Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


07 Janeiro 2008

NAVEGAÇÃO VIRTUAL DESSINCRONIZADA CAUSA PROVÁVEL DE ACIDENTE FATAL? O sistema de vigilância da Segurança Civil registou a ocorrência junto da vila de Tortosendo de um acidente com um veículo ligeiro pelas 23h42 de ontem, causando a morte a dois dos quatro ocupantes. O automóvel seguia pela estrada de ligação à Covilhã e despistou-se a cinco quilómetros de saída da vila, ao não acompanhar o início de uma curva, sendo projectado para fora da via e acabando por embater no muro de resguardo de uma moradia desocupada. De acordo com o relatório oficial divulgado, a capacidade de protecção do habitáculo interno do carro ficou comprometida pela elevada velocidade em que este seguia, causando ferimentos graves nos ocupantes, que se tornariam fatais para dois deles antes da chegada da equipa de socorro. O relatório salienta que, dadas as condições atmosféricas de elevada pluviosidade e nevoeiro, bem como as condições impróprias do terreno, havia um nível médio-elevado de risco na velocidade em que o veículo prosseguia, e que o condutor terá sido avisado dos perigos inerentes pelo computador de bordo. Contudo, também ressalva que há indicações na caixa-negra de que avançariam guiados pela condução virtual, a qual se encontrava suportada por um sistema avançado de projecção dos limites da estrada no vidro dianteiro, complementando a baixa visibilidade e aumentando a segurança da rapidez da marcha. Entre as explicações possíveis para o acidente, tendo sido excluída a falha mecânica e encontrando-se em avaliação por médicos legistas a causa humana, verifica-se a preocupante possibilidade de haver uma maior margem de erro para a projecção virtual do caminho do que indicada pelo fabricante, fazendo supor ao condutor que a curva em causa se situaria mais distante do que efectivamente estava. Esta possibilidade está a ser ponderada pela imprensa, e pela família das vítimas, que anunciaram estarem a considerar um processo contra os fabricantes do sistema de condução virtual. [Agência Nacional de Notícias, 7.01.2017]

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04 Janeiro 2008

CRESCIMENTO DA ECONOMIA DO FAVOR. Se precisar de encontrar um canalizador, uma oficina de reparação automóvel, um carro com motorista para o fim de semana, um dentista para uma emergência, uma ama para os filhos, a quem recorre? Noventa porcento dos leitores indicarão os motores de busca da internet, os portais comunitários ou as listas telefónicas. Nove e meio porcento perguntarão aos amigos e familiares. Apenas meio porcento, segundo estatísticas recentes, se lembrará de pedir ao banco. Contudo, numa crescente tendência de apoio e acompanhamento do estilo de vida dos clientes em todos os aspectos, e pressionados por um mercado altamente competitivo, de margens baixas e regulamentação apertada, a indústria bancária começa a apostar fortemente num novo conceito de serviço global, distante dos tradicionais produtos financeiros. Esta abordagem assenta no conceito do «banco de favores», no qual a moeda de troca é a prestação de um serviço pessoal ou profissional (o «favor»), sobre o qual não recai, geralmente, um pagamento directo mas uma determinada pontuação, atribuida segundo regras de mercado em todo semelhantes às da moeda corrente, e que pode ser acumulada, ou depositada, junto dos bancos. De igual forma, o valor acumulado das pontuações dos «favores» que prestou poderá ser utilizado para recorrer aos serviços prestados por outras pessoas no mesmo regime, não necessariamente a pessoa a quem fez o favor inicial. Assim, imagine que o leitor é o canalizador acima referido, e que ao responder ao apelo da pessoa necessitada acumula determinado saldo na conta que abriu na instituição financeira – chamado o saldo de «boa vontade»; poderá então utilizá-lo para pedir a assistência de uma empregada doméstica para lhe limpar a casa, ou de um estafeta para fazer um recado, ou de alguém que simplesmente vá passear o seu cão. Todos os favores são válidos, desde que não violem nenhuma lei em vigor, e geralmente não podem ser trocados por valores pecuniários (embora tenha recentemente surgido um mercado paralelo de venda dos favores acumulados). O benefício para os bancos é evidente: não só expandem a relação com os clientes como fazem crescer os índices de fidelidade; e por cada favor prestado ao abrigo deste serviço, o banco reserva uma percentagem de comissão, também em pontuações de favor, que é normalmente utilizada na contratação não remunerada de trabalho temporário não especializado, para atender call-centers e apoiar campanhas publicitárias. No entanto, é um preço que vale a pena pagar, pois os bancos oferecem uma segurança adicional que a maioria das listagens da internet não garante, ao requererem ao cliente provas de identidade no acto de inscrição e manterem uma base de dados comum ao mercado sobre a qualidade e integridade do prestador de serviços em causa. Serviços não-financeiros desta natureza não são de agora, mas só actualmente começaram a constituir um peso significativo na economia dos países ocidentais, pois trata-se para todos os efeitos de trabalho não sujeito a trocas financeiras, e logo isento de impostos sob a actual fiscalidade. Situação que, estamos em crer, não se irá manter durante muito tempo... [Agência Nacional de Notícias, 04.01.2012]

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ESTAVA-SE EM INÍCIO DOS ANOS 90 e um filme de FC quase esquecido apresentava uma continuação que faria história no cinema e consagraria James Cameron como o realizador a apostar quando se quisesse fazer sequelas de histórias de acção e fantástico. Terminator 2 destacou-se pela bravata, pela intensidade da abordagem, pela inteligência dos efeitos visuais, na apresentação de uma visão do futuro que, mesmo não fazendo muito sentido lógico, era directa, assumida, implacável. Linda Hamilton trouxe uma nova forma de actuar para as heroínas de acção, finalmente destacando-se da personagem indefesa do filme anterior. Arnold representou o papel de uma máquina implacável com uma contrição muito sua, aproveitando-se devidamente da sua aparência de imigrante entre americanos. E Robert Patrick passa a quase totalidade do filme sem uma única deixa mas com uma presença marcante, mostrando-se como é possível actuar apenas pela expressão corporal e com uma personagem tão limitada. Da terceira parte, já nesta década, esperemos que reste tão pouca memória quanto de Highlander 2.

Infelizmente, o filão não ficou por aqui, e agora surge na televisão norte-americana os episódios intermédios da saga, ou seja, o que teria acontecido entre a segunda e a terceira parte (onde a mãe do puto já não existe). The Sarah Conner Chronicles prometem muito diálogo introvertido, muito umbiguismo, alguma simbiologia de Beckett, no sentido em que estaremos todos à espera de Godot, ou seja, de uma abordagem inovadora que provavelmente nunca virá. Algo que nunca compreendi é porque existia apenas um robô atacante de cada vez. Porque é que do futuro não enviaram dezenas, centenas de máquinas para tentar acabar com o miúdo, em simultâneo na mesma época (e uma vez que os defensores fariam o mesmo, imaginem o combate titânico destes verdadeiros exércitos). Ou matar os pais antes de se encontrarem. Ou libertarem simplesmente dardos, substâncias tóxicas, veneno nas condutas de água e na comida das vilas onde iam morando, pragas biológicas no ar - mesmo que dizimassem uma boa parte da população, não tinham como objectivo acabar com o puto fosse como fosse? Estão a ver como se pode levar o conceito a um crescendo caótico de loucura? E como, pensando bem, as abordagens dos filmes até hoje são realmente pobres.

Duvido que a série siga este rumo. Pelo trailer, promete-se mais perseguições de carro e explosões. Resta-nos Lena Hadey, discreta mas bela em 300, com a sua beleza e competência como actriz, que talvez componha o ramalhete. E a nova exterminadora, que talvez venha também a ser governadora da Califórnia... (Via Sound+Vision).

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03 Janeiro 2008

«BARTOLOMEU» EFECTUA PRIMEIRO VÔO IBÉRICO. Iniciativa do multimilionário catalão Castels Plat, o «Bartolomeu» é o primeiro dirigível da era moderna a funcionar numa rota comercial, com vôos regulares dentro do espaço ibérico. De acordo com os comunicados de imprensa, «nesta era de aeroportos congestionados, medidas de segurança incómodas, serviço a bordo de baixa qualidade, atrasos no embarque e confusão generalizada», o uso de dirigíveis seguros e baseados em tecnologia de vanguarda pretende «devolver à viagem aérea o glamour e o romantismo que merece, proporcionando espaços de lazer extensos onde os passageiros podem descontrair, divertir-se e apreciar a paisagem». A primeira viagem levará cerca de sessenta passageiros, entre os quais amigos pessoais e convidados de Castels Plat, e fará a ligação da sua propriedade de Montserrat à zona de Vila Nova de Milfontes, com uma duração estimada de sete horas. Para passar o tempo, os passageiros poderão relaxar na zona de massagens e terapia, ver filmes na sala de projecção, ou ainda assistir à actuação especial da dupla romântica Casels y Casels. O jantar, confeccionado a bordo, estará a cargo nesta viagem do famoso chefe Juán Sentil, que prometeu uma mostra gastronómica da Catalunha. Aqueles que não conseguem estar muito tempo longe dos seus afazeres, poderão usufruir da sala de comunicações, equipada com computadores, internet e telefones em cabinas isoladas para completa privacidade. Não é à toa que lhes chamam de «palácios celestes». O preço de entrada, por outro lado, é que não se assemelha aos dos palácios em terra... [Agência Nacional de Notícias, 03.01.2013]

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02 Janeiro 2008

O ANO EM QUE REGRESSAMOS À LUA. Fará em Dezembro próximo deste ano, meio século desde a última presença de um ser humano no nosso satélite natural. Apolo 17 foi a derradeira das missões de conquista espacial a chegar à Lua e pousar na superfície, feito único da nossa espécie que tem sido difícil, por questões políticas e económicas repetir. Tendo resultado de um efeito secundário inesperado da Guerra Fria, no qual, e talvez pela primeira vez na História, o marketing político contribuiu efectivamente para o progresso humano (todos os materiais e substâncias que a Lua contém encontram-se amplamente disponíveis no nosso planeta, e como não comporta nenhum dos que escasseiam, não se registou um motivo económico ou prático para lá regressarmos tão depressa), a preparação de uma nova missão tripulada tem sido continuamente adiada pelas principais potências envolvidas na exploração espacial, mais preocupadas na conquista das órbitas circunterrestres próximas, onde reside a maior atracção dos investidores. Não foi senão em 2015, com o desenvolvimento de métodos para a produção industrial – logo, barata – de combustíveis compactos de elevada energia, que a indústria aeroespacial entrou numa nova fase de inovação. Este tipo de combustíveis consegue combinar uma redução substancial da massa a colocar em órbita (uma vez que é necessário transportar o combustível total para a viagem, este adiciona por si mesmo um peso combinado à massa total de materiais, nave, tanques e pessoas a impulsionar), bem como um impulso específico igual ou ligeiramente superior ao dos combustíveis normalmente utilizados. Combinando este efeito com propulsores aperfeiçoados, capazes de transformar mais eficientemente combustão em movimento, o custo de colocar carga em órbita decresceu nos últimos anos, para um quarto dos valores médios da década passada, permitindo libertar parte dos orçamentos envolvidos em sustentar missões mais longas ou mais longinquas, e reduzi-los ao mesmo tempo. Por via desta tendência, um conglomerado de multinacionais privadas europeias de sectores não-industriais vão apostar pela primeira vez na exploração espacial e financiar o regresso à superfície da Lua, com data marcada para meados do presente ano. Portugal, enquanto país onde se tem vindo a experimentar colheitas transgénicas de substâncias agrícolas com bastante sucesso, participa de forma relevante. O objectivo de alcançar a Lua? Estudar a viabilidade de subsistência de plantações resistentes a condições de baixa gravidade e elevado nível de radiações, para futuramente sustentarem uma presença humana estável e permanente na superfície do nosso satélite, um sonho de longa data da ficção científica. [Agência Nacional de Notícias, 02.01.2022]

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01 Janeiro 2008

NOVA ÁGUA SUPER-VITAMINADA. No seguimento da política comunitária para a prevenção de epidemias, o Ministério da Saúde anunciou a criação de um comité especial para avaliar os efeitos da possível introdução de medidas profiláticas no fornecimento público de água. Antibióticos ligeiros, antivirais e vitaminas são algumas das substâncias que poderão passar a enriquecer o abastecimento da EPAL a partir do próximo ano, providenciando um complemento constante na prevenção das doenças comuns sazonais que nos últimos anos têm evoluído para estirpes mais resistentes aos medicamentos. De facto, estudos indicaram que estas estirpes se caracterizam por uma invasão inicial extremamente rápida, conseguindo progredir por várias zonas do corpo antes que haja possibilidade de reacção médica, e assim dificuldando a sua erradicação. Àparte o incómodo e perigo evidente para a saúde, os sintomas destas doenças são de tal ordem intensos que normalmente incapacitam as vítimas e as obrigam a ficar de baixa, com o prejuízo natural para a economia, em termos de perda de capacidade de produção e necessidade de apoio pela Segurança Social. A intenção medidas em avaliação pelo comité é de precaver a infecção, nutrindo o corpo de formas de defesa adicionais que aumentem a eficiência do sistema imunitário e impeçam o progresso logo no estágio inicial. Um sistema experimental encontra-se em vigor em algumas zonas da cidade de Paris desde meados do ano passado, com resultados, à primeira vista, extremamente positivos. [01.01.2016]

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31 Dezembro 2007

ONDE DEUS SE ESCONDE. Certamente aqui. Apenas poderia ser aqui.

Via Bibliotecário de Babel.

Boas Entradas!

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30 Dezembro 2007

O TERRITÓRIO DA FICÇÃO CURTA DO GÉNERO e a sua relação com as antologias que seleccionam anualmente os melhores contos e noveletas publicados no ano anterior reflecte, até certa medida, o equilíbrio difícil da existência na Península das várias comunidades autóctenes antes da chegada dos romanos: conturbada, independente, e de difícil consenso. Os romanos trouxeram a paz e harmonia, forçando o jugo imperial de uma única administração, economia, sistema tributário e língua aos vários povos ibéricos, tal como estas antologias pretenderam traçar um caminho na multiplicidade de histórias e tendências com que cada numero de cada revista ou colectânea vem agitar as águas da FC.

Decerto que dos romanos não teria sido a solução da Comunidade Europeia, nem possivelmente veriam com bons olhos a necessidade de efectuar compromissos com outros povos e não haver liderança bem definida. E de facto, durante a sua existência, a Península passou por um período focado de crescimento e prosperidade. E estava demasiado longe da capital de império para se preocupar muito com um apertado controlo administrativo. Aliás, a condição isolada da Península viria a afectar inclusivé os árabes, séculos mais tarde, a tal ponto que foi necessário o envio de uma delegação do norte de África para repor a cultura no «bom caminho»...

A hegemonia parece ser uma condição sine qua non das sociedades humanas, e isso sente-se até na determinação do que é, anualmente, o melhor que se publica em termos de fantástico internacionalmente.

Aqui a hegemonia é sem dúvida norte-americana, e para sermos específicos, mais estado-unidense que canadiana. Todos os anos é publicado um conjunto de volumes que proclamam defender, sob determinados critérios, o que consideram ser os melhores contos e narrativas curtas publicadas no ano anterior - em inglês, obviamente, e apenas as que chegaram às mãos dos editores respectivos.

De longa data, uma das mais imperiosas, em todos os sentidos, tem sido a de Gardner Dozois, que em 2007 chegou ao volume 24. Densa, gigantesca (700 páginas em letra miudinha), tem-se imposto como a única antologia capaz de apresentar uma apreciação lata do género, em particular nas categorias de noveleta e novela, algo com que as restantes, de menor dimensão, não são capazes de competir. De igual forma, Dozois, durante décadas editor da revista Asimov's antes de a abandonar por alegado cansaço, tem marcado o género com o seu gosto peculiarmente literário, com grande ênfase no estilo e do desenvolvimento dos personagens, ao invés da história limitada a discursar sobre engenhos e invenções - por outro lado, a ciência e o racionalismo marcam presença forte, e na medida do possível, é ficção científica, e não fantasia, o género mais definido e vincado nas histórias seleccionadas.

O que não significa que a qualidade seja uniforme. Ou pelo menos, que a ficção curta, até certa medida, não esteja em crise enquanto veiculo para contar histórias interessantes, especulativas, emocionais ou perturbadoras - e quando falo em crise, não é do formato em si, mas do respeito que os autores lhe têm dado, nesta época de romances e trilogias épicas de milhares de páginas, e de histórias pouco originais.

Das quatro últimas histórias do Year's Best deste ano (porque uma forma diferente de abordar um livro grande é subvertê-lo e começar do fim, desfazendo a orientação subliminar que o antologista teria colocado na ordenação das histórias), apenas uma se destaca como tendo merecido a selecção neste conjunto, e eventualmente sequer a publicação em livro. As restantes deixam muito a desejar.

«Nightingale» é uma novela de Alastair Reynolds, na qual, num universo traumatizado por séculos de guerra, um conjunto de mercenários são convocados para resgatar um dos maiores crimonosos de guerra de uma nave-curandeira. Quer o criminoso quer a própria nave eram considerados perdidos ou destruídos, até recentemente ter sido descoberta a verdade. A missão é então uma de justiça e vingança: descobrir a nave-curandeira, forçar as suas defesas, penetrar no interior e retirar o criminoso para o levar perante os tribunais - ou acabar com ele, se não for possível.

Uma história que nos faz lembrar do impacto emocional do Heart of Darkness, ou da excitação do filme Aliens, certo? Uma incursão perigosa num território desconhecido, onde as surpresas são fatais e a desatenção pode comprometer o objectivo. Material para uma grande história, semeada com algumas interrogações sobre a natureza da Besta e do seu rosto...

Infelizmente, Reynolds não consegue lidar com a promessa do material, recorrendo a uma prosa sensaborona, à pouca imaginação dos desafios e dos perigos colocados à expedição, a uma completa falta de engenho na condução de uma história de suspense, e terminando tudo com um desfecho pouco convincente. A tal ponto que durante a leitura, ocorreu-me continuamente como aquele cenário, seria material para a concepção de um filme bastante interessante, mas com uma história diferente, bem escrita. Aparentemente esta história baseia-se fortemente no universo do ciclo Revelation Space do autor, mas se ter conhecimento deste melhora a experiência da mesma, não esconde o facto de que, isoladamente, não funcionar como devia. 

«The Town on Blighted Sea» de A. M. Dellamonica não melhora a sensação, e num cenário de convívio entre humanos e terrestres, de novo perturbado pelos traumas de de pós-guerra, apresenta uma história de assassinato e prazeres ilegais que parece saida de um filme do Steven Seagal.

«Every Hole is Outlined» decorre numa nave de transporte de mercadorias capaz de sobreviver a gerações de tripulantes, quase como se fosse um mundo isolado. Neste universo a escravatura voltou a ser uma opção vigente em determinados planetas, e por virtude do falecimento da companheira do matemático da actual tripulação, ele próprio já de idade avançada e necessitando de passar os conhecimentos a outro elemento, decidem adquirir uma escrava num dos mercados e convencê-la a trabalhar enquanto companheira dele em troca da sua liberdade. O segredo do matemático é que vê fantasmas (sim, fantasmas) a bordo da nave, e em breve ela também os vê. Saltando de cena em cena sem qualquer traço de emoção, eis uma história que se queria emotiva e sentimental, mas que foi escrita com o lado racional do cérebro. John Barnes, pela sua experiência como semiótico, consegue traçar universos estranhos e diferentes do nosso, mas talvez porque segue o raciocínio e não a intuição, estes universos nunca chegam a ser realmente perturbadores e interessantes. Ou então é incapaz de contar uma história. De qualquer forma, mais uma leitura que não acrescenta nada à vida.

Um pouco de redenção surge finalmente com «Okanoggan Falls», de Carolyn Ives Gilman. O que parece ser mais uma história sobre uma invasão alienígena e o trauma do pós-guerra, em particular quando os alienígenas decidem eliminar um punhado de vilas do interior dos EUA para seus próprios fins (um resort de areia, como descobrimos mais adiante) torna-se subtilmente (embora perca bastante da originalidade quando começa a copiar elementos das Pontes de Madison County) numa versão muito feminina de um contacto humano com um extraterrestre. Salpicado com as banais considerações de uma mulher casada de como em muitas formas um marido é semelhante a um ET, a força do conto encontra-se na descrição da vida rotineira de uma pequena vila americana e de como é forçada a reagir às mudanças impostas pelo mundo exterior - e consegue, por momentos, o difícil feito da suspensão do descrédito quando apresenta a perspectiva do outro face ao nosso mundo, à nossa espécie, aos nossos corpos. O final não representa uma conquista com explosões e domínio de poder, mas uma conquista do sentimento, uma mudança de perspectiva - é, neste sentido, um fim absolutamente feminino, e nele revela-se a verdadeira história.

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