Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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04 Novembro 2008

27 Dias de Pulp. O pulp atravessa as eras e assume diversas formas. Muito do que se tornou pulp chamava-se antigamente folclore, folk lore, as crenças das gentes - histórias contadas de geração em geração, disseminadas por viajantes e mercadores, transformadas a cada narração, histórias que evoluiam e se imprimiam no inconsciente colectivo, após tantas vezes escutadas, que se tornavam em conhecimento e por vezes (quase) em facto. O pulp não fugiu a este ditame. Enquanto forma popular e barata, era consumido com a despreocupação de quem efectua uma pausa numa vida séria ou de quem, sendo jovem, procura não dar ouvidos a quem lhe afirma que o mundo não é tão especial quanto ele ainda pensa. Enquanto ficção, utilizava a lupa de aumentar da narrativa para explorar sonhos ou ansiedades básicas da existência humana, fazendo reflectir em monstros as ansiedades da morte e da intolerância, em cowboys implacáveis a necessidade do guerreiro imprimida nos genes de todos os machos, em enigmas criminais que despertavam o analítico nos reclusos e tímidos sociais. Enquanto inovação a nível de ficção massificada, produzida a um ritmo regular e destinado a um consumo repetitivo, também ele formou os seus próprios padrões de história (estilos acelerados, intuitivos, ilógicos, preconceituosos, simplistas, descritivos ou redutores) e também ele, pela força desta massificação repetida que conduzia a histórias com naturezas idênticas nas quais as diferenças autorais se diminuiam, imprimiu uma lógica de contar e um padrão de histórias (de Primeiro Contacto com extraterrestres, do cavaleiro solitário qual Messias contra um Mal inominável, do terror escondido no sótão) que, após reprodução na literatura mais séria e moderna, e difusão pelo cinema, persiste até aos dias actuais.

Não havia um momento a perder. A Máquina do Frio estava em pleno uso, e se não conseguissem capturar o quartel, em breve toda a ilha estaria soterrada de gelo, gelo feroz e inóspito que acabaria por consumir toda a vegetação e animais e pessoas - em suma, toda a vida naquele pedaço isolado dos Trópicos.

- Temos de recuperar os mísseis - disse o general Japard, encarando estupefacto os pequenos veleiros que tinham servido de transporte para o 8º Batalhão. Repousavam agora sobre pilares de gelo enormes, do tamanho de um prédio. Como tinham ido lá parar, não havia modo de saber. O Batalhão não respondia à chamada nem havia sinais de nenhum dos homens. Sabia-se contudo, que cada um daqueles barcos transportava dezenas de explosivos e uma dúzia de mísseis de longo alcance terra-terra.

A telemetria indicava que nenhum deles tinha sido usado contra a Máquina do Frio. Não tinha havido um ataque de resposta ao inimigo. Apenas aqueles navios, aquelas estátuas no topo de montanhas de gelo, de velas recolhidas ante o vento gélido, caladas, vazias, inóspitas.

Ia ser praticamente impossível cumprir as ordens do General. Tudo o que poderiam usar como instrumentos - madeira, lianas - estava soterrado debaixo de uma camada de gelo de meio metro de espessura. O tempo que perdessem a escavar era tempo ganho pelo inimigo. Ele assistira já aos efeitos de uma exposição total aos efeitos do raio sobre um ser vivo. O resultado não era nada agradável.

Mas "praticamente impossível" não significava "totalmente impossível"...

Soltou um assobio. Fez rodar a mão no ar.

O Esquadrão Especial saiu dos esconderijos nas tocas de neve e correu para ele sobre patins. Patins que tinham sido ideia do sargento Esperança, e que de facto eram uma forma eficaz de se moverem naquele terreno desconhecido, mau-grado as ocasionais e humilhantes quedas de quem estava mais habituado.

Começou a pensar em quem haveria de destacar para a perigosíssima missão. Iriam ficar à mercê da Máquina, se o inimigo estivesse atento.

Iria precisar dos seus melhores homens. E já sabia quem havia de escolher.

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03 Novembro 2008

28 Dias de Pulp. A Ficção Científica nasceu no pulp e há quem afirme que ainda lá continua. Amazing Stories foi a revista de eleição de Hugo Gernsback, possivelmente a maior contribuição de sempre do Luxemburgo para o género, cujo primeiro número saiu em Março de 1926, a poucos anos da Grande Depressão. Foi devido a esta reviravolta económica que a revista acabaria por passar para as mãos de outros editores,  devido a um processo de falência, e a começar a ter uma existência muito própria, durando (em diferentes formas e encarnações) até há poucos anos. Outras se lhe seguiram, tornando-se num verdadeiro laboratório para autores novos e consagrados manterem um contacto permanente com o público e um ganha-pão assegurado. Hoje em dia encontram-se numa das mais importantes fases de transição, desaparecendo das estantes e multiplicando-se na internet. O espírito continua o mesmo: publicar histórias em formato resumido, contos que explorem o potencial do Multiverso em se descrever a si mesmo.

O rodo longitudinal era o mais importante, pois garantia a sustentabilidade e a impulsão, enquanto que o horizontal basicamente mantinha-os estáveis, não permitindo que andassem às voltas sobre o eixo – embora sozinho não lhes valesse de muito.

Por essa razão, ainda que tivesse perdido informação dos indicadores do eixo latitudinal, era o outro, o maior, o de repulsão gravítica, que mais o preocupava.

E o ruído pulsante que enchia a cabina não preconizava nada de bom...

- Já conseguiste perceber? - perguntou Jaime à figura enfiada de cabeça na abertura da consola.

A figura deu uma resposta, prontamente abafada pela pulsação e pelo metal da estrutura.

- Não percebo nada! - uma depressão repentina no planalto fê-los cair meia dúzia de metros abruptamente. Pastas, livros, canecas, caixas, tudo voou pelo ar e tombou sobre ambos, qual chuva de objectos domésticos. Jaime afastou com irritação os materiais que o cobriam e que lhe dificultavam a pilotagem. A situação estava grave: era impossível que a navegação daquele globo tão sofisticado não conseguisse compensar, em situações normais, as perturbações do solo, de forma a manter o vôo estável. Voltou a berrar: - Descobriste o problema?

A figura arrastou-se a custo para fora do alcapão. Era um miudo de doze, catorze anos no máximo. Apresentava um golpe fresco na testa, talvez devido à manobra brusca. E estava completamente assustado.

Ergueu a mão. A pastilha de circuitos estava completamente negra e queimada.

Jaime tirou-a da mão do rapaz e ergueu-a ao nível dos olhos. A luz do dia contra o qual a observou revelou-lhe um interior recheado de pó - pó! - ao invés do emaranhado de fios condutores sólidos que costumava ser a condição normal de um piloto automático.

Aquele cérebro estava morto!

- Mas como foi que isto aconteceu? - nos últimos segundos, Jaime ficou tão lívido quanto o rapaz.

- Teria de ser um vírus, pai. Não vejo outra forma. Venderam-te este cérebro já doente.

- Mas... mas... - aquele vendedor de pacotilha! Havia de lhe dizer das boas quando voltassem.

Contudo, o problema era precisamente esse... voltar.

Sem cérebro, como conseguiriam abrir o nodo correcto do hiperespaço e voltar para casa? Arriscariam escolher um percurso nos milhões de possibilidades envolvidas em cada salto quântico?

Engoliu em seco. Corriam sério perigo, e o pior era que o miudo estava com ele. Ali, num planeta desabitado, na orla da galáxia, tão afastado de qualquer percurso habitual que nem sequer tinha sido devidamente cartografado.

E tudo porque a professora do rapaz quisera um trabalho de campo a respeito de ecologias em desenvolvimento! Mais valia terem feito uma incursão à biblioteca virtual...
 

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