Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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27 Agosto 2007

A RELAÇÃO ENTRE POLÍTICA E FC parece inevitável, e no entanto é raro (considerando as centenas de títulos publicados anualmente, nos paises de expressão anglo-saxónica e não só) encontrar uma obra verdadeiramente constestatária do status quo. A fantasia comercial, então, peca pela ausência absoluta de questões relacionadas com o poder e o determinismo social, no sentido em que o protagonista, ou parte de uma condição de nobreza/monarquia ou a atinge mediante o cumprimento da missão que lhe fora fadada - não me recordo de uma obra (séria) recente em que o pobre coitado é enganado pelos ricos a arriscar a vida na conquista do anel/fios de cabelo/porta-chaves mágico em questão, para no final ser despojado e continuar pobre e a sustentar uma dúzia de putos. Mesmo assim, é de admirar (ou talvez não, afinal Portugal continua a ser assolado por um debate de esquerda bastante activo, para o bem e para o mal) que um dos prémios Caminho tenha sido a Euronovela do Miguel Vale de Almeida, recuperando o tema iniciado por Saramago em Jangada de Pedra  sobre a identidade portuguesa na Europa unida. John Barnes, que tem como profissão a fascinante actividade de consultor em semiótica estatística, acrescenta algumas considerações - bastante americanizadas - à questão, e oferece igualmente (a par do presente post) poucos exemplos concretos na literatura (os quais podem ser encontrados aqui, para referência adicional). Mas vale a pena destacar as seguintes ideias sobre a postura de um autor perante o tema:
The habits of mind required for a novelist are antithetical to those required for political participation.  A hard-working, competent politician will open a can of worms only as a last resort, and then try to discard the bad worms, make the good worms line up straight, and ultimately put all the good worms back into a better can.  A fiction writer who is serious about writing good fiction will open the same can just for the hell of it, with a joyous shout of "Wow!  Cool!  Worms!" in order to play with the worms, show the worms to friends, give the worms names, dress the worms up in costumes, attempt to interview the worms, and perhaps try to become a worm.  Naturally the can is thrown away at once, because the worms need room to tangle and copulate and make more worms; if the worms are to be put into anything, it will be something more interesting than a can, perhaps a flower pot, bathtub, or gravy boat.

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21 Agosto 2007

QUEM DIRIA QUE A ESPECULAÇÃO ANTECIPA A PRÓPRIA FICÇÃO? No meu conto «A Casa de um Homem» (revista Bang! nº 1, Edições Saída de Emergência) tentei inovar no conceito de meios de transporte: imaginem um habitáculo pequeno, que contenha um mínimo de condições para repouso e existência, quase como um quarto de hotel, no qual o viajante entra tendo como objectivo chegar a um destino, sendo-lhe perfeitamente indiferente se o fará por mar, terra ou ar. Esse habitáculo, construido de acordo com um standard internacional, tem capacidade de se afixar às carlingas de veículos de transporte de cargas que façam rotas permanentes - preferencialmente de baixo custo energético - e que possam depositá-lo num próximo destino intermédio para ser colectado pelo veículo seguinte.

Imagine que pretende deslocar-se a Londres; imagine inclusive que habita numa vivenda e que uma secção da sua casa é destacável e está consagrada a este tipo de viagens. Faz as malas, muda-se para o habitáculo, e solicita o seu destino, sendo-lhe apresentadas rotas alternativas, cada qual com a sua duração, momento de partida e custo. Escolhe e aguarda. No momento indicado, surge um camião que anexa o seu habitáculo à respectiva carga e dá início à sua viagem. Dali em diante, passa por uma sucessão de transbordos: é colocado num comboio expresso com destino ao aeroporto, aí chegado o habitáculo é confortavelmente (mais solavanco, menos solavanco) depositado na carlinga de um avião de carga massivo que enceta rumo ao aeroporto mais próximo do destino; já em Inglaterra o seu habitáculo anexa-se ao lugar que lhe está reservado no próximo metro para o centro da cidade, e finalmente, porque assim o solicitou, é anexado numa das estruturas receptoras que abrigam temporariamente viajantes - poderia ter escolhido permanecer num hotel, e neste caso o habitáculo seria (por sua escolha) devolvido à precedência automaticamente ou armazenado num silo até ao momento do regresso. Claustrofobia de passar tanto tempo fechado? Possivelmente o avião e o comboio teriam serviço de bordo, espaços restaurante - inclusive outros habitáculos - onde iria relaxar durante esse período da viagem.

Haveria efeitos secundários indesejados nesta tecnologia? Bem, o conto em questão menciona um: que piratas informáticos poderiam convencer a sua casa (se fosse toda ela um habitáculo móvel e inteligente a ponto de cumprir tarefas automáticas - por exemplo, deslocar-se a um lugar de limpezas domésticas - sem intervenção humana) a deslocar-se sozinha para o outro lado do mundo... sem o dono.

Eis como descrevi o conceito - nesta cena o protagonista dirige-se a Nova Iorque em busca da sua casa raptada:

            (...)Mas acabaria por fazer eu a viagem, numa casa alugada, um pequeno quarto com kitchnette e lavatório no qual mal me podia mover. Passei horas a sobrevoar o Atlântico, congeminando as próximas acções e informando-me intensamente sobre os movimentos secretos do submundo informático. (...)

            Aterrei no porto de Nova Iorque, no meio de uma tempestade que erguia ondas ferozes contra os pontões fortificados de Manhattan e faziam balançar os barcos de bambu, atados uns contra os outros, a ligar os dois braços do rio. Como era possível viver ali, pensei, enquanto aguardava a aproximação de um transportador que me levasse para o nicho alugado de uma estrutura na Sétima Avenida; segundo a net, viviam mais de dois milhões de almas naquelas embarcações frágeis que via acomodarem-se à vontade do mar pela janela do quarto. Nova Iorque era actualmente mais parecida com o caos associado ao imaginário de Hong Kong, que esta própria.

            Quando a casa alugada se fixou na estrutura, fui ao encontro de um amigo de longa data. Se era tão desenrascado como antigamente, iria encontrar forma de nos levar ao epicentro do sinal lançado pela minha casa. (...)

E porque um retrato tão detalhado? Porque acabo de descobrir um artigo datado dos anos sessenta que descreve um conceito aproximado, e de que não tinha conhecimento até hoje, mais uma prova de que ideias idênticas surgem espontaneamente ao longo das eras e das culturas:

(...) Martin Schaffer, chairman of the board of an airplane architectural firm, envisions "containerized" passengers transported from near their homes to the plane and then to their destinations without leaving the seats in which they started. (...) Shaffer foresees passengers with their baggage boarding a "pod" from gathering points in the area serviced by the airport, Shaffer explained that the pods would be car-like compartments running on monorails through tunnels like an underground system or on an air cushion. Several pods, carrying about 75 passengers each, would be scheduled for a specific flight, Shaffer said, and after picking up the passengers at designated stops, would go directly to the field. Instead of seats for passengers, planes would consist of a large frame in which the pods would be inserted, the way baggage compartments are insterted into a frame now, Shaffer said. The pods could be detached from the air frame upon landing and could carry the passengers to different points at their destination, he said. (...)

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