ou mesmo uma ausência de comentários. Quantos números da Bang!, da extinta Nova e das restantes revistas electrónicas são alvo de comentários?

Sem este espelho que nos permita medir se estamos gordos e feios ou se somos supermodelo em ascensão, será difícil podar as ervas daninhas e permitir que o género se desenvolva.

Comentários poderão surgir relativamente à separação do romance paranormal e da fantasia heróica de índole tolkiena desta apreciação mais generalizada do género. Serão comentários normais, contudo creio que esta separação deverá existir e o Nuno fez bem em evidenciá-la. Um pouco como pássaros que se afastam do ninho – ou mais propriamente, um spinoff genético da espécie original –, estes movimentos literários têm expressividade suficiente no mercado e uma variedade de seguidores e criadores suficiente para se tornarem autónomos e poderem ser apreciados fora do contexto da FC&F. Se têm a diversidade necessária para poderem subsistir no futuro, só o tempo dirá. Como nas espécies, é pela inovação contínua e pela polinização cruzada de temas e interesses que um género continua a prender o interesse dos apreciadores – apreciadores estes que vão crescendo, vão tendo outros interesses, mais adultos, e começam a afastar-se do apreço original, encarando aquela moda da juventude como apenas isso. A verdade é que os géneros nem sempre crescem à mesma velocidade que os seguidores...

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