Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


Encontra-se em modo de artigo. Para ver as outras entradas vá para a Página Inicial ou Arquivo, no menu da direita.

08 Abril 2007

E LÁ MORREU DE VEZ O DN JOVEM, no dia 30 de Março de 2007, mantido a funcionar pela coragem e persistência de ex-colaboradores (olá, Sandra, olá Sónia), escondido em versão online no site do jornal, e apenas com uma referência na edição de fim de semana em papel, assim como quem tem vergonha, aquele epifenómeno a que o Eugénio de Andrade - se a memória não me atraiçoa, que o autor já não é deste mundo - apelidou de «aqueles miudos com borbulhas do jornal», assim descontextualizado numa estranha atitude de autor consagrado perante a malta nova, e no entanto ali, persistente e eterno durante anos, sempre à terça-feira, tema livre a alternar com tema proposto, e uma coluna de rejeição que muito servia o propósito de incentivar à melhoria. Em 1996, o ano da sua primeira morte, chegava eu aos 26 anos, idade limite para colaborar, e propus ao Manuel Dias um texto de despedida, que, vicissitudes dos atrasos e do espaço, ficou na calha para constar da última edição em papel; mas esta acabou por conter uma montra das honrarias que o suplemento granjeou ao longo do tempo, e logo este texto, que agora vos apresento, não chegou a surgir. Existem já movimentações para que a ideia do suplemento se mantenha vivo na internet, mas desligado do jornal, independente, e assim talvez mais solto. Quando tiver mais informações, aviso. Entretanto, aqui fica aquele texto de despedida, um sopro de uma idade menor.

 

REMINISCÊNCIAS

1. Quero falar-vos de um futuro. Um futuro próximo, vinte a trinta anos de distância de hoje. Neste futuro habitará um grupo muito especial de pessoas. Estarão a atravessar a meia-idade, envoltas nos seus problemas e vidas pessoais. É um grupo muito variado; contém todo o tipo de profissões, todo o tipo de interesses. Os seus elementos nasceram e habitam diferentes regiões de Portugal, e até do mundo. A maioria nunca se encontrou, ou raramente, em ocasiões muito específicas. Diferentes idades e gerações estão incluídas nele, podendo haver uma diferença tão grande entre o elemento mais novo e o mais velho como a distância do presente a esse futuro. Não mais terão consciência de fazer parte do grupo, pois o que os unia já se encontra afastado no tempo, na memória.

Mas, por vezes, abrem as velhas e poeirentas pastas de arquivo, e nelas encontram as fotocópias, o papel amarelecido, as folhas escritas a caneta ou marcadas pela impressora - e lembram-se.

Um dia escreveram para o DN Jovem.

Para muitos, será talvez uma recordação fugaz da juventude, pois não chegaram a prosseguir a via da literatura, por falta de incentivo ou de vocação - mais um dos caprichos dessa época, em que o tempo corria a favor da vida e havia liberdade para se preocuparem com as questões mais intimistas dos seus universos pessoais. Para outros, terá sido o início de uma carreira ou de uma vida literária activa; ter-lhes-á aberto portas ou oferecido uma oportunidade, um espaço que os incentivava a escrever, a pensar, a receberem críticas pelo que faziam, a conhecerem o orgulho muito pessoal de encontrarem o nome em letra de imprensa na página de um jornal que chega a todos os cantos do país. Para esses, manteve acesa a chama, acarinhou a comunicação e a troca de ideias; promoveu um local de encontro, pois os escritores pertencem àquelas raças que não conseguem crescer em isolamento.

Nesse futuro, reconhecer-se-á, finalmente (nem que seja nos corações das centenas de colaboradores), a importância que o DN Jovem tem na definição da literatura jovem portuguesa do final do século. A meia dúzia de páginas do Diário de Notícias que se manteve fiel e constante, todas as semanas, durante anos e anos, de espírito aberto a estilos, a experiências, e principalmente à forma de diamante em bruto das promessas, das vozes muito jovens. O único local que não foi elitista; que tinha divulgação ampla e abordagens para todos os gostos; que, no deserto de publicações que é o nosso país, manteve a diferença, mesmo em relação aos outros periódicos, mesmo sabendo que da existência do suplemento não adviriam ganhos suplementares de monta.

E à história do suplemento ficará para sempre ligado o nome do seu coordenador. Daquele que manteve vivo o espaço e a discussão.

Manuel Dias, esta geração de escritores e artistas nunca conseguirá retribuír-te o que te deve.

2. Para terminar, uma perspectiva do passado, do DN Jovem como era há oito anos, quando o conheci. Desde então, passou-se quase uma década, que viu surgir vários estilos, várias tendências e vários autores que se destacaram. Nomes fugazes vêm à memória, alguns que saíram do gueto, como o José Riço Direitinho, outros que tiveram a sua fama dentro daquelas páginas e nunca mais foram ouvidos. Lembro-me em particular dos casos do Eduardo Tomé, que produziu apenas meia dúzia de crónicas mas nelas conseguiu sintetizar um conjunto de pormenores sobre a vida da juventude portuguesa absolutamente perspicazes; da Lara, cujas narrativas eram quase confissões românticas de uma verdadeira paixão pela vida e pelas pessoas, embora tivesse apenas uma história para contar - narrativas estas que me inspiraram a escrever um dos poucos contos que ainda consigo reler, mas que, embora tenha já seis anos de idade, nunca foi publicado. O Alexandre Andrade iria surgir pouco depois com o seu estilo muito próprio mas revelando desde o início uma imensa erudição literária. Foi também antes da época do Pedro Mexia e do José Mário Silva, da Página Sete e da remodelação de formato do jornal. Havia também um maior experimentalismo na ficção. Escreviam-se textos sem maiúsculas, outros quase sem pontuação ou com voz polifónica. As ilustrações não contavam histórias, não havia BD, eram imagens estáticas - depois surgiu o Álvaro e o Nelson, e foi quase impossível regressar à forma pura da ilustração. Imitava-se: o Venda imitava o Saramago, o José Riço imitava o Lobo Antunes - houve até um tema dedicado aos estilos dos outros autores. Havia (como continua a haver) uma falta crónica de humor; os jovens autores são demasiado trágicos, demasiado sérios na sua busca da Verdadeira Literatura: não admitem que o menor vestígio de um sorriso retire a importância das suas Sagradas Palavras (eu sei como é; fui assim e ainda o sou).

A minha dívida ao DN Jovem é tão-somente esta: fez-me polir a escrita; fez-me ter atenção ao texto e não confiar somente nos truques de enredo para seduzir o leitor; fez-me experimentar com as palavras, ser iconoclasta; fez-me querer escrever, continuar a tentar, conseguir ser publicado, pertencer ao grupo; fez-me ser teimoso, pois perante a primeira e dura rejeição (porque, tendo sido já publicado uma ou duas vezes no Diário Popular, estava quase convicto de que Seria Aceite) disse a mim próprio que não iria desistir, não iria parar de enviar textos, que iria fazer aqueles gajos do jornal gostarem do que eu escrevia; fez-me, acima de tudo, aprender que o mais importante é ser-se humilde perante o texto, perante o leitor.

3. Uma última mensagem: não desistam. Um escritor define-se quando escreve, não porque dá conferências ou faz política ou simplesmente afirma que o é.

Lembrem-se.

São as palavras, e somente as palavras, que realmente nos unem.

 

Luís Filipe Silva, 1996

[Link Permanentedel.icio.us  technorati  digg  facebook  reddit  google

08 Abril 2007

EM TEMPOS DE PÁSCOA, cuidado com o que encontram no estômago de coelhos...

[Link Permanentedel.icio.us  technorati  digg  facebook  reddit  google

Site integrante do
Ficção Científica e Fantasia em Português
Texto
Diminuir Tamanho
Aumentar Tamanho

Folhear
Página Inicial

Arquivo

Subscrever
Leitor universal