Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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21 Agosto 2007

QUEM DIRIA QUE A ESPECULAÇÃO ANTECIPA A PRÓPRIA FICÇÃO? No meu conto «A Casa de um Homem» (revista Bang! nº 1, Edições Saída de Emergência) tentei inovar no conceito de meios de transporte: imaginem um habitáculo pequeno, que contenha um mínimo de condições para repouso e existência, quase como um quarto de hotel, no qual o viajante entra tendo como objectivo chegar a um destino, sendo-lhe perfeitamente indiferente se o fará por mar, terra ou ar. Esse habitáculo, construido de acordo com um standard internacional, tem capacidade de se afixar às carlingas de veículos de transporte de cargas que façam rotas permanentes - preferencialmente de baixo custo energético - e que possam depositá-lo num próximo destino intermédio para ser colectado pelo veículo seguinte.

Imagine que pretende deslocar-se a Londres; imagine inclusive que habita numa vivenda e que uma secção da sua casa é destacável e está consagrada a este tipo de viagens. Faz as malas, muda-se para o habitáculo, e solicita o seu destino, sendo-lhe apresentadas rotas alternativas, cada qual com a sua duração, momento de partida e custo. Escolhe e aguarda. No momento indicado, surge um camião que anexa o seu habitáculo à respectiva carga e dá início à sua viagem. Dali em diante, passa por uma sucessão de transbordos: é colocado num comboio expresso com destino ao aeroporto, aí chegado o habitáculo é confortavelmente (mais solavanco, menos solavanco) depositado na carlinga de um avião de carga massivo que enceta rumo ao aeroporto mais próximo do destino; já em Inglaterra o seu habitáculo anexa-se ao lugar que lhe está reservado no próximo metro para o centro da cidade, e finalmente, porque assim o solicitou, é anexado numa das estruturas receptoras que abrigam temporariamente viajantes - poderia ter escolhido permanecer num hotel, e neste caso o habitáculo seria (por sua escolha) devolvido à precedência automaticamente ou armazenado num silo até ao momento do regresso. Claustrofobia de passar tanto tempo fechado? Possivelmente o avião e o comboio teriam serviço de bordo, espaços restaurante - inclusive outros habitáculos - onde iria relaxar durante esse período da viagem.

Haveria efeitos secundários indesejados nesta tecnologia? Bem, o conto em questão menciona um: que piratas informáticos poderiam convencer a sua casa (se fosse toda ela um habitáculo móvel e inteligente a ponto de cumprir tarefas automáticas - por exemplo, deslocar-se a um lugar de limpezas domésticas - sem intervenção humana) a deslocar-se sozinha para o outro lado do mundo... sem o dono.

Eis como descrevi o conceito - nesta cena o protagonista dirige-se a Nova Iorque em busca da sua casa raptada:

            (...)Mas acabaria por fazer eu a viagem, numa casa alugada, um pequeno quarto com kitchnette e lavatório no qual mal me podia mover. Passei horas a sobrevoar o Atlântico, congeminando as próximas acções e informando-me intensamente sobre os movimentos secretos do submundo informático. (...)

            Aterrei no porto de Nova Iorque, no meio de uma tempestade que erguia ondas ferozes contra os pontões fortificados de Manhattan e faziam balançar os barcos de bambu, atados uns contra os outros, a ligar os dois braços do rio. Como era possível viver ali, pensei, enquanto aguardava a aproximação de um transportador que me levasse para o nicho alugado de uma estrutura na Sétima Avenida; segundo a net, viviam mais de dois milhões de almas naquelas embarcações frágeis que via acomodarem-se à vontade do mar pela janela do quarto. Nova Iorque era actualmente mais parecida com o caos associado ao imaginário de Hong Kong, que esta própria.

            Quando a casa alugada se fixou na estrutura, fui ao encontro de um amigo de longa data. Se era tão desenrascado como antigamente, iria encontrar forma de nos levar ao epicentro do sinal lançado pela minha casa. (...)

E porque um retrato tão detalhado? Porque acabo de descobrir um artigo datado dos anos sessenta que descreve um conceito aproximado, e de que não tinha conhecimento até hoje, mais uma prova de que ideias idênticas surgem espontaneamente ao longo das eras e das culturas:

(...) Martin Schaffer, chairman of the board of an airplane architectural firm, envisions "containerized" passengers transported from near their homes to the plane and then to their destinations without leaving the seats in which they started. (...) Shaffer foresees passengers with their baggage boarding a "pod" from gathering points in the area serviced by the airport, Shaffer explained that the pods would be car-like compartments running on monorails through tunnels like an underground system or on an air cushion. Several pods, carrying about 75 passengers each, would be scheduled for a specific flight, Shaffer said, and after picking up the passengers at designated stops, would go directly to the field. Instead of seats for passengers, planes would consist of a large frame in which the pods would be inserted, the way baggage compartments are insterted into a frame now, Shaffer said. The pods could be detached from the air frame upon landing and could carry the passengers to different points at their destination, he said. (...)

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20 Agosto 2007

UM DIA ESPECIAL PARA OS AMANTES DO TERROR. Há mais de um século nascia H. P. Lovecraft. Há quase um século preparava-se o primeiro encontro entre tropas britânicas e germânicas na frente de batalha da Bélgica, cujo desfecho aparentemente milagroso (a intensidade de fogo dos ingleses confundiria os alemães, levando-os a pensar que estariam a defrontar um exército de maiores proporções e dessa forma permitiram-lhes a retirada) serviria de base à lenda do Anjo de Mons, eternizada em relato pelo discreto Arthur Machen, cuja abordagem fantástica encontrava lendas de perigosa sedução na geografia dos terrenos campestres e do corpo feminino. A reunião destes elementos encontra-se (uma das possíveis versões de) descrita em «Aquele Que Repousa na Eternidade», in Sombra Sobre Lisboa, Edições Saída de Emergência, 2006, da qual vos deixo um extracto:

           O vigésimo-quarto aniversário do rapaz é celebrado sem grande pompa e circunstância. Corríamos nós em direcção à vila e quem a habitava fugia de lá, de pertences recolhidos em grandes trouxas feitas de lençóis atados com nós nas pontas e transportados sobre burros e cavalos e carroças, no meio de mãos-cheias de crianças e mulheres de olhar assustado. Os encontros eram quase sempre de uma mútua incredulidade e absoluto e silencioso respeito pela escolha da outra parte. Armagedão ou não, se o rapaz não tivesse recomeçado a ter ataques nocturnos dificilmente teria aceite continuar, e o Parsifal que se lixasse.

            Mas ser interrompido a meio de um jantar numa casa de campo com o rapaz a gritar impropérios subitamente ao ar vazio, assustando o dono que era velhote e se recusava a abandonar a casa, mesmo com a possibilidade de uma nova guerra – assustando-nos a nós todos, pois não houvera provocação aparente, desta feita, para se levantar e caminhar como se possesso, brandindo os punhos e falando naquela língua antiga cujo sons despertavam significados, mais ou menos, desconexos em mim (quem pairava sobre nós? Quem se encontrava do lado de fora da casa?) – Parsival tentando acalmá-lo e levá-lo a sentar-se, e lá fora o vento a soar com mais força, chiando nas frestas das janelas e das portas da casa de madeira – o rapaz dirigindo-se de súbito para a entrada e apontando-lhe o dedo, invocando algum espírito, e de súbito, três fortes pancadas na noite faziam estremecer a porta de carvalho, calavam-nos a todos e eu quase perdia o controlo do esfíncter – Parsifal retirando do bolso uma pequena pistola que nunca lhe tinha visto guardar, mas cuja presença era naquele instante motivo de satisfação, e começando a dirigir-se muito lentamente, quase como num sonho, para a maçaneta – a voz forte que se ouviu de repente do outro lado, a anunciar em francês que se tratava da guarda nacional e a perguntar se estávamos todos bem – o suspiro colectivo de alívio, em particular do velhote, que se começou logo a rir e a responder ao visitante – Parsifal que guardava de novo a pistola antes de abrir a porta e revelar uma figura da mesma idade avançada que o nosso anfitrião, de espingarda ao ombro e farda policial a entrar e cumprimentar-nos – o espanto dele ao julgar que haveria um fogo intenso num dos quartos, pois quando caminhava pela rua vira um brilho espectral muito forte cobrir o telhado da casa térrea, formando um remoínho que pulsava – a troca de olhares significativos entre mim e Parsifal, o rapaz entretanto desfalecido numa cadeira - ser interrompido dessa forma e não conseguir dormir durante a noite porque estava continuamente a regressar àquele domingo e à ansiedade de Thomas e à teimosia de Hogarth e ao percurso descendente para o interior da terra e ao terror crescente nos olhos do velho árabe intérprete da linguagem inscrita nas paredes que me fazia acordar de pele arrepiada, e ficava a ouvir a voz gentil do rapaz americano, muitas vezes a dormir num catre junto ao meu, a repetir, baixinho, as mesmas falas que haviam sido trocadas naquele dia distante, a sonhar o meu sonho...

            Se Amy não tivesse morrido e Dorothie desaparecido em parte incerta e aquela maldita incursão às escavações tivesse sido oferecida a outra pessoa...

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