Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


27 Maio 2009

O Dia Amanheceu com lembranças de uma antologia que vai envelhecendo aos poucos mas que graças à tecnologia da impressão a pedido nunca ficará amarelada nas pontas nem bafienta nem de capa apagada. Quem não se deu bem com o processo complicado de compras pela gráfica Lulu.com pode agora utilizar também a página mais amigável daquela mega-livraria internacional que é a Amazon. Infelizmente acrescentam a sua taxazinha, que não é pequena, e infelizmente não pedem opinião sobre o assunto, surgindo perante o editor com a atitude Fnac de «ou queres ou vai-te embora». Para contornar isto, lembramos que as outras opções de encomenda continuam disponíveis. A ver se é desta, meu caro?

[Link Permanentedel.icio.us  technorati  digg  facebook  reddit  google

24 Maio 2009

Dos Deuses, o Rio que poderá enganadoramente ser o Ganges. A certo ponto McDonald afirma que a Índia não é a terra do individual mas do colectivo, que tudo é confluência e experiência partilhada, e para tal compara-a a uma viagem de comboio (também simbolizando o destino) cuja paragem final é a da própria morte, a qual acaba retratada, na perspectiva indiana, como uma troca de locomotivas, um entroncamento, em suma, uma fase da viagem e não o fim da mesma - algo que não encontra reflexo no pensamento ocidental, que consideraria o comboio como uma prisão, enquanto imposição da vontade de outrém e perda da liberdade individual, e a morte... bem, o que efectivamente é.

Efectivamente nunca saberemos na pele se esta é a verdadeira perspectiva dos nados e mortos em indo-território, a não ser que alternassemos de universo e de vida e mergulhássemos de cabeça num renascimento, dentro deste território milenar do misticismo e que como tal se assume (e é encarado mundialmente), mesmo em pleno século XXI da dita globalização e da procura de deuses mais sofisticados - algo que McDonald, sendo escritor e por isso incorrendo no pecado dos escritores de nos quererem convencer que em meras palavras conseguimos adoptar a alma de outrém, muito ardilosamente tenta conseguir. E são palavras rápidas, frases que nos atiram para outras frases, somos passados de mão em mão numa escuridão desconcertante que só no absoluto movimento alcança significado. Nada no livro nos convida à contemplação. McDonald não detém o veículo que conduz para nos explicar ou encantar, ele que saberá centenas de histórias e milhares de pormenores derivados da sua extensa pesquisa. O guia veio bem preparado, mas está com pressa, tem outros fins em mente, não se incomoda com o obséquio das apresentações. Estamos num comboio de alta velocidade, os conceitos surgem e passam, estão do outro lado da janela, não os tocamos, não nos tocam. Ele não quer que percamos tempo com o que já devíamos saber. A viagem acaba por ser um destino, e não um percurso. Um compasso de espera para observação enquanto a estação final, aquela onde a história do viajante realmente começa, não chega - uma atitude deveras ocidental.

É no entanto um percurso enebriante, pois as paisagens são coloridas e os eventos apresentados com salpicos de linguagem e maneirismos locais, tanto que se torna difícil, no conforto e protecção da nossa cabina de passageiros, de desviarmos o olhar. O guia sabe bem o que chama a nossa infantil atenção. Há um grau de virtuosismo evidente, um orgulho na exibição de poses de difícil equilíbrio que não esperaríamos de um britânico de meia-idade radicado naquele pedaço roubado pela Grã-Bretanha à Irlanda - o roubo consentido, tão incongruente à noção de uma Europa unida (a par de Gibraltar, por sinal) que por si só a invalida. O britânico tem plena consciência disso, e por isso explica pouco - talvez por saber que numa era internética todo o conhecimento pode ser questionado, mas creio que será mais pela incapacidade em efectivamente extrapolar para além do razoável a evolução de uma terra que não é a sua, o progresso de uma cultura que não moldou o seu modo de pensar, a alteração de um contrato social cheio de limitações e cláusulas em letras miudinhas - como qualquer contrato social - que não lhe limitou as opções de vida, ao contrário do que acontece com qualquer escritor indiano. Perceber esta limitação não é um defeito, antes um acto de plena honestidade, e como tal não oferece mais do que é capaz, não explica além do ele próprio entende. O resto... o resto é pecado de escritor, mas um pecado paternalista, pois procura tranquilizar o nosso sono com ideais de um futuro no qual a tecnologia, e logo o Homem, se proclama como único e absoluto Redentor de si mesmo.

E o que oferece McDonald? Nada mais que um tradicional conto de FC (questões quânticas e problemas informáticos, como convém na era pós-século XX da física) - universos paralelos, transsexualidade, corporações à escala nacional, e o paradigma do Alienígena Entre Nós em que se tornaram as Inteligências Artificiais (I.A.s) à solta, o único artificio literário da FC que ainda é aceite como factor quase divino pela mente céptica, tecnocrática, do leitor de FC. Sobre este enredo, ou a sustentá-lo, situa-se o filtro colorido da Índia, em jeito de cenário, um toque de caril, um cheiro a cravinho, um volteio de saris. A tecnologia impele o enredo, a tecnologia justifica o enredo, a tecnologia proporciona o desfecho do enredo. Mas é uma tecnologia completamente ocidental. Ainda que o polícia da unidade Khrishna tenha baptizado as suas armas I.A, de acordo com as divindades do panteão hindu, consoante as respectivas funções informáticas, isto não passa de uma cortina de fumo - é uma tecnologia nascida do método científico, da evolução de racionalismo da mentalidade europeia, da cibernética norte-americana e dos laboratórios de investigação&desenvolvimento japoneses. Não algo que Bangladesh tivesse concebido em isolamento segundo a sua maneira muito própria de pensar.

O que não é necessariamente mau. Se o livro se destaca no espírito do leitor habitual da FC, se as palavras saltam das páginas e é acolhido como um dos grandes romances de FC deste início de século, não deixa de ser também por esta rendição absoluta, perfeita, ao poderio do mundo físico sobre o mundo do espírito. Por esta subversão do que a Índia é e do que representa a nível de conceito, das suas pretensas religiosidades e encantamentos e posições de lótus, como se fosse suposto esquecermo-nos da exploração desumana dos trabalhadores, do sistema de castas tão ou mais nocivo e impermeável que o racismo no Ocidente, da pobreza imensa, imunda, que invade o olhar do turista e lhe revela a verdadeira Índia, a Índia do intenso desrespeito pela natureza sagrada da vida humana. Não seria a intenção do autor, e possivemente é uma interpretação contrária à sua vontade, mas o que conseguiu demonstrar - pelo menos na sua incursão de turista ocidental convicto da salvação da espécie pelo conhecimento das leis físicas, genuínas, do universo - foi a incapacidade de conciliação da ficção científica ocidental com os arquétipos religiosos do oriente. Pelo menos quando a solução literária do romance de ficção científica é de apresentar um futuro de glória tecnológica.

Haveria outra solução? Possivelmente. Mas creio que não ao nível da ficção científica Tal Qual a Conhecemos. A ocorrer o nascimento de uma indo-FC, esta terá de provir das mãos de autores próprios à terra, autores com o mínimo dos contactos com a FC ocidental e que consigam desenvolver um racional literário e especulativo baseado na expansão e conhecimento intrínsecos ao país. O erro de McDonald foi precisamente de querer seguir a norma. Frank Herbert, neste aspecto, ao negar o desenvolvimento científico e tecnológico do universo de Dune e basear a narrativa em arquétipos messiânicos, conseguiu o que poucos imitaram: um universo fantástico conciliado com os ditames culturais do povo no qual se baseava. Dune, que se passa noutro planeta, é mais fiel ao que seria uma ficção científica islâmica do que River of Gods, decorrendo na própria Índia, o é a respeito da cultura indiana.

Não deixa contudo de ser um dos grandes romances da Ficção Científica. Para conhecerem mais a seu respeito, sugiro que leiam os textos de João Seixas e Nuno Fonseca, estes sim críticas na verdadeira acepção da palavra, a respeito da obra que este mês o Círculo de Leibowitz se comprometeu a apresentar-vos.


(Amazon inglesa)

[Link Permanentedel.icio.us  technorati  digg  facebook  reddit  google

17 Maio 2009

(Desculpas Para) Momentos Monty Python. Não sei dizer se isto é uma prova da ironia do mundo ou simplesmente uma constatação da completa insanidade deste... (seja como for, o dono do cibercafé não conhecia certamente estas tácticas preciosas na arte de auto-defesa contra fruta fresca, correndo assim perigo de vida...)

[Link Permanentedel.icio.us  technorati  digg  facebook  reddit  google

Um Homem Revisita-se no Passado. Em «Anel da Memória», de Alexander Jablokov, traduzido com maestria pelo João Barreiros, um conto que devia ter acompanhado um romance por publicar numa revista que não chegou a ser. Na Bang! nº.5, para vós que tratais como cascalho as pérolas que vos são dadas.

Salomon sentiu‑se maravilhado. Como era possível ter sido assim tão jovem, tão comunicativo? Como é que alguma vez teve a lata de se pôr a namorar com a filha da dona da pensão? Espreitou pela fresta da porta. E ali estava ele sentado, esguio e jovem, com o cabelo coberto de brilhantina, vestido com um fato de linho listrado e um chapéu de palhinha a condizer. Parecia não ter uma única preocupação no mundo.

[Link Permanentedel.icio.us  technorati  digg  facebook  reddit  google

16 Maio 2009

O Requiem Pelos Autores Despercebidos deste fim-de-semana é atribuído a R. A. Lafferty, autor norte-americano já falecido que poucos (honrosamente) conhecem. Qual segredo bem conservado (mais bem conservado que o próprio Segredo, imagine-se), o prazer da sua descoberta fica na memória. Embora não seja fácil a leitura - muitos dirão que é mais propriamente um autor que só outros autores poderão apreciar devidamente, sendo a sua perspectiva e ironia e erudição de elevado calibre, à semelhança dos (ligeiramente) mais conhecidos Howard Waldrop e Avram Davidson. Como na história pela qual, em meados dos anos 60, antecipou, e satirizou, de forma tão perfeita o mundo globalizado, irrequieto, adolescente deste novo século XXI. Dele, em português, só conhecemos três contos em edições de alfarrabista. Felizmente temos a internet para nos presentar com bibliografia e referências e terminar este requiem com uma nota alegre de um futuro talvez promissor...

[Link Permanentedel.icio.us  technorati  digg  facebook  reddit  google

A Vida Assombrosa (Também Breve) de Oscar Wao (Junot Díaz, Prémio Pulitzer 2008, Porto Editora) melhora progressivamente à medida que nos adentramos na história da família e abandonamos o nerd (inglês para «cromo» na opinião do tradutor) gordo com interesse pela ficção científica aventureira (o puto só gosta de Tolkien e Gordon Dickson e Doc Smith e Moorcock na fase de espadas&feitiçaria, e até ora não emitiu uma única opinião a respeito dos livros mais maduros de Simmons e Benford e Bear e outros tantos que estariam mais próximos da época da sua suposta adolescência), atingindo um ponto particularmente elevado quando descreve a história da mãe de família hispânica numa República Dominicana dos anos cinquenta/sessenta ainda dominada pela bota de Trujillo.

Aos treze anos, a Beli acreditava no amor tal qual uma viúva de setenta anos abandonada pela família, pelo marido, pelos filhos e pela sorte acredita em Deus.

(que não deixa de ser pungente, apesar de, depois de «abandonada pelo marido», o factor «viúva» seja pouco relevante...)

Como a maior parte dos Homúnculos, [Balaguer - ditador que sucedeu a Trujillo numa nova R.D. supostamente democrática, apelidado de Ladrão das Eleições ou Homúnculo] não casou e não deixou herdeiros.

(que produz ecos do nosso homúnculo de trazer por casa que a classe imberbe desta minúscula nação votou como o Maior Português de Sempre)

Dizer à Beli para não fazer gala daquelas curvas [ela que acabara de despontar gloriosamente para a adolescência] teria sido tal qual pedir àquele miúdo gordo, perseguido, para não fazer uso das suas recentemente descobertas capacidades de mutação. Com um poder maior chega uma maior responsabilidade... tretas. A nossa rapariga correu para o futuro que o seu novo corpo representava e nem olhou para trás.

(o que é uma forma interessante de salpicar um texto corriqueiro sobre o quotidiano com elementos e referências do género fantástico e dar-lhe um sabor inovador - suficientemente inovador, aliás, para conquistar um Pulitzer.)

Relativamente à tradução (de Victor Cabral), como se pode apreciar nos exemplos acima, produz uma sensação semelhante a ouvir uma peça executada com profissionalismo (embora com modesta paixão) num piano ligeiramente desafinado: ao nos deixarmos embalar pela música e pelo ritmo, surge aquela maldita tecla esganiçada de um termo ou expressão desnecessariamente mal traduzidos que nos faz saltar na cadeira...

Uma recomendação para os últimos dias de Feira do Livro.

[Link Permanentedel.icio.us  technorati  digg  facebook  reddit  google

14 Maio 2009

Uma Nova Forma de Andar. Não havia um ditado que dizia, quanto mais alto maior o tombo? Não?...

[Link Permanentedel.icio.us  technorati  digg  facebook  reddit  google

10 Maio 2009

A Minha Experiência Com A Feira do Livro, este ano, tem sido uma de pavilhões fechados e de visitas a correr, uma delas com sacrifício do almoço (não trabalho em Lisboa) porque alguma douta inteligência, individual ou colectiva, terá decidido que seria inglório e incómodo manter-se de portas abertas durante a noite, e determinou como hora de encerramento as 20.30 durante os dias de semana. Será desnecessário referir que esse horário apenas me deixaria meia-hora para visitar a Feira, caso me dispusesse a antecipar o momento de saída laboral e fosse a correr para o centro. Ainda o fiz uma vez, e tornou-se num momento frustrante, passando a correr por bancas de conhecidos só para chegar ao que pretendia - experiência partilhada pelos outros compradores desse dia, que se agarravam aos pavilhões como lapas, impedindo-os de fechar. Enquanto exercício de disciplina de compras orientadas e com objectivo, poderá ter o seu interesse, mas obviamente que estraga o prazer da compra aleatória, das poucas razões pela qual frequento o evento. Vozes dirão que teria o fim-de-semana - claro, se fosse minha vontade andar às cotoveladas com as enchentes de mirones de capas que impedem o acesso aos livros, não arredaria pé. Mas ainda não tomei o gosto de encarar a ida ao Parque Eduardo VII como uma manhã de domingo na Caparica, e dispenso mergulhar no mar social de corpos enfiados num espacinho de terreno que conseguem nesta impossibilidade o que só posso designar como a experi ncia de todos os sentidos: desde o conhecer-se intimamente o odor corporal do vizinho deitado quase em cima de nós à surdez causada pelos berros da criancinha à nossa esquerda, benditos os seus saudáveis pulmões e a generosidade dos pais que connosco partilham esta dádiva ao mundo, ao gosto a sal e protector solar da loja dos trezentos misturados na areia que nos cai na boca da malta nova que corre para e vinda da àgua. Talvez seja um defeito meu. Sei que tenho bastantes. Mas é com alívio que descubro esta notícia: a Feira passa a fechar uma hora mais tarde. Ora, um pouco da sensatez que retorna. Assim nem se torna penoso para os trabalhadores da Feira (que têm de aguentar dias a fio as alterações de clima, os clientes chatos, e chegam ao final com a Feira pelos cabelos) nem para os clientes. Mas foi preciso esperar durante mais de metade do evento para só na última semana a direcção arriscar esta mudança extraordinária... é fant stica esta celeridade, esta capacidade magnífica de adequação dos nossos eventos públicos às necessidades de quem o frequenta. Ao menos continua garantido o mercado dos pederastas e das prostitutas e da diversa fauna que diz-se frequentar a zona à noite, que, coitadinhos, eram afectados durante as três semanas de cultura com o tradicional encerramento das 23.00.

(Se estou indignado enquanto leitor e autor com a Feira este ano? Claro que sim. Além do disparate da hora de encerramento, mudaram um evento ao ar livre para uma época do ano em que o tempo ainda não está suficientemente estável e quente para assegurar a qualidade da visita. Que fosse necessário inovar pavilhões e alguns outros aspectos do evento, apoiado, eram medidas sensatas e óbvias. Mas o problema de mexer em tradições no nosso país é que nunca se sabe quando parar, e depois não basta corrigir-se o que estava mal, é preciso estragar-se o que estava bom...)

[Link Permanentedel.icio.us  technorati  digg  facebook  reddit  google

O Conto Definitivo de Ballard, uma versão do «Last Man on Earth» apropriada por muitos autores, entre os quais André Carneiro. O desaparecimento pacífico de toda a vida no mundo, com a excepção do insofismável B, possivelmente irmão do James que atravessa o mundo onírico de Crash. B finalmente no território da sua imaginação, rodeado pelos verdadeiros personagens das suas histórias - os arranha-céus, as autovias, os pilares de betão, os silos abandonados, os acidentes da paisagem -, finalmente libertos da confusão da humanidade. Este era o autor cujo maior pesadelo, afirmava em entrevista, era de esquecer-se de onde vivia e jamais conseguir voltar a casa.

[Link Permanentedel.icio.us  technorati  digg  facebook  reddit  google

O Dia Em Que Os Robôs Acordaram, uma curta-metragem simpática e interessante que venceu o prémio do público no festival de FC de Londres. Apesar da história algo desequilibrada (havia necessidade de acrescentar a Londres 2.0?), do pouco entusiasmo da voz narrativa, e do monótono antropomorfismo dos robôs (teria sido divertido ver robôs construidos a partir de peças de bicicletas, fogões, chaleiras...), fica a imagem de uma Londres coberta de vegetação, a boa opção da rima, muito depois de termos partido, e um exemplo como se pode fazer uma boa curta de FC para crianças com poucos meios.

[Link Permanentedel.icio.us  technorati  digg  facebook  reddit  google

09 Maio 2009

233º C, que é como quem diz 451º F. Meryl Streep a ler um breve trecho da obra de Bradbury. Quem estiver mais interessado no original, pode ficar com a voz do próprio autor. Entre nós, teve uma recente edição pelas Publicações Europa-América. Via Bibliofilmes Festival.

[Link Permanentedel.icio.us  technorati  digg  facebook  reddit  google

05 Maio 2009

De Tempos Idos. 

João Barreiros, Luís Filipe Silva, Daniel Tércio, Maria de Menezes

[Link Permanentedel.icio.us  technorati  digg  facebook  reddit  google

Só Nos Lembramos Deles quando já cá não estão, e depois ficamos com saudades. A minha recente lembrança a respeito deste senhor, que de entre as boas memórias a preto-e-branco que deixa se mistura a sensação exasperada de ter assistido a algumas das animações mais entediantes de que há memória (alvo desta auto-paródia que reproduzo do blogue do Jorge), passou por ter descoberto em Praga um verdadeiro apreço pela obra de Znedek Miller e por esta singela toupeira, cujas façanhas o Vasco Granja diligentemente ia apresentando nas matinés infantis. Aqui e agora, em destaque efémero. Até sempre.

[Link Permanentedel.icio.us  technorati  digg  facebook  reddit  google

Vencer Um Prémio, em particular um que seja atribuído pelos pares, ou seja, pelos outros escritores, é normalmente uma faca de dois gumes, pois os melhores escritores não serão os melhores leitores, estando atentos a pormenores de técnica e gesticulação e coisas estranhas como inovações no encaixe das vozes narrativas e dos tempos de acção e a experimentalismos dos modos verbais e à capacidade de construir frases inteiras que percorram páginas infindas sem um único momento de pausa ou de respiração como se o pensamento fosse assim, ininterrupto, contínuo como o caudal de um rio, em que ideia gera ideia e tudo corre numa direcção única e contida, ao invés de ser disperso, múltiplo e baralhado como o eclodir de folhas numa rajada de vento, Poe enganou-nos bem com a sua demonstração de raciocínio dedutivo na literatura, ou terá sido Joyce, e o argumento em questão, de que este foi um desvio, estava em observar que os escritores irão premiar o engenho da escrita e não a escrita em si, muito ao contrário do leitor normal, que ao abrir a obra simplesmente quer que esta lhe aconteça. Felizmente há autores capazes de agradar aos dois tipos de público, e, como Ursula LeGuin, transceder os géneros (não no sentido de escrever para além destes, como se isso fosse sensato, mas de ser notada por quem não presta atenção aos nichos literários) e ser digna de menção no Guardian e na revista Ler (que poucas vezes surgirão em conjunto na mesma frase, desconfio), ao receber o sexto nébula pela obra infanto-juvenil Powers (ainda não editada em Portugal, mas ao contrário de tempos passados, em que o ritmo de publicação era lento, decerto que em breve a veremos nos nossos escaparates - se permanecerá o tempo suficiente para deixar marca, antes de ser engolida na voracidade das novidades, esse é um problema novo...)

Fica aqui uma pequena entrevista à autora a respeito da obra O Flagelo dos Céus (Publicações Europa-América), um romance sobre um rapaz que vai desfazendo os problemas da sua vida simplesmente por sonhar (inadvertidamente) com o seu desaparecimento. Também gostava...

[Link Permanentedel.icio.us  technorati  digg  facebook  reddit  google

01 Maio 2009

O Pai da FC em meia dúzia de palavras e duas capas...

[Link Permanentedel.icio.us  technorati  digg  facebook  reddit  google

27 Abril 2009

Em Obediência Ao Velho Ditame que os portugueses só olham para o passado, o 25 de Abril é um dos poucos acontecimentos históricos recentes que, inevitavelmente, serve de contraponto para situar histórias de encontros e desencontros, perspectivas pessoais, esperança e transformações, dada a natureza revolucionária. Torna-se assim triste ficar a saber, no decurso dos documentários apresentados durante o passado fim de semana nos nossos canais televisivos, que o principal instigador dos acontecimentos daquele dia tenha sido, após o inevitável cansaço da guerra, questões de pormenor relativas à carreira militar... Enfim, retira bastante da nobreza e do altruismo da ocasião, embora os actos e as decisões dos militares tomadas no decurso do movimento continuem a ser colocados no alto de um pedestral - e a decisão única, louvável, de evitar a todo o custo o derrame de sangue. Acontecimento romântico por excelência, traduziu-se numa capacidade de mobilização e motivação deste povo (inevitavelmente levado ao exagero em certas situações, antes de começar a acalmar face à crise que se lhe seguiu), a qual, efectivamente, apenas voltei a encontrar aquando do Euro 2004, que agora começa já a ser objecto de saudade... Mobilização e motivação que acaba por se traduzir em ficção intervencionista, ou pelo menos, repleta de insinuações (um romance nunca deveria causar menos impacto que uma arma carregada).

Não deixa de ser interessante notar que é um dos poucos momentos da nossa história que é alvo de análise (no formato romance) das possibilidades alternativas do seu desfecho. De acordo com o noticiário recente, Alvorada Desfeita de Diogo de Andrade é uma entrada recente para este cânone (ainda não me deparei com a obra nas livrarias para poder formular uma opinião), mas recordo-me de não ser a única - embora não tenha presente todas as obras, tenho encontrado, desde talvez o início deste século, versões publicadas em editoras menores sobre o que teria acontecido ao país se a Revolução dos Cravos não tivesse sido bem sucedida.

Esta necessidade de efabular um outro desfecho possível de um acontecimento histórico apenas encontra eco no regresso de D. Sebastião e no caso muito particular do exemplo falhado (enquanto exercício de história alternativa, como já tive ocasião de explicar) da conquista da capital aos mouros tal como retratado pela História do Cerco de Lisboa. Para uma terra repleta de passado e mergulhada de cabeça nos feitos de outrora como a nossa, é estranha a necessidade de respeito absoluto e reprodução total dos acontecimentos - sabendo nós que qualquer ficção histórica, por muito rigorosa que pretenda ser, acaba por tornar-se numa versão alternativa dos acontecimentos, nem que seja pela mera suposição que o desenlace e a participação dos intervenientes aconteceu em conformidade com os poucos registos existentes. Os nossos autores respeitam demasiado, subvertem pouco. Precisávamos de obras nas quais os Descobrimentos não tivessem ocorrido, ou tivessem sido ganhos por Castela. Nas quais o Estado Novo nunca se tivesse concretizado. Nas quais o exército napoleónico tivesse entrado e permanecido durante anos. Nas quais Isabel, A Católica tivesse preferido Afonso V ao aragonês D. Fernando e estabelecido uma diferente união ibérica. Na qual Colombo fosse financiado pelo reino portucalense e disseminado a nossa língua pela América do Norte. Ficções histórias baseadas em alternativas razoavelmente possíveis, sem motivações ulteriores e que sejam fruto de uma análise fundamentada - e não reflectindo possíveis fantasias utópicas inverosímeis, ou críticas políticas actuais disfarçadas de romance, como os casos de A.D. 2230 e Euronovela, para mencionar dois dos exemplos mais conhecidos.

Que Portugal teríamos, então? Que povo, que mentalidade? De que feitos nos poderíamos orgulhar? Que futuro se nos depararia? Não basta descrevermos a imagem reflectida no espelho para nos sentirmos caracterizados. Por vezes, há que considerar o que poderíamos ter sido, e perceber quanto de nós se deve à permanência e quanto se deve à circunstância.

[Link Permanentedel.icio.us  technorati  digg  facebook  reddit  google

22 Abril 2009

A Importância da Índia. É uma estranha coincidência ter tido oportunidade de viajar naquele frenético e vigoroso comboio que é Slumdog Milionaire de Danny Boyle, um virtuosismo de fotografia e montagem que consegue retratar uma parte da Índia, da sua cultura e complexidade, não obstante a abordagem leve e necessariamente ligeira, e segundo me foi dado a entender - não tendo tido ainda contacto com a obra de Vikas Swarup - , o ter passado ao lado das questões mais negras do livro. Aparte estes detalhes, e considerado como mero espectáculo cénico, é uma história de telenovela vestida com saris e punjabis, a apresentação de uma infância a todos os níveis miserável mas que não consegue derrubar o espírito positivo dos protagonistas. É contudo, uma telenovela para ocidentais, estranhos à terra - Bollywood não retratará assim o próprio país, será mais doce e elegíaco, na tradição confirmada de que preferimos conhecer as misérias alheias que as da própria casa. Será assim em territórios circum-atlânticos e mediterrânicos que encontraremos audiências presas num misto de fascínio e horror pela brutalidade da existência, mas, tal como os protagonistas, emergindo do encontro incómules - sem passar pela violência emocional de perder um dos entes queridos da narrativa, por exemplo, nem ter de defrontar-se visualmente com a presumível violação sexual da rapariga Latika -, o não deixa de ser uma batota em termos narrativos. Mas depois existe toda a energia, o contraponto da música, a vontade contagiante de viver, a colocação vertiginosa da câmara, que desde o início nos confessa que vai ser bondoso para com os personagens. Que distância o separa do Watchmen, pensei. Como se consegue realizar uma adaptação que faz sentido em termos cinematográficos e ser-se simultâneamente uma incursão verosímil num espaço cultural distinto do nosso - ao contrário do perfeito desastre que consistiu a presumível adaptação de uma das mais importantes obras da Banda Desenhada, não obstante o igual virtuosismo a nível de efeitos (incluindo cenas perfeitamente fascinantes na superfície de Marte). Embora não discordando completamente da opinião fundamentada do David, inclino-me mais para a do Lucius e pergunto-me, como este, «para quê que isto serviu». Que propósito serviu quando a obra original está disponível e é tão acessivel visualmente quanto o filme. Tentar ser-se fiel ao livro não contribuiu para tornar a peça numa obra cinematográfica, e neste caso creio que foi contraproducente. E depois aquelas ridículas escolhas (o voice-over de Rorscharch, o tema «Aleluia» durante a cena prolongada de sexo, ou se quisermos ser picuinhas, o completo desenquadramento da banda sonora). Os actores fizeram o melhor que podiam com o material. Mas perdeu-se em estrutura narrativa (a versão bd aproveitou a publicação em fascículos para o desenrolar da trama e dos personagens de uma forma que o filme nunca seria capaz, contribuindo para a experiência total literária) e na ideia de filme como um todo, autónomo enquanto objecto de cinema, enquanto viagem . Uma experiência falhada, na minha opinião.

Mas comecei, referindo-me à Índia e a coincidências - e não poderia haver maior que encontrar-me profundamente mergulhado no futuro deste país, conduzido pela mão segura de Ian McDonald, adentrando-me nas 600 páginas de River of Gods, a segunda escolha do Círculo de Leibowitz, cuja entrega crítica foi acordado entre os diversos membros participantes ser adiada para Maio (as críticas deveriam ter sido apresentadas ontem) dada a complexidade e extensão da obra. Espero que nos acompanhem igualmente neste clube de leitura.

[Link Permanentedel.icio.us  technorati  digg  facebook  reddit  google

Site integrante do
Ficção Científica e Fantasia em Português