22 Abril 2009
A Importância da Índia. É uma estranha coincidência ter tido oportunidade de viajar naquele frenético e vigoroso comboio que é Slumdog Milionaire de Danny Boyle, um virtuosismo de fotografia e montagem que consegue retratar uma parte da Índia, da sua cultura e complexidade, não obstante a abordagem leve e necessariamente ligeira, e segundo me foi dado a entender - não tendo tido ainda contacto com a obra de Vikas Swarup - , o ter passado ao lado das questões mais negras do livro. Aparte estes detalhes, e considerado como mero espectáculo cénico, é uma história de telenovela vestida com saris e punjabis, a apresentação de uma infância a todos os níveis miserável mas que não consegue derrubar o espírito positivo dos protagonistas. É contudo, uma telenovela para ocidentais, estranhos à terra - Bollywood não retratará assim o próprio país, será mais doce e elegíaco, na tradição confirmada de que preferimos conhecer as misérias alheias que as da própria casa. Será assim em territórios circum-atlânticos e mediterrânicos que encontraremos audiências presas num misto de fascínio e horror pela brutalidade da existência, mas, tal como os protagonistas, emergindo do encontro incómules - sem passar pela violência emocional de perder um dos entes queridos da narrativa, por exemplo, nem ter de defrontar-se visualmente com a presumível violação sexual da rapariga Latika -, o não deixa de ser uma batota em termos narrativos. Mas depois existe toda a energia, o contraponto da música, a vontade contagiante de viver, a colocação vertiginosa da câmara, que desde o início nos confessa que vai ser bondoso para com os personagens. Que distância o separa do Watchmen, pensei. Como se consegue realizar uma adaptação que faz sentido em termos cinematográficos e ser-se simultâneamente uma incursão verosímil num espaço cultural distinto do nosso - ao contrário do perfeito desastre que consistiu a presumível adaptação de uma das mais importantes obras da Banda Desenhada, não obstante o igual virtuosismo a nível de efeitos (incluindo cenas perfeitamente fascinantes na superfície de Marte). Embora não discordando completamente da opinião fundamentada do David, inclino-me mais para a do Lucius e pergunto-me, como este, «para quê que isto serviu». Que propósito serviu quando a obra original está disponível e é tão acessivel visualmente quanto o filme. Tentar ser-se fiel ao livro não contribuiu para tornar a peça numa obra cinematográfica, e neste caso creio que foi contraproducente. E depois aquelas ridículas escolhas (o voice-over de Rorscharch, o tema «Aleluia» durante a cena prolongada de sexo, ou se quisermos ser picuinhas, o completo desenquadramento da banda sonora). Os actores fizeram o melhor que podiam com o material. Mas perdeu-se em estrutura narrativa (a versão bd aproveitou a publicação em fascículos para o desenrolar da trama e dos personagens de uma forma que o filme nunca seria capaz, contribuindo para a experiência total literária) e na ideia de filme como um todo, autónomo enquanto objecto de cinema, enquanto viagem . Uma experiência falhada, na minha opinião.Mas comecei, referindo-me à Índia e a coincidências - e não poderia haver maior que encontrar-me profundamente mergulhado no futuro deste país, conduzido pela mão segura de Ian McDonald, adentrando-me nas 600 páginas de River of Gods, a segunda escolha do Círculo de Leibowitz, cuja entrega crítica foi acordado entre os diversos membros participantes ser adiada para Maio (as críticas deveriam ter sido apresentadas ontem) dada a complexidade e extensão da obra. Espero que nos acompanhem igualmente neste clube de leitura.