Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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11 Dezembro 2005

CRÍTICAS. Polar Park, de Adam Roberts. É um cenário familiar, o do mundo sobrepovoado, e que já não nos visitava há algum tempo. Roberts evade as descrições óbvias e situa a acção num dos poucos locais em que a pressão humana não se faz sentir, o Pólo Norte, uma das últimas zonas desérticas a ser usada como refúgio da vida animal - vida modificada geneticamente para viver no frio e usar culturas de bactérias no gelo como pastagem. A vida selvagem foi domesticada a nível mundial, pois é preciso alimentar os famintos e não há espaço na terra suficiente para os pobres bichos. E como não podia deixar de ser, os heróis e anti-heróis improváveis desta história são cientistas, engenheiros genéticos, pertencentes a um dos ramos de uma suposta multi-Empresa global que se divide em secções distintas em luta permanente entre si.

Sobre este cenário improvável, que nos vai surgindo aos poucos, no contexto da narrativa, com maestria profissional, Roberts decidiu contrapor a chegada de uma cientista nova (proveniente de outra secção da Empresa, e nesse sentido, rival em potência) ao grupo que gere uma estação de pastagem do Pólo Norte e cultivo de animais modificados. Este grupo é formado por três engenheiros genéticos, três soldados/guardas, e uma ajudante-faz-tudo com uma libido muito activa e barba rija (sim, barba). Percebemos que estamos em presença do «conflito principal», embora sejamos avisados da presença de terroristas que querem sabotar as acções da Empresa e acabar com o parque (terroristas ideológicos ou soldados de uma secção rival da Empresa determinados em acabar com um empreendimento lucrativo?) - e como leitores experientes que somos, sabemos que os dois territórios de conflito irão convergir num só, mais adiante na narrativa.

Conduzidos por um estilo transparente que em pouco tempo estabelece o cenário, as personagens e o tema principal, e nos posiciona do lado da cientista recém-chegada, de forma que esta nos surge muito definidamente como a outsider de um mundo com regras e hábitos diferentes, aguardamos com alguma antecipação que Roberts nos conduza pelo Parque prometido do título, que estejamos em presença de hard sf especulativa, assente em regras científicas fortes e fundamentadas (promessa fortalecida pela edição em que encontrei a novela: a colectânea Infinities, que reune igualmente novelas de Eric Brown, Reynolds e Ken McLeod).

A realidade é bem distinta. O que poderia ter sido uma especulação sobre as estratégias e rigores de subsistência de um planeta que se tornou no Terceiro Mundo, depressa se torna num thriller bizarro mas relativamente banal, quando os soldados da estação aparecem subitamente mortos, supostamente por um ataque terrorista, embora não se encontrem sinais de terroristas nas proximidades; o grupo residente decide então, contra o que parece ser bom-senso (na opinião da protagonista e muito claramente do leitor) não chamar a Empresa por receios de serem incriminados no assunto... e nem uma vez manifestam preocupação por poderem estar em perigo de vida, ou perguntam a si mesmos se o culpado se encontra entre eles.

Naquele espaço claustrofóbico, a paranoia desenvolve-se, como é natural (e descrita com alguma verosimilhança, diga-se de passagem), mas manifesta-se essencialmente sobre a cientista nova perante o grupo, cujos elementos continuam a encarar a situação nas calmas. Numa tentativa de fuga, a cientista consegue convencer dois membros do grupo de que o culpado é um terceiro (que Roberts nos tinha mostrado anteriormente a assumir atitudes estranhas), e durante metade da história somos conduzidos numa tentativa de fuga, numa frustração absoluta e num regresso à base envolto em perigo e dúvida. O final e a revelação do(a) culpado(a) não tarda - sim, sempre surge a questão do terrorismo -, e o ultimo parágrafo tenta conduzir-nos de volta a um mundo mais seguro e certo que o que acabámos de viver.

Resultado? Essencialmente um fracasso, mas com pontos positivos.

Apreciada no global, a história é demasiado longa e pormenorizada para o enredo que contém, e não se trata sequer de um verdadeiro enredo de FC - demasiado tempo e páginas são perdidas a descrever a fuga pelo território gelado, a posição do grupo perante a protagonista nunca é realmente explícita (a tal ponto que seria talvez mais legitimo que ela própria fosse a causadora de tudo), e o cenário do mundo sobrepovoado apenas nos surge brevemente sem uma explicação mais detalhada dos restantes problemas e compromissos que tal sociedade teria de enfrentar (por exemplo, é minimamente sustentável que o mundo fosse tão povoado que apenas o ártico e o antártico seriam zonas livres para manadas de animais de caça? Que apenas existisse uma Empresa dominante na economia mundial?).

Contudo, nos detalhes há pormenores de execução bem trabalhados, como as incompreensíveis atitudes dos personagens que contribuem para uma sensação geral de desconforto (pouco habitual na abordagem americana aos thrillers), as constantes dúvidas e interrogações da protagonista que aludem constantemente à possibilidade de se tratar apenas de paranóia, e o facto de nada nos ser explicado até ao final finalíssimo - contudo, mesmo a explicação surge apressadamente, e deixa-nos com imensas dúvidas e uma sensação leve de descrédito.

Excerto de uma obra maior? Assim parece, mas há que avaliá-la como se manifesta, e como tal o meu conselho é: Adam Roberts tem obras melhores, não percam tempo com esta.

 

 

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04 Dezembro 2005

VISITA GUIADA a um conjunto de links que onde tenho passeado:

  • começando por uma entrevista ao omnipresente Neil Gaiman, que contém observações interessantes sobre o ofício da escrita (não acredito que apenas escreva 1500 palavras por dia...);
  • Sarah Monette (quem é?) acrescenta as suas opiniões sobre a construção de mundos;
  • outro autor oferece os seus comentários ao público, mas é ouvido com menos atenção (aconselho que escutem bem o que tem para dizer, pareceu-me entender algo importante);
  • por outro lado, recomendo algum juízo crítico sobre estas declarações (falo da zona de comentários, não da pobreza do texto crítico);
  • Richard Morgan não se vendeu ao comercialismo, embora pretenda escrever fantasia;
  • por sua vez, talvez H.P. não se importasse de ter recebido a atenção que hoje lhe devotam;
  • The Prestige vai ser transformado em filme;
  • Rod Serling reaparece em 3D para uma série de televisão;
  • outros actores vendem-se aos bocados no eBay;
  • um texto argumentativo com ideias interessantes sobre citações de FC;
  • e, finalmente, para quem um dia pensou, na brincadeira, fazer uma «continuação» de um Futuro à Janela com um Futuro pelo Buraco da Fechadura, contendo apenas contos curtíssimos, houve outro alguém que levou a brincadeira a sério (e merecidamente).

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