Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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12 Janeiro 2008

A MONTANHA QUE PARIU... A BYBLOSVários blogues seguiram os preparativos da abertura da maior livraria de Lisboa, destacando conceitos inovadores de venda, uma selecção alargada e a história do fundador que não se queria separar de vez da indústria. O burburinho resultou, e durante as minhas férias no outro lado do mundo ia acompanhando, sempre que possível, a evolução da ocorrência. Perdi a inauguração mas não os comentários de alguma desilusão que a acompanharam. Obviamente que quando voltei, quis comprovar pessoalmente. E fiquei bastante decepcionado.

Para começar o acesso é complicado (para quem mora em Lisboa o metro mais próximo é o do Rato, e há que subir toda a encosta das Amoreiras; para quem vem de fora, é obrigado a estacionar no centro comercial mais próximo porque é quase impossível encontrar estacionamento disponível na rua, sair do conforto deste e atravessar ruas estreitas e estradas movimentadas sob o frio de Janeiro). Apenas curiosos e grandes apreciadores irão visitá-la com recorrência, quando se esgotar o efeito novidade. Contudo, isso nunca seria, para mim, factor de desmotivação, se porventura a livraria me agradasse. 

Infelizmente, quem concebeu a loja devia sofrer de claustrofobia aguda porque parece ter tido uma única orientação em mente: espaço livre. Não apenas espaço livre mas muito espaço livre. Ou seja, pegou-se numa livraria de bairro (pequenina e acolhedora, os livros apertados uns nos outros nas estantes, que cedem ante o peso de tantas letras juntas, duas ou três mesinhas baixas a separar a porta e o vendedor) e soprou-se; resultado: os mesmos livros encostados e enfileirados na parede, a mesma meia-duzia de mesinhas baixas ao longo da superfície - e todo aquele espaço entre eles. No entanto, ao inflaccionar assim, ficou como a rã da história, inchada. 

O gestor e o leitor que habitam em mim ficaram decepcionados em igual medida.

Enquanto gestor, entendo que um metro quadrado de superfície comercial não é um metro quadrado de fonte de rendimento. Não é o corredor que vende, mas a estante que mostra o livro que o comprador adquire. O corredor existe para o comprador ter acesso à zona da loja em que este livro reside, logo o corredor é necessário - mas é um custo. Não há nenhuma livraria do mundo (que eu conheça) que convença os leitores a pagar pelo previlégio de percorrerem os corredores. «Gostei muito da secção das traseiras, aqui estão dez euros». Uma livraria vende livros, os livros estão expostos em estantes ou mostruários, estas estantes e mostruários é que são espaços com potencial de rendimento porque expõem mercadoria - rendimento que paga as contas da loja, paga aos empregados, paga ao dono do centro comercial que por sua vez paga aos empregados de segurança e aos de limpeza, paga aos distribuidores, paga aos editores, paga aos autores, e permite a todos estes elementos envolvidos na cadeia de valor terem uma casa, uma família, filhos, e tentarem encontrar um pouco de felicidade neste mundo que sabemos insensível e tecnocrata. 

Por outro lado, poucos serão suficientemente masoquistas para se aventurarem com frequência em lojas apertadas, a cheirar a mofo e desconfortáveis. Neste aspecto, o espaço livre da zona comercial transforma-se de custo em investimento, possibilitando ao comprador uma experiência agradável, confortável, um «bom ambiente», que o coloque na predisposição de largar os cordões à bolsa como o vinho, rosas e um Ferrari colocarão uma super-modelo na disposição certa (mal sabe ela que o Ferrari é alugado...)

Outra forma de tornar o espaço livre em investimento é de colocar publicidade (discreta e inteligente) na forma de cartazes, animações ou pequenos engenhos divertidos que chamem a atenção para este e aquele livro.

Enquanto leitor, adoro estar rodeado de livros por todos os lados; aventurar-me entre fileiras estreitas de duas estantes contíguas e percorrê-las com prazer à procura de uma novidade desconhecida, daquela discreta obra que passou injustiçada debaixo do radar dos críticos. E que hajam muitos e muitos corredores desses, para que a experiência se possa adentrar por um agradável início de tarde.

Quando se entra na Byblos, no piso inferior, dedicado à ficção, e após a zona de jornais e revistas, com uma selecção agradável, encontra-se espaço amplo. Muito espaço, muito amplo, cortado a meio pelos acessos ao piso superior. Surgem no caminho uma ou outra bancada larga exclusivamente constituida pelo Rio das Flores e pelo Sétimo Selo, o que parecendo que não, é espaço comercial desaproveitado, pois instintivamente afasta quem não está interessado neles ou já os tenha (e convenhamos, senhores, não é por ver cinquenta exemplares da mesma obra empilhados em formato de bancada redonda que de repente me vai apetecer comprá-los - a não ser que por uma razão bizarra eu precisasse de colocar em casa uma mesa feita a partir de livros do Miguel Sousa Tavares...) Para chegar aos livros é preciso caminhar ainda um pouco ao longo de espaço vazio, passar pela entrada do auditório (que me pareceu pequeno comparativamente aos exageros do resto da loja) e finalmente atingir estantes dignas do nome. E nestas os livros estão enfileirados como manda a lei, de lombadas viradas para fora. Encostados às paredes. 

Olha-se em volta. As novidades imediatas estão amplamente destacadas, mas... onde estão os livros que acabaram de sair das «novidades», onde estão as edições de há seis meses, o que são fins de edição? Afinal, o conceito de novidades fica-se pelo da livraria tradicional? Um casal jovem ri-se de embaraço junto da secção Gay&Lesbian, que as Fnacs já tinham inaugurado em Portugal e que não surpreende ninguém que esteja habituado a viajar. Por outro lado, as pessoas pegam em livros, folheiam-nos? Não vejo assim muitos compradores interessados, a maioria aguarda que o parceiro se despache, mas admito que possa dever-se a ser tarde de domingo. Pelo menos, as crianças adoram, é vê-las correr dum lado para o outro. Os pais também, porque as podem seguir ao longe. Talvez a livraria possa servir também como jardim infantil e ganhar algum dinheiro extra.

Entre as paredes, o espaço interior da loja. Algumas estantes, algumas mesas baixas, daquelas irritantes à moda das Bertrands que nos obrigam a curvar para chegar aos livros. Estão colocadas, não em fileiras para maximizar o espaço de venda, mas de forma oblíqua, como se tentassem esconder preencher espaços vazios. Diz-se que a loja inaugurou com metade da oferta que pretendia - isso nota-se, e desagrada.   

O que corta qualquer possibilidade de acolhimento e intimidade. O Zé Mário disse que encontrou mini-livrarias dentro da livraria, mas a única que se assemelhava a tal era a da zona infantil - em todas as restantes o comprador é obrigado a estar virado para a parede, para as prateleiras na parede, com a cabeça deitada para discernir os títulos das lombadas. Uma prateleira temática não constitui para mim o conceito de mini-livraria, apenas de prateleira temática - é como organizo os livros cá em casa. 

(E continuo sem perceber porque estes espaços comerciais colocam a mercadoria de forma a que o comprador tenha de ficar de costas para o interior da loja e na linha de visão directa de mais mercadoria... teoricamente, quem saiba ao que vem pode entrar na loja, dirigir-se à parede das novidades, tirar o livro, pagar à saída sem nunca se aperceber dos restantes livros nem das interessantes ofertas que havia lá mais para o fundo...)

Falou-se também das novidades em termos de informatização e de um braço-robô que consegue seleccionar obras que não estão em exposição. É o mesmo tipo de braços-robô usados para armazenar tapes em centros de informática, e garanto-vos que perdem a novidade ao final de alguns minutos. Quanto à procura de livros em ecrans de computador, isso consigo fazer no conforto do lar, e inclusivé adquiri-los sem tirar as pantufas. Se venho a uma livraria, é para contactar fisicamente com os livros, ouvir opiniões dos livreiros, percorrer os títulos à procura de algo que me desperte o momento. Se venho a esta livraria quero algo mais que as outras não me darão - muita oferta, uma selecção diverisificada e presente, ter acesso àquele livro que se falava em 2005 e que só hoje me apeteceu ler... 

Não perdi muito tempo no piso de cima, mas agradou-me mais, era mais pequeno e a oferta parecia melhor distribuida. Ficou no entanto a sensação de ser apenas mais uma loja, mais uma livraria, cuja oferta não se diferencia das restantes, que têm mais fácil e confortável acesso, ou sequer de uma Webboom electrónica.  

A minha atitude é de aguardar para ver. E de desejar boa sorte ao projecto. Afinal, é a única livraria do pais com ousadia suficiente para separar o género «Fantasia» do da «Ficção Científica» em secções individualizadas, e com a inteligênia (que espero não tenha sido distracção) de misturar, nestas, edições nacionais e importadas lado a lado. Entendo que esteja ainda a crescer, e que precise de solidificar-se. Espero que apostem em construir um catálogo vasto, e que encham o espaço com estantes corridas repletas de oferta. 

Por outro lado, é também possível que esteja influenciado pela forma de fazer norte-americana. A fotografia da esquerda foi tirada em Dezembro passado numa das maiores lojas da cadeia Chapters-Indigo, ao final do dia, e apresenta o piso zero do lado este (como curiosidade, a primeira meia dúzia de corredores dedicam-se exclusivamente à Ficção Científica - a secção de Fantasia ficava logo a seguir, e a de Terror ao fundo da loja). Não se deixem enganar pela baixa resolução da imagem. O espaço é bastante agradável, simpático e com uma iluminação eficiente que não cansa. É amplo e recheado de livros a perder de vista. Muitos e muitos e muitos livros, como se quer numa livraria e como põe o nosso coração de leitor a palpitar. E o nosso coraçãozinho de gestor apreciava a forma como as secções estavam marcadas e as marcas eram visiveis num só relance a partir da entrada, orientando eficientemente e de igual forma o comprador habitual e o comprador de primeira vez, não o obrigando a perder tempo a remexer em romances de cordel se o gosto dele é por livros sobre militares. A mistura devidamente equilibrada entre espaço livre e espaço de venda. E promoções. Cartões de fidelização com 20% de desconto. Esquemas compre-2-pague-1. Livros grátis em compras de valores superiores a. Hardcovers em fins de edição a 15, 10, 5 dólares. Monos e livros com defeitos a 1 dólar. Promoções cumulativas, gente. Não há livro que fique por vender naquela terra.

Há que respeitar e admirar a coragem e a capacidade visionária do criador do conceito. Aparentemente, houve bastante pesquisa antes de o finalizar. Decerto teve de fazer concessões. E decerto os nossos gostos diferem. Contudo, é minha opinião que, se a Byblos ficar pelo que apresenta hoje, tornar-se-á em mais uma oportunidade falhada, fazendo as alegrias dos velhos do Restelo mas pelas razões erradas.

Uma loja da Chapters-Indigo de Toronto

byblos_dia2.jpg

(a Byblos no dia seguinte ao da inauguração, via Bibliotecário de Babel)

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12 Janeiro 2008

DO OUTRO LADO DO MAR Roberto de Sousa Causo efectua idêntico resumo sobre a actividade editorial decorrida no Brasil durante o ano de 2007, com alguns destaques notórios a par de esquecimentos notórios, como por exemplo o da nossa própria antologia Por Universos Nunca Dantes Navegados, composta em 50% por autores brasileiros de renome. Parece ter sido no Brasil também um ano de antologias de ficção curta (aquilo que em português não adulterado por ango-saxonismos se designa por «contos»), sendo um dos projectos mais interessantes o de Ficção de Polpa - pelo menos a nível de ideia, porque a nível de execução guardo, sinceramente, muitas reservas até ver o produto final, uma vez que o meu próprio conto submetido para o segundo volume destinado à temática Ficção Científica acabou não sendo seleccionado, não por uma questão de qualidade, mas porque, além de ser relativamente grande, tinha, nas palavras do autor, «enredo e Ficção Científica em demasia» e ele procurava algo mais intimista para um público generalista (sim, onde é que eu tinha a cabeça quando enviei uma história destas em resposta a uma convocatória de pulp fiction de Ficção Científica?...) Apesar destes pequenos atropelos, o Brasil continua a ser um mercado vibrante com dezenas de autores em constante movimento, escrevendo em parcerias, publicando na internet, e batalhando contra o oblívio. Já no início deste ano sai uma antologia apetecível, organizada pelo próprio Causo, com a designação de Os Melhores Contos Brasileiros de Ficção Científica (edições Devir Brasil) e a proposta de se tornar na «primeira antologia retrospectiva da FC brasileira, a primeira a impor um conjunto de contos-referência para o género no Brasil», com uma galeria impressionante de autores, desde Machado de Assis, André Carneiro, Jerônimo Monteiro, Jorge Luís Calife, Rubens Teixeira Scavone, Ricardo Teixeira, Levy Menezes, Domingos Carvalho da Silva, Gastão Cruls, e o próprio Causo (ausente da lista de autores da capa) e sua esposa, Finisia Fideli. Aguardamos ansiosamente o segundo volume, ainda não anunciado, desta obra de referência, que decerto incluirá os outros grandes talentos da moderna FC brasileira, como (entre muitos outros) Gerson Lodi-Ribeiro, Bráulio Tavares, Gabriel Boz e Octavio Aragão.

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