Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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04 Março 2007

A CONSTRUÇÃO DAS EXPRESSÕES POPULARES como conselho para jovens autores nesta área: as orientações apontadas por Kit Whitfield são valiosas e sumarizam os principais critérios a considerar quando for necessário inventar um novo calão de raíz. E porque esta necessidade? Assumindo que a linguagem é um dos grandes identificadores sociais da espécie humana (atravessem a fronteira do país e notem que, se pela aparência ainda vos será dado o benefício da dúvida, a fala vai trair-vos imediatamente como estrangeiros, nem que seja pelo mero sotaque), e face ao uso de regionalismos, do calão e do jargão, que imediatamente nos classificam em termos de estrato social, local de origem, nível de cultura, formas deformadas da linguagem podem ser, e foram de facto, usadas com grande efeito narrativo (além da Laranja Mecânica do exemplo) em Flowers for Algernon e Feersum Endjin (leiam este último em voz alta para perceber o título). O uso correcto, inteligente e criativo cria um espaço de igual estranheza e identificação no leitor, e uma forma de identificação imediata dos lugares e dos personagens; mas fica o aviso: é extremamente difícil de fazer, se escolherem expressões não imediatamente intuitivas como fez o Burguess vêm-se obrigados a incluir um glossário no livro - o que vai afastar a maioria dos leitores, ou no mínimo dificultar-lhes a empatia com a história -, e depois há o perigo de o autor ficar tão enamorado com a sua própria invenção que não entende que começa a cair no ridículo (exemplos recentes: a expressão frak da Galactica utilizada como alternativa pueril de fuck, ou o romance de estreia de Cátia Palha, cujas extensas passagens numa língua inventada não se salvam com as notas de rodapé e tornam-se no golpe de misericórdia de uma obra com enormes e evidentes deficiências). Em tempos (de faculdade...), brinquei com o assunto e desenvolvi um estilo de português deformado, mais intuitivo que lógico, no qual fiz um conto curto e dei a ler a alguns amigos. O comentário foi de que devia ter mantido o narrador com português normal e só utilizado o calão nos diálogos, porque se tornava difícil de perceber. É uma importante lição, mas sempre senti que retirar o stream-of-conciousness total estragava o efeito. Este é um exemplo mais moderno, mas ainda em fase de polimento:

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Esgaza agarrou-o porque pensava ser puto Coca-Cola, mas não era: pálido ultra, cor zero, a não ser olhos vermelhiraiados. Dedos a agitar o ar, pernas espasmáticas. Forma de falar, mas eu não entendia.

Esgaza diz: M’rda, é um puto avatar.

Eu: Tamos em cagada, Andrak vai não-gostar.

Esgaza aguenta-se pouco em nervosos. Balbucia. Bebé chorão. Um dia leva com petardo. Meu se não primeiro de qualqueroutrém inimigo. Sacudo mais a ele que ao puto.

Eu: nossa missão? Dar cabo dos Coca-Cola. Pensávamos Coca-Cola este. Engano humano ser.

Esgaza: ele olhagrava-nos. Sabes tipo d’olhos que tem.

Eu: conta não, nem pouco maisoumenos.

Guinchou porcinamente ao queimarmos olhos dele. Foi ultrassom guincho, para orientação. Olhos que não vêm mas gravam: boca que não fala mas vê. Ficou a bater em paredes, no quarto fechado, guinchos para lá e cá e acolá como se inacreditando no momento.

Eu, pensando lesto: putos avatares têm riqueza às vezes.

Esgaza seguiu gesto para lábaixo. Sorriu. Cortámos-lhe tomates, talvez senhor proteger queira riqueza própria, ou adversário compre genes secretos dele. Trocos quasicertos – senhores gostam lançar putos em mundo, fazer proles bastardas. Depois cabeça dele foi chão com força, Esgaza bom nisso. Botas dele boas. Puto estremeceu pernis, depois quedo.

Andrak ia não-gostar mas, situação agora calada, podia talvez-aceitar.

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Andrak impercebeu: Esta unidade não comete enganos desta natureza! Não chamamos a ira dos senhores sem um contrato na mão! Sem um contrato na mão, não temos seguro. Não temos protecção política. Temos todos os senhores contra nós. Entendem? Soldado 34A, tem a obrigação de avaliar antes de disparar. E o soldado 23B – olha mim – tem o dever de controlar.

Quedo fico. Falar inresulta. Andrak razão-plena. Esgaza frágil em nervosos. Há fazer melhoras. Agendo acção mais tardiamente. Agora: Andrak fala, razão-plena, também culpamento-me. Quedo estóico palestra toda. Andrak acalma-parece.

Andrak fala: E a razão porque não há falhar é porque não somos mais Comandos Corporativos menores. Estamos na boca do mundo. Quem interessa conhece-nos e fala de nós. E digo com orgulho que somos os melhores. Hoje, homens, temos finalmente uma missão digna do nosso valor.

Fico orelhistico. Ficamos. Ansiosos, outrostodos atentam às verbinovas.

Andrak mostra mapa de país. Peru no forno: nosso nome pró que resta Perú pós megaterremoto. Lima debaixo d’água, ainda a secar. Vale desértico ficou lago ou poça grande. Refugiados e presos e laboratórios experimentais e centros armas radicais e mais m’rda ali em meio a zona inrefeita. Ninho ratazanas grandesigordas, pois, esquecido mundo. Catástrofe década que foi. Nosso novo destino?

Andrak: Este é o nosso destino. A Montanha Habitada – imagem roda-que-roda, cai, aumenta, entranhas do Perú, montanha junto ao mar, casulos que apartamentos e outros habitáculos, muita guarda -, que para quem tem estado a dormir nos ultimos dez anos é o maior centro habitacional do mundo, um ninho de ratazanas bioterroristas, carteis de droga e megacomplots políticos. Como podem imaginar está recheada de protecção de primeira, tecnologia de guerra que ainda nem foi aprovada pelas forças militares do planeta, mercenários caídos em desgraça e que não têm nada a perder, forças de elite lideradas por antigos membros do Sendero Luminoso treinadas nos campos de Las Palmas, e uma legião de desterrados das zonas baixas que preferem perder a vida a voltar para casa. Nunca uma força organizada conseguiu penetrar nestas defesas, ou se entrou, não terá conseguido sair. Um desafio à altura de uma equipa como a nossa.

Entreolhares. Sentidos mais que feitos. Disciplina não permite. Mas sei quepensam.

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04 Março 2007

NÃO LERAM OS NOMEADOS? Abigail Nussbaum conduz-vos pela mão. Mas cuidado com o caminho, cheio de pedras e espinhos e bastante desconforto, queiram levar botas e alguns pares de meias grossas a mais...

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