Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


Encontra-se em modo de artigo. Para ver as outras entradas vá para a Página Inicial ou Arquivo, no menu da direita.

04 Março 2007

AUSENTE E IMPORTANTE, agora menos falado do que quando nos atingiu com o peso da Insustentável Leveza e a denúncia da Humanidade no Livro do Riso e do Esquecimento... é possível que se tenham passado vinte anos? Que haja jovens escritores não influenciados pelo kitsch, que não entendem as consequências do imperativo «es muß sein»? A ida para França apagou-o, o derrube do muro foi o golpe fatal. A Primavera de Praga é agora uma curiosidade no Guide du Routard que os turistas leem distraidamente num café da Václavské náměstí. Kundera sobreviveu à sua própria estória e tornou-se posfácio. Não é por acaso que este artigo no Guardian nos surja como uma montagem de pensamentos dispersos, como traços ondulantes ao redor de um atractor estranho; o autor não se tornou incoerente: habita um espaço mental próprio que só os leitores fiéis seguirão (e Harrison percebeu imediatamente o sintoma: «When I say “unthinkingly” I’m not being pejorative, I mean he simply assumes the literary space that contains him»). E contudo, isolando-as, as pérolas que lança no texto tornam-se lições ao escritor moderno e avisos gerais à navegação, merecedoras de reflexões mais prolongadas em fóruns próprios:
  • «Every novel created with real passion aspires quite naturally to a lasting aesthetic value, meaning to a value capable of surviving its author. To write without having that ambition is cynicism: a mediocre plumber may be useful to people, but a mediocre novelist who consciously produces books that are ephemeral, commonplace, conventional - thus not useful, thus burdensome, thus noxious - is contemptible. This is the novelist's curse: his honesty is bound to the vile stake of his megalomania.», o que explica
  • «For life is short, reading is long, and literature is in the process of killing itself off through an insane proliferation. Every novelist, starting with his own work, should eliminate whatever is secondary, lay out for himself and for everyone else the ethic of the essential. (...) The ethic of the essential has given way to the ethic of the archive. (The archive's ideal: the sweet equality that reigns in an enormous common grave.)»
  • «When, one day, the novel's history will have ended, what fate will await the great novels left after that? Some are unrecountable, and thus inadaptable (like Pantagruel, like Tristram Shandy, like Jacques the Fatalist, like Ulysses). They will either survive or disappear as they are. Others, thanks to the "story" they contain, do seem recountable (like Anna Karenina, The Idiot, The Trial) and therefore adaptable to film, to television, to theatre, to cartoon strip. But that "immortality" is a chimera! For turning a novel into a theatre piece or a film requires first decomposing the composition; reducing it to just its "story"; renouncing its form. But what is left of a work of art once it's stripped of its form? One means to prolong a great novel's life through an adaptation and only builds a mausoleum, with just a small marble plaque recalling the name of a person who is not there.»

Há neste discurso uma qualidade de abstracção (se me perdoam o parêntesis final) - entenda-se: distanciamento - entre a matéria e o assunto, sendo a matéria a obra final, o livro, a narrativa, e o assunto, a arte de contá-la, que diria importante (porque sinto que dizer fundamental seria exagerar) para a maturidade da Ficção Científica enquanto género. É sem dúvida um grande desafio escrever um texto que obedeça aos ditames da Ficção Cientifica - ao rigor, à confiança de que o leitor se orientará com base em pistas que vão sendo explicadas aos poucos sobre um mundo que lhe é estranho e existe apenas no espírito do autor - e consiga igualmente libertar-se da necessidade de contar uma História com causa e efeito - uma história narrativa a que estamos habituados pelos moldes televisivos. A Insustentável Leveza tem uma estrutura ambigua, pois é argumentativa ao mesmo tempo que ilustrativa: por um lado o comentário de Nietzsche sobre o peso da existência tal como ditado pelas consequências morais/éticas das suas acções, que Kundera adopta como hipótese inicial (com modificações) e que logo ilustra com base na relação de Tomas e Tereza, acompanhada até às últimas consequências. Existirão eles como meros actores de um processo narrativo que facilita o entendimento dos argumentos do autor, ou a noção de peso não passará de uma abstração, uma epígrage se quisermos, da que seria a verdadeira intenção do romance, imortalizar as acções mundanas de Tomas e Tereza enquanto exemplo das da Humanidade? Estou em crer que enquanto não atingirmos, enquanto autores e leitores em conjunto, a capacidade para esta maturidade literária de uma forma sustentada (pese embora as honrosas excepções de obras assumidamente de FC que conseguem atingir diversos planos - literário, cientifico, especulativo, ético, sociopolítico -, das quais considero Os Despojados como sendo o expoente mais completo até hoje) dificilmente nos libertaremos da acusação de infantilidade (admita-se: com grande grau de justiça) das obras produzidas e o desprezo do género como algo menor.

[Link Permanentedel.icio.us  technorati  digg  facebook  reddit  google

03 Março 2007

O PASSADO, ILUSTRADO. O conceito steampunk (histórias sobre um passado cientificamente evoluído, recorrendo não aos dispositivos digitais de hoje mas à tecnologia do vapor e das engrenagens - um passado, porque explorado por ingleses e seus descendentes, quase sempre relacionado com a época vitoriana) manifesta-se com toda a sua sedução quando ilustrado. Duas manifestações recentes: uma que re-converte a Guerra das Estrelas (e quase a torna visualmente interessante), outra porque surge em forma de revista (e notem como as excelentes ilustrações contribuem para o gosto do texto) - esta última a não perder:
Before the age of homogenization and micro-machinery, before the tyrannous efficiency of internal combustion and the domestication of electricity, lived beautiful, monstrous machines that lived and breathed and exploded unexpectedly at inconvenient moments. It was a time where art and craft were united, where unique wonders were invented and forgotten, and punks roamed the streets, living in squats and fighting against despotic governance through wit, will and wile. Even if we had to make it all up.(...)

[Link Permanentedel.icio.us  technorati  digg  facebook  reddit  google

Site integrante do
Ficção Científica e Fantasia em Português