Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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29 Agosto 2007

O NOVO LIVRO DE WILLIAM GIBSON já pode ser adquirido nas Fnacs portuguesas, e é, como antecipava, a primeira obra mainstream do precursor do ciberpunk moderno (por muito que ele o negue) - embora como apenas ele seria capaz de o escrever. Não uma reflexão sobre o passado distante, mas sobre o dia de ontem, sobre a hora que agora terminou. Esta perspectiva do presente intensificado, aquele que acabou de acontecer, percorre Spook Country, algo que é assumido pelo próprio autor como resultado da sua incapacidade de discursar sobre o futuro por não conseguir descrever precisamente o mundo em que vivemos. Este singelo obstáculo reflecte de certa forma o cerne do género e da crise por que passa, na qual está a perder a primazia para romances escapistas de fantasias juvenis. Mas se esse é o facto, o passado, devíamos perguntar: o que surgirá a seguir? Uma cisão profunda entre os autores de tecnothrillers pós-era-da-informação e os viajantes do espaço cósmico, de tal forma que se situarão em géneros comerciais completamente distintos? A recuperação pela FC tradicional da inocência e simplicidade dos anos 50 de forma a competir com outras obras de intenso escapismo e recuperar a audiência perdida? E no que respeita à sociedade em geral, neste estado de complexidade incremental, quem ditará as regras no fim do dia, quem será competente para seguir e ver a big picture, como legislar o progresso tecnológico?

(...) We’re doing things differently and we’re doing them more differently as we go along. And there’s no plan. There’s no plan for any of this. No one legislates that there’s going to be cell phones; they just get invented. Then we try and legislate it after the fact to make sure that what happens from having cell phones is OK. New technologies emerge and they start changing our society in ways that nobody, least of all the inventors of these things, ever intended. That’s the way in which the world is fundamentally out of control.

É verdade. Não temos qualquer plano para o progresso tecnológico - e por arrastamento, nem para a evolução socio-cultural. Não é mandatório que os técnicos registem a intenção de conduzir pesquisas. Nenhuma empresa é obrigada a fazer um estudo de impacto social antes da introdução no mercado de novas tecnologias: uma avaliação efectiva da contribuição de determinado aparelho, que grupos sociais verão o protagonismo respectivo incrementado e quais o perderão com a mudança, que conceitos e semiótica se prevê desenvolverem-se pela interacção com o novo aparelho e como se disseminarão no tempo, e de que forma serão afectadas as classes etárias mais antigas e resistentes à mudança. Somos livres de dispender o tempo e o esforço humano à nossa disposição em actividades sem controlo social e que podem não conduzir a benefícios práticos para a vida quotidiana (por exemplo, as horas de investigação dedicada à cosmética perante as dedicadas a algumas áreas da saúde).

É um facto. Não é uma proposta para que o façamos, apenas que não vejo argumentações (literárias) de futuros em que isto poderia acontecer, nem argumentações contra e a favor, e é função do autor de FC (entre outras) questionar o impensável - se não questionar, que falta faz o que escreve?

E depois há umas preciosas gemas nesta entrevista que nos remetem para o motivo pelo qual demos origem ao termo TecnoFantasia, e o que significa para a alma humana:

There are now so many ways for people to get intensely and even emotionally involved with things that are happening to them, but that aren’t physically happening to them. They’re just happening on a screen. And that’s so much a part of the culture that we take it absolutely for granted. There are ways of looking at it that sort of reveal how strange it is. If my great-grandfather, if you told him that he was about to hear a dead man sing and he believed you — it probably would’ve horrified him — if I’m walking into a supermarket and Elvis is singing “Heartbreak Hotel,” I don’t start shivering. I just take it for granted. So there are these dead people who are out there singing, and they’re probably gonna be singing forever. Not only are they singing, they’re earning money!

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27 Agosto 2007

A RELAÇÃO ENTRE POLÍTICA E FC parece inevitável, e no entanto é raro (considerando as centenas de títulos publicados anualmente, nos paises de expressão anglo-saxónica e não só) encontrar uma obra verdadeiramente constestatária do status quo. A fantasia comercial, então, peca pela ausência absoluta de questões relacionadas com o poder e o determinismo social, no sentido em que o protagonista, ou parte de uma condição de nobreza/monarquia ou a atinge mediante o cumprimento da missão que lhe fora fadada - não me recordo de uma obra (séria) recente em que o pobre coitado é enganado pelos ricos a arriscar a vida na conquista do anel/fios de cabelo/porta-chaves mágico em questão, para no final ser despojado e continuar pobre e a sustentar uma dúzia de putos. Mesmo assim, é de admirar (ou talvez não, afinal Portugal continua a ser assolado por um debate de esquerda bastante activo, para o bem e para o mal) que um dos prémios Caminho tenha sido a Euronovela do Miguel Vale de Almeida, recuperando o tema iniciado por Saramago em Jangada de Pedra  sobre a identidade portuguesa na Europa unida. John Barnes, que tem como profissão a fascinante actividade de consultor em semiótica estatística, acrescenta algumas considerações - bastante americanizadas - à questão, e oferece igualmente (a par do presente post) poucos exemplos concretos na literatura (os quais podem ser encontrados aqui, para referência adicional). Mas vale a pena destacar as seguintes ideias sobre a postura de um autor perante o tema:
The habits of mind required for a novelist are antithetical to those required for political participation.  A hard-working, competent politician will open a can of worms only as a last resort, and then try to discard the bad worms, make the good worms line up straight, and ultimately put all the good worms back into a better can.  A fiction writer who is serious about writing good fiction will open the same can just for the hell of it, with a joyous shout of "Wow!  Cool!  Worms!" in order to play with the worms, show the worms to friends, give the worms names, dress the worms up in costumes, attempt to interview the worms, and perhaps try to become a worm.  Naturally the can is thrown away at once, because the worms need room to tangle and copulate and make more worms; if the worms are to be put into anything, it will be something more interesting than a can, perhaps a flower pot, bathtub, or gravy boat.

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