25 Novembro 2010
Existem Clássicos Na FC Portuguesa? Uma análise ponderada desta pergunta, antes da tentativa de resposta, descobrirá de imediato um conjunto de armadilhas.Começando pela própria definição de Ficção Científica, que como sabemos tem evoluído ao longo do tempo: bastará a inclusão de visitas alienígenas, mesmo quando essa inclusão serve na prática para justificar uma atitude moralista dictatorial (O Mensageiro das Estrelas, de Luiz de Mesquita)? Ou a extrapolação meramente fantasiosa de uma utopia machista lusitana sem qualquer fundamento histórico e socio-económico que efectivamente explicasse o seu funcionamento prático (AD 2230 de Amílcar de Mascarenhas)?
Continuando para a identificação da «FC portuguesa»? Portuguesa, em que medida? Escrita no original em português? Português europeu ou brasileiro? Escrita por portugueses, ainda que expatriados? E se houver um autor de nacionalidade estrangeira que escreva na nossa língua, deve incluir-se? Publicada por uma editora portuguesa em território nacional? E as colónias, incluem-se quando eram consideradas a extensão africana? (A verdade é que, muito possivelmente, a escassez de produto torna as perguntas difíceis redundantes, pelo menos ao analisarmos o passado - sem dúvida que o presente e o futuro se mostrarão mais complicados).
E por fim, o conceito de clássico. Como já vimos noutros lugares, o grande público português de FC desconhece o que se publicou nas décadas anteriores à sua geração - a grande culpa é sem dúvida da indisponibilidade das obras (que raramente passaram por reedições e vão passando de mão em mão nas prateleiras dos alfarrabistas) e a falta de um compêndio ensaístico de estudiosos que as tenham lido e analisado. Inclusive as referências bibliográficas que a seguir se apresentam pecam por esta omissão: que não passem de listagens meramente enumerativas com pouca ou nenhuma contextualização do conteúdo das obras (possivelmente não seria aqui o lugar para encontrar esta informação, mas a verdade é que não existe e faz falta). Neste cenário, ausentes os livros saudosistas e de referência na memória colectiva dos leitores, como identificar possíveis clássicos, como considerar sequer que estes livros se encontram numa linha temporal de continuidade e evolução, se se mantiveram desconhecidos para além dos poucos leitores da sua época? Mesmo recorrer à categorização fácil pela data de edição se torna um desafio - em que momento paramos? Década de 70, década de 80, década de 90? Podemos excluir a colecção da Caminho por ser relativamente moderna, ainda que só se encontrem exemplares em alfarrabistas actualmente? A disponibilidade influencia o estatuto do que é clássico ou não?
Tendo estas preocupações em mente, realizámos uma pequena mesa-redonda (na verdade, alongada) como sessão de abertura do Fórum Fantástico 2010, que não foi gravada por ninguém: eu, o João Barreiros, o António de Macedo em substituição de última hora do João Seixas, e o Rogério Ribeiro como moderador. Preparei e apresentei o seguinte conjunto de slides, enquanto o João ia sacando das obras que recolhera da biblioteca e ia acompanhando as imagens das capas (não combinamos nada, foi meramente fortuito). Não conhecia alguns dos livros que trouxe, e lamento que não sejam fáceis de encontrar. Depois falámos do passado e do desconhecimento do passado, e não surgiram perguntas da audiência que mostrassem interesse pela descoberta das obras. Admito que a audiência era maioritariamente composta por pessoas do meio, a quem não são desconhecidas, mas este tema raramente tem seguimento nem desperta a vontade, no meio académico e fora deste, de investigação adicional. Receio que a história da FC portuguesa, se tal animal existe, se tal história possa ser congeminada, irá desaparecer nas brumas de Alcácer-Quibir, como aquele outro...
Deixo-vos a apresentação efectuada, que, como podem notar, é minimalista, servindo apenas o propósito de levantar questões e incentivar a conversa durante uma hora. Uma das questões que acabou por surgir foi da relevância de re-publicar estas obras para um público moderno - vale a pena recuperá-las dos arquivos da Biblioteca Nacional e enquadrá-las num contexto histórico, ou é melhor deixá-las sossegadas, como aqueles manuscritos da juventude que não passam de tentativas atrapalhadas e ridículas? Sem dúvida que, na falta de apoios, receio pela viabilidade económica de tal empreitada, pelo menos se for uma iniciativa comercial de uma editora. Contudo, seria perfeitamente adequada para a internet, e para um projecto Gutenberg de permanência e recuperação da nossa herança. (Talvez) algo a pensar quando (talvez) a crise se vá embora.