Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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20 Agosto 2007

UM DIA ESPECIAL PARA OS AMANTES DO TERROR. Há mais de um século nascia H. P. Lovecraft. Há quase um século preparava-se o primeiro encontro entre tropas britânicas e germânicas na frente de batalha da Bélgica, cujo desfecho aparentemente milagroso (a intensidade de fogo dos ingleses confundiria os alemães, levando-os a pensar que estariam a defrontar um exército de maiores proporções e dessa forma permitiram-lhes a retirada) serviria de base à lenda do Anjo de Mons, eternizada em relato pelo discreto Arthur Machen, cuja abordagem fantástica encontrava lendas de perigosa sedução na geografia dos terrenos campestres e do corpo feminino. A reunião destes elementos encontra-se (uma das possíveis versões de) descrita em «Aquele Que Repousa na Eternidade», in Sombra Sobre Lisboa, Edições Saída de Emergência, 2006, da qual vos deixo um extracto:

           O vigésimo-quarto aniversário do rapaz é celebrado sem grande pompa e circunstância. Corríamos nós em direcção à vila e quem a habitava fugia de lá, de pertences recolhidos em grandes trouxas feitas de lençóis atados com nós nas pontas e transportados sobre burros e cavalos e carroças, no meio de mãos-cheias de crianças e mulheres de olhar assustado. Os encontros eram quase sempre de uma mútua incredulidade e absoluto e silencioso respeito pela escolha da outra parte. Armagedão ou não, se o rapaz não tivesse recomeçado a ter ataques nocturnos dificilmente teria aceite continuar, e o Parsifal que se lixasse.

            Mas ser interrompido a meio de um jantar numa casa de campo com o rapaz a gritar impropérios subitamente ao ar vazio, assustando o dono que era velhote e se recusava a abandonar a casa, mesmo com a possibilidade de uma nova guerra – assustando-nos a nós todos, pois não houvera provocação aparente, desta feita, para se levantar e caminhar como se possesso, brandindo os punhos e falando naquela língua antiga cujo sons despertavam significados, mais ou menos, desconexos em mim (quem pairava sobre nós? Quem se encontrava do lado de fora da casa?) – Parsival tentando acalmá-lo e levá-lo a sentar-se, e lá fora o vento a soar com mais força, chiando nas frestas das janelas e das portas da casa de madeira – o rapaz dirigindo-se de súbito para a entrada e apontando-lhe o dedo, invocando algum espírito, e de súbito, três fortes pancadas na noite faziam estremecer a porta de carvalho, calavam-nos a todos e eu quase perdia o controlo do esfíncter – Parsifal retirando do bolso uma pequena pistola que nunca lhe tinha visto guardar, mas cuja presença era naquele instante motivo de satisfação, e começando a dirigir-se muito lentamente, quase como num sonho, para a maçaneta – a voz forte que se ouviu de repente do outro lado, a anunciar em francês que se tratava da guarda nacional e a perguntar se estávamos todos bem – o suspiro colectivo de alívio, em particular do velhote, que se começou logo a rir e a responder ao visitante – Parsifal que guardava de novo a pistola antes de abrir a porta e revelar uma figura da mesma idade avançada que o nosso anfitrião, de espingarda ao ombro e farda policial a entrar e cumprimentar-nos – o espanto dele ao julgar que haveria um fogo intenso num dos quartos, pois quando caminhava pela rua vira um brilho espectral muito forte cobrir o telhado da casa térrea, formando um remoínho que pulsava – a troca de olhares significativos entre mim e Parsifal, o rapaz entretanto desfalecido numa cadeira - ser interrompido dessa forma e não conseguir dormir durante a noite porque estava continuamente a regressar àquele domingo e à ansiedade de Thomas e à teimosia de Hogarth e ao percurso descendente para o interior da terra e ao terror crescente nos olhos do velho árabe intérprete da linguagem inscrita nas paredes que me fazia acordar de pele arrepiada, e ficava a ouvir a voz gentil do rapaz americano, muitas vezes a dormir num catre junto ao meu, a repetir, baixinho, as mesmas falas que haviam sido trocadas naquele dia distante, a sonhar o meu sonho...

            Se Amy não tivesse morrido e Dorothie desaparecido em parte incerta e aquela maldita incursão às escavações tivesse sido oferecida a outra pessoa...

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19 Agosto 2007

OS PAÍSES PEQUENOS ONDE A REALIDADE É ESMAGADORA partilham de problemas idênticos, e se no nosso caso o vórtice económico que nos suga o progresso não é os Estados Unidos mas uma ideia de Europa que ajudámos a construir e cujo passo temos agora dificuldade em acompanhar (e mais uma vez lamento a falta de existência e divulgação de planos estratégicos a dez e vinte anos que orientem o país para o futuro - inclusive os grandes projectos de infrastrutura parecem ser mais motivados por interesses de lobbies do que por uma visão coerente e fundamentada do que deve ser o nosso desenvolvimento económico -, culpa exclusiva da classe política como um todo, mais preocupada com os trocos de final de mês do que em gerir decentemente o país - mas isto é uma longa discussão...), a verdade é que na ausência de uma perspectiva de futuro e na presença de uma realidade de desconsolo, o que morre em primeiro lugar é a capacidade de antever destinos possíveis. Não iremos a parte alguma porque não nos sentimos mover? A situação do México é muito parecida com a nossa, então, embora eles ainda consigam encontrar no resto da América Latina um espaço para contribuição literária que não possuímos - o Brasil está linguisticamente demasiado distante para tal, e não há Acordos Ortográficos que nos valham. Escrever para a gaveta não é opção, obviamente, embora seja nobre e compreensível a postura de Ramírez, pois o que não é lido não é criticado, e logo o autor perde a motivação e a noção de exigência pessoal. Pois, também não sei como resolver...

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