Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


01 Novembro 2022

Manter acesa a paixão pela arte que comanda a nossa existência. Que nos escolheu a nós, mais do que a escolhemos. Contra desânimos e ausência de reconhecimento (ou sequer de comentários!). Eis o dia a dia de quem teve a fortuna (se fortuna tiver sido...) de abrir um livro de banda desenhada e ficar viciado. Viciado a sério - não se limitar a consumir, mas querer contribuir, produzir, criar, participar no jogo.

É um estado de alma familiar para certos indivíduos, motivo pelo qual O Fogo Sagrado, o pequeno e discreto álbum a solo que Derradé deu à luz ultimamente, lhes (nos) toca, sem dúvida. Nesse aspecto, é uma celebração contra o silêncio e a passividade de aceitar uma condição imposta: a do «mercado», que traduzindo-se à letra, revela falta de uma dinâmica de procura, por parte das grandes massas, por esta arte, procura que outros países souberam/foram capazes de impor há mais tempo. Aqui (leia-se: país colado à beira da Europa, como se raspado da sola do sapato), avança-se aos poucos, depois recua-se com força, e existimos num ir e vir de ondas. Não sabemos se terá fim, mas, como dizem os livros de auto-ajuda, «de tostão a tostão, passaste ao lado do milhão».

Desânimos à parte, O Fogo Sagrado é um importante testemunho de (uma vida de) perseverança, ou como outros dirão, teimosia saudável, de manter acesa a chama que identificamos como criação ou paixão, aquilo a que dedicamos os momentos da nossa vida - afinal, o que de mais sagrado temos para dar. E fica aqui o grande desejo, que o apelo se cumpra, que a Banda Desenhada exista. A vida é feita de Pequenos Nadas para que não acabe sendo um Grande. E se este foi mais um livro do confinamento... é como se diz, as crises desafiam. Setenta páginas da Escorpião Azul, e que venha o próximo!

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19 Setembro 2022

Nada de novo, portanto.

Ces deux romans, comme tant d'autres parus dans diverses maisons, montrent à l'évidence l'émergence de la Science-Fiction “blanche”, celle qui n'ose pas dire son nom mais qui, par un étrange phénomène de transfert, est plébiscitée par un public innocent, ignorant que cette littérature existe officiellement depuis près d'un siècle. Cherchez les responsables ! (fonte)

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15 Janeiro 2022

Merecidíssimo destaque ao artigo «Um estudo morfológico da Utopia n’O Balão aos Habitantes da Lua» (Porto: FLUP, 2011) de Maria Luísa Malato, apresentado no colóquio Por Prisão o Infinito. Tendo por orientação o tema da prisão e das liberdades, subjacente ao evento académico, e por mote a análise do texto oitocentista de José Daniel Rodrigues da Costa referido no título, realiza um percurso veloz mas exaustivo sobre as características1 e os anseios2 do tema utópico, bem como as estratégias narrativas de legitimação comumente encontradas pelos autores daquilo que são, frequentemente, visões muito pessoais e, logo, frágeis, tendenciosas, fáceis de atacar e derrubar.

Mas a par da análise crítica, encontramos no ensaio um agradável conjunto de (para nós) pequenos prazeres, tais como a refutação da hipótese, infelizmente pouco contestada, de não existirem utopias portuguesas - reconhecendo-se, contudo, que esta percepção possa derivar pela forma como se traça a fronteira dos cânones. Romper as fronteiras implica conhecer, e em jeito de evidência irrefutável o artigo sublinha o trabalho desenvolvido pelos institutos portugueses para resgatar as nossas utopias do esquecimento3. Num aparte pessoal, sabendo nós que a FC (filha bastada das utopias) herdou, e continua a herdar, as suas principais orientações de culturas e literaturas alheias às nossas, tendo encontrado pouca inspiração nas obras dos congéneres lusitanos, fica-nos a dúvida, ou talvez seja mais uma curiosidade, se conseguiremos enquadrar todos os textos utópicos redescobertos numa linha de continuidade temática... ou se padecerão do mesmo mal.

Para terminar, não posso deixar de citar esta pertinente conclusão sobre a natureza, quer das utopias quer das prisões que representam: «Talvez se possa então concluir o que os leitores frequentes de utopias intuem. Que toda a prisão gera desejos incontroláveis de infinito. E que toda a promessa de infinito é uma passagem para possíveis formas de prisão. Para vivermos numa prisão, bastará talvez, no limite, habituarmo-nos à ideia de que dela descobrimos uma evasão perfeita». A ler.


1A Utopia, aliás, raramente usa o nome da Utopia: aparece frequentemente como um Relato de viagem, uma Crónica, uma Notícia, uma Descrição, um Sonho, uma Carta, um Diálogo, uma Constituição. Um texto estatutário. Ou um “Poema heróicómico em um só canto”. Formas de disfarçar a utopia. Porque a Retórica da Utopia, como sucede frequentemente com a Retórica, só é eficaz se passar despercebida. Ou para segundo plano.
2 (...) desconfiemos pois dos nomes. As prisões, nem sempre se chamam “prisões”: os que as supõem espaços únicos, os que nelas nascem ou doutra coisa não guardam memória, chamam-lhes “lares”. Só quem conhece, ou quer, outra coisa, sabe o que é uma prisão. (...) A Utopia é um género onde se evoca frequentemente Ícaro, estouvado na sua ousadia, e o seu contraponto paterno, o prudente Dédalo, arquitecto preso no labirinto que ele próprio construiu.
3 O trabalho desenvolvido durante mais de seis anos pelo projecto Utopias Literárias, sedeado no Instituto de Literatura Comparada Margarida Losa, veio afinal mostrar que existem Utopias Portuguesas. Prova-o a Biblioteca e a Nova Biblioteca de Textos Utópicos portugueses entretanto editada. Refira-se a novidade de Utopias de Cordel e textos afins, da antologia de textos utópicos de Vasco José de Aguiar, utopista português do século XIX, ambas editadas por Jorge Bastos da Silva, de Irmânia, de Ângelo Jorge, de Felizes os que então viverem, de Joaquim Maria da Silva, da adaptação portuguesa d’Oque há-de ser o mundo no ano três mil, pacientemente comparada por Fátima Vieira, ou dos recentes Novelos de Sintra, de Jorge Telles de Menezes, para não citarmos os muitos estudos críticos sobre os muito ignorados utopistas portugueses…

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21 Novembro 2021

Estava muito discreto num canto da livraria. De imediato, percebi que era diferente, íntimo, incómodo. Uma colectânea de entrevistas, crónicas, excertos, comentários, apontamentos históricos - e muita memória. Uma forma diferente de retratar uma vida, com vinhetas, quais instantâneos de uma mostra. Em formato gráfico mas também teatral - cada parte, separada pela indicação «cai o pano»; cada passo, um prenúncio da tragédia. Infelizmente, conhecemos o desfecho antes de abrirmos a primeira página. Um poeta merecia melhor. A tristeza dos poetas é precisarem de ser homens antes de se tornarem eternos.

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04 Novembro 2021

Teimo em fazer um texto sobre Dune. Vou na terceira versão. A que prometo sintética e definitiva:

  1. Ignora-se o filme de Villeneuve por nossa conta e risco. É incontornável enquanto obra cinematográfica, e em particular enquanto contribuição para a FC. Afirma: "Pode-se fazer grande cinema fantástico com a seriedade dos clássicos".
  2. Mas tanta seriedade amarra a visão, impede-a de tornar-se uma peça de arte esplendorosa. As casas de Atreides e Harkonnen são demasiado reconhecíveis por um século XXI globalmente ocidentalizado, meras caricaturas para uma fácil identificação do espectador. Precisávamos de cor, ornamentação, costumes bizarros, sons e os ritmos próprios de cada mundo. A avalanche de sensações que assolavam os viajantes à chegada a um novo mundo, impossíveis de antecipar na ausência de Google Maps e documentários (compare-se com a recriação visual da cultura Maia em Apocalypto, por exemplo). Atreides não passa de um ducado higiénico e certinho - e Harkonnen também, mas poupam na luz - , mas ambos sem povo, nem comércio, nem aliados ou (outros) inimigos. A fidelidade ao texto original tem um limite, quando o próprio se esqueceu também de tais pormenores.
  3. A comparação com a obra de Lynch é inevitável, mas injusta, pois pertencem a gerações muito distintas. Cada realizador utilizou os meios disponíveis na época e pelo estúdio. Onde Lynch teve de encurtar e acelerar, Villenueve pode passear descontraído. Onde Lynch se viu obrigado a explicar em detalhe, Villeneuve sabia poder confiar no Povo da Internet para apontarem e explicarem todos os detalhes misteriosos. Lynch arfa, Villeneuve respira. Sobreviveria o Dune de 1985 sem as vozes off, sem as introduções demoradas? Duvidamos… (Sejamos sinceros: Lynch é o pré-requisito de Villeneuve, que reaproveitou a lição aprendida, aplicando muitas das mesmas técnicas narrativas para as audiências desconhecedoras do livro.)
  4. Recordo a história como sendo mais manipuladora e intriguista do que na realidade é. Rever, foi uma revelação, em parte igual a descobri-la pela primeira vez. Na época, transmitia ensinamentos: que as pessoas têm motivos ulteriores aos que afirmam ter, expressos não em palavras mas hesitações, murmúrios e naturalmente, escolhas - e se as identificarmos correctamente, não só nos protegemos das suas influências como podemos tornar-nos os titereiros. Mas nesta revisão, descubro que a manipulação é insuficiente e desconexa. Leto sabia caminhar para uma armadilha… teria realmente ido sem preparativos? Sem assegurar aliados e fazer a especiaria refém, em caso de ataque? Que império é aquele, permitindo escaramuças entre casas na principal fonte de riqueza de toda a gente? Porque não exigem as outras casas em terem representantes locais, para manter a casa local debaixo de olho?
  5. Já agora, a cerimónia da Madre Superiora, quando testa o filho de um nobre na sua própria casa com promessas de dor e agonia... quanto tempo se manteria incólume uma Ordem que assim procedesse? E testa-se assim, com uma só prova, à pressa? Que força de carácter é afinal testada quando a alternativa a perder a mão é a morte pelogom jabar, se até um cobarde saberia optar?
  6. Diz-se que Herbert foi escrevendo, sem rever, para cumprir prazos. É uma pena, porque perdeu-se estrutura e intenção, e a suposta obra-prima fica aquém do que podia ter sido. Por outro lado, é uma obra dos anos 60, das revistas de FC, do mercado de literatura popular norte-americano, e se algum empolamento ocorreu, deriva do que neste género se pode equiparar à expansão do Universo: do grão de areia nasce o mundo, do quintal forma-se o país, do romance barato nasce o culto.
  7. Ficam os efeitos especiais fotorrealistas, diálogos competentes (e shakespereanos, se comparados com os de Lynch), pormenores inteligentes (como o revirar de pupilas durante o cálculo dosmentats) e actuações empenhadas. Houve quem descodificasse diferentes trajectórias no percurso de Paul Atreides - tiro o chapéu a tais críticos pela minúcia da peneira a partir de material tão pobre...
  8. A personagem mais interessante continua a ser a Jessica, mãe do messias, a concubina que jamais será duquesa e no entanto ousou sonhos de grandeza quando desafiou a ordem religiosa que a tinha colocado naquele lugar de poder e deu à luz um filho varão. O seu percurso de vida e as suas estratégias de sobrevivência num mundo dominado por homens e fanáticas produziria uma história muito melhor. Resta-nos o consolo de ter sido encarnada por Annis e Fergusson, duas actrizes bastante carismáticas e encantadoras, ainda que diferentes.

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07 Setembro 2021

O futuro que talvez seja, mas na capa lemos O Futuro Que Não Foi, isto é, El futuro que no Fue - aunque no el original, pois o autor é catalão, e a língua, sabemo-la arma de arremesso - e marca o regresso de Daniel Torres ao universo de Roco Vargas, personagem que escreve ficção científica e funciona como mal-disfarçado avatar daquele seu criador. Agora estamos perante um fac-símile: a revista com as aventuras gráficas de Archí Cúper (sentem o estrangeirismo?) na cidade terrena de Montebahia que, como todo o Sistema Solar interior, se encontra controlada pelas MercAgências, as ditas agências publicitárias. Sim, a publicidade não só se tornou norma como também a força motriz de toda a economia, a ponto de nenhuma instituição social, incluindo as forças armadas, poder existir sem o devido patrocinador. Tudo é oportunidade de venda, incluindo o polícia disposto a perdoar a multa se o infractor assinar o produto que ele representa. (Por outro lado, a sanção financeira não deixa de existir, e só na nossa ingenuidade poderíamos crer num mundo em que as forças de autoridade fossem totalmente autónomas das influências do poder político e financeiro... será, pois, o nosso mundo a metáfora da versão de Torres, e não o inverso?) À ubiquidade dos anúncios chamam os habitante de Ruído, uma conotação quiçá demasiado benevolente, pensamos, ao apreciarmos a cacofonia horrenda da cidade nas vinhetas amplas, que os traços do desenho a fingir-se de pulp de certa forma apaziguam. Embora publicado em formato álbum durante 2021 pela Norma, a história divide-se em capítulos intercalados com notícias e anúncios de época - como tinha de ser. Não é que o enredo seja original, e o formato até permitia maiores voos. Archí é detetive privado e sósia de Robert Mitchum, a quem Roco/Torres atribui uma missão simples: resgatar o objecto roubado a um milionário e que, subitamente, todos procuram pois ameaça perturbar o status quo económico. Montebahia é confusa e inóspita, mas deixa-nos com saudades por mais, bem como a sensação de que, ainda assim, é mais digerível do que o nosso mundo. Recomendado.

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02 Agosto 2021

Um rápido destaque para a retoma da e-zine Somnium, publicação oficial do Clube de Leitores de Ficção Científica do Brasil, com organização do incansável Marcelo Bighetti, num número 116 magnífico sobre pandemia e esperança: 19 contos em mais de 200 páginas. Lá pelo meio, aparentemente, surge um certo português que aqui não nomeamos. Boas leituras de verão!

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