Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


22 Abril 2006

COMO SE FAZ LÁ FORA, uma vez que cá dentro o processo comercial do livro tem menos equações (o mercado é menos complexo, os canais de distribuição mais concentrados). Mas vou focar a minha atenção num aspecto particular, o preço pelo qual se pagam algumas das componentes de produção.

Segundo o exemplo apresentado no artigo, a ilustração da capa custou-lhes 5900 USD (arredondando, digamos 5000 EUR), revisão 405 USD (350 EUR), e paginação 2700 USD  (2000 EUR).

Publicar um livro em Portugal pagando estes valores por cada um dos itens enunciados, que não fosse um best-seller na ordem do Código Da Vinci, levaria uma editora - particularmente se fosse pequena - à falência em pouco tempo. Porquê? Porque as tiragens são reduzidas, na ordem dos dois a quatro mil exemplares, tendo como efeito que o custo daqueles itens, como são de natureza fixa e logo distribuídos por cada exemplar, iriam encarecer o livro numa proporção que rapidamente afastaria os compradores.

Fazendo os cálculos (o raciocínio a seguir é apenas uma aproximação do processo, não um exemplo real pois não sou editor): aqueles custos totalizam 7350 euros - considerando uma tiragem generosa de quatro mil exemplares, cada livro comportaria 1,8 euros. Não parece muito... contudo, ainda temos de pagar custos de impressão, tradução, direitos de autor, alguma promoção, custos com pessoal e instalações da editora... o custo de produção do livro eleva-se para os 6 euros. Depois há que ter lucro - convém, se quisermos manter o negócio a funcionar. Em cima disto, o desconto da distribuição e das livrarias, cerca de metade do preço do livro. E a considerar ainda, algo muito importante neste ramo mas por vezes incompreensível para os novatos: o fluxo de tesouraria.

O fluxo de tesouraria é um efeito que deriva da forma como um livro se vai vendendo, que segue o comportamento de uma curva com um pico nos meses seguintes ao lançamento e um decréscimo mais ou menos gradual (se for a pique sabemos que temos em mãos um livro muito mau) ao longo dos anos seguintes; por vezes existem acções específicas de promoção ou novas tiragens para incentivar as vendas, mas a verdade é que, a não ser que o livro seja um sucesso ou a tiragem mesmo muito pequena, vão ter exemplares disponiveis em armazém durante anos, o que significa que vão levar todo esse tempo para reaver o investimento - o custo - do livro (sem considerar que, passado bastante tempo, o livro vende-se essencialmente nas feiras e com desconto, o que implica bye bye lucro previsto). Tesouraria significa então dinheiro no bolso, dinheiro disponivel para investir ou gastar. Se empataram todo o dinheiro que tinham publicando aquele livro, e precisam de vender a edição quase na íntegra para o recuperar, só conseguirão publicar um novo livro daqui a quatro anos...

Daí que seja necessário compensar este efeito e recuperar a maior parte do investimento durante os primeiros meses de venda; dizendo de outra forma, se dos 4000 exemplares propostos, acreditarmos que 1000 é o número que se vai vender nos primeiros seis meses, o preço deste lote deverá conseguir pagar o custo total do livro. Imprimimos quatro mil livros, mas custeamos para mil; todos os exemplares vendidos para além deste primeiro lote são lucro para a editora. Assim conseguimos estar a lançar outra obra com o dinheiro que recuperámos desta, no espaço de um semestre... (considerando que o distribuidor nos paga a tempo, que o desconto não foi maior, que as vendas correm bem... há imensos factores adicionais em jogo).

Daí que um livro que custa seis euros por exemplar a produzir passe para 24 euros de preço de venda no mercado... mais 5% de IVA... façam as contas...

Ainda vão comprar este livro? Um livro de bolso, de um autor desconhecido sem prémios que o destaquem nem críticas favoráveis na imprensa? O comum dos leitores não o fará. Esperam pelas feiras dos livros, leem as edições estrangeiras na lingua original. A edição é devolvida por vender ao armazém. Adeus, autor, que não venderá outro romance. Adeus, editora, que não publicará mais nenhum livro. Adeus, livrarias, que não conseguirão pagar sequer a renda da loja. Adeus, distribuidor, a não ser que passe a distribuir jornais e revistas.

Resultado: todos os intervenientes no processo de venda do livro pressionam a redução dos custos ao essencial - isto implica procurar gráficas mais eficientes a imprimir, revisores mais baratos e paginadores mais baratos, tradutores que recebam um mínimo por página (por sinal é difícil convencer os autores estrangeiros a baixar o valor dos direitos... contudo até estes vão por arrasto, pois uma das componentes deste custo é também uma percentagem das vendas sobre o preço de capa, e se este diminui...).

O que nos leva ao cerne deste argumento, que vai longo, e que é o seguinte: enquanto o mercado não se dinamizar e aumentarmos o número de leitores, e logo as edições, não vamos conseguir diminuir o peso que o custo das traduções, ilustrações e revisão têm na feitura do livro. O que implica que os respectivos profissionais estão obrigamente a ser mal pagos.

O valor do trabalho mede-se, como em todas as actividades, no preço por hora. Se um revisor, por exemplo, consegue rever um livro de 400 páginas em três dias, ou seja, 3 x 8 = 24 horas de esforço, e recebe por isso os 350 euros do exemplo acima, está a ser pago cerca de 15 euros por hora - não o fará rico (se trabalhar o mês todo receberá 2400 euros brutos) mas é um mínimo aceitável, e possivelmente levará a que da próxima vez consiga rever um livro semelhante por menos tempo, o que vai aumentar o valor que recebe por hora. Contudo, face à realidade nacional, já vimos que o valor é exagerado, e logo vamos ter de pagar menos... digamos 200 euros, pois até gostamos do trabalho da pessoa. O volume de trabalho não diminuiu. O nosso revisor está a receber 8 euros por hora. Corresponde a um ordenado bruto mensal de 1300 euros, se conseguir trabalho que o mantenha ocupado constantemente... E há que pagar a casa, a gasolina, a comida, a roupa, por os putos na escola, pagar a saúde, tirar férias de vez em quando que não seja na Caparica... e não sobra nada para poupar, quando não tem de pedir aos pais... Felizmente que a mulher tem um ordenado fixo como caixa num banco. A sua preocupação vai ser: tenho de trabalhar mais depressa para poder despachar mais revisões por mês... queda de qualidade, menos preocupação com o processo. Antigamente sentava-se com o tradutor e discutiam calorosamente opções de tradução em benefício do livro, agora troca uns emails e já está; dantes procurava especialistas para confirmar termos científicos, agora confia no tradutor ou vai rapidamente à internet para descargo de consciência; antigamente mantinha um quadro onde registava o grafismo dos nomes e das designações para detectar incoerências, agora é por search no Word e pronto... Começa a ter problemas com as editoras que se queixam da quebra de qualidade, a sua reputação no mercado desce, é menos procurado, é obrigado a receber trabalhos abaixo do valor normal só para se manter ocupado, começa a fumar, ganha uma úlcera, e passado alguns anos manda tudo à fava, faz uns cursos de especialização e aceita um trabalho na Argentina como outsourcing de informática a receber 25 euros por hora durante dois anos.

O cenário é obviamente de caricatura, mas o argumento não o é:  enquanto as tarefas associadas à produção literária forem remuneradas abaixo da média do mercado de trabalho, dificilmente se conseguirá constituir um núcleo de profissionais especializados (e com isto refiro-me a elementos com conhecimentos, cultura e discernimento para as tarefas especializadas de traduzir e rever e produzir um livro) ao nível dos mercados estrangeiros.

E com isto refiro-me igualmente à actividade de escritor. Escrever um livro leva tempo, tempo de pesquisa, planeamento e escrita propriamente dita. E há que existir dentro de nós - há que poder passar tardes em frente ao mar a deixar os diálogos acontecer e os personagens crescer no espírito, saborear o enredo, experimentar alternativas e perceber se se enquadram.

Mas se não se ganhar um mínimo pela escrita para pagar as contas do dia-a-dia, há que arranjar emprego... E como conciliar a criatividade com uma família e um trabalho normal? Que fins-de-semana, que noites ficam livres e de espírito aberto e descansado para deixar as palavras fluír? É de admirar que a maioria dos escritores entre nós pertençam à classe dos professores e dos médicos e de outros profissionais não obrigados a um ritmo constante de produção e dedicação e responsabilização hierárquica de pelo menos 40 horas por semana?

Este argumento não comporta uma solução. Não vos vou oferecer um deus ex machina. Se as editoras não pagam mais é porque na verdade o negócio não o permite. A única forma é expandir o mercado. Recuperar o dinheiro e tempo gastos com DVD's, cinema e desporto. Expandir os falantes da língua portuguesa. Conquistar Ceuta aos mouros. Passar além da Taprobana. Dobrar o Cabo das Tormentas. E sim, sim, capitão, camarada Vasco, meu senhor, é a Índia que se estende a nossos pés, é o Novo Mundo, o mundo da hegemonia portuguesa e do domínio por terra, mar e ar da nossa Lusa pátria!...

Ehem... pois...

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21 Abril 2006

O VISIONÁRIO NUMA HORA, ou talvez o explorador, pois descreve melhor a sua viagem pelos territórios inexplorados da net, desenhando o mapa, estabelecendo ligações. Aqui numa conferência na recente convenção australiana.

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20 Abril 2006

É IMPRESSIONANTE a quantidade de significados que se atribuem a uma metáfora tão básica. Há um odor a truques de salão em tudo isto, como se fosse admissível, numa era de crescente complexidade e quantidade de informação, encolhermo-nos nas explicações simples e não reconhecer a enorme massa do iceberg, invisível mas verdadeira, sob a superfície - até esta parece ser uma metáfora melhor, pois é só quando pensamos que estamos com visão perfeita que nos esquecemos de abrir os olhos. Vejam como é fraco o enredo quando exposto assim a nu sem o malabarismo do estilo (embora o estilo seja quase tudo). O favorável da situação é que o autor se recusa a ser classificado como ficção científica, pelo menos nesta nação e na nação do auto-imposto exílio - não parece ter tanta sorte lá fora...

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17 Abril 2006

E QUEM TERÁ RAZÃO? Dan Simmons defende um ponto de vista, o mercado defende outro. Embora utilizar um outro autor para terminar a obra incompleta não seja igual a publicar as anotações em bruto do autor original (e embora por outro lado seja talvez mais justo fazê-lo do que terminar a obra...), a verdade é que sem este pormenor não veríamos a nova entrada no Childe Cycle que nunca ficará terminado, ou a continuação do Cântico de Leibowitz. E será que ficámos mais ricos por ter versões incompletas?

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16 Abril 2006

APÓS UM CONJUNTO de filmes falhados e desinteressantes, Cronenberg volta à forma com Uma História de Violência, uma história directa e simples sobre as consequências da violência e a capacidade de redenção (ou de uma forma que faz mais sentido para um adulto, a capacidade de ir vivendo com). Não posso entrar em detalhes sem estragar o enredo - apenas direi que, de uma forma maestral, o que parecia ser um filme banal sobre serial killers a ameaçar uma comunidade, torna-se de repente num filme diferente, uma vez que Tom Stall (Viggo Mortensen) é afinal mais perigoso que a dupla que vai assaltar o café... Vão ver. (E por favor afastem-se decididamente do Instinto Fatal 2. É para vosso bem!).

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15 Abril 2006

O REGRESSO À TRADIÇÃO ORAL? Quem diria que faríamos a volta completa? Embora a explicação mais correcta seja a demonstração de um subtil desespero que qualquer aspirante a autor tem de ultrapassar enquanto procura a sua audiência no meio da cacofonia criativa desta sociedade moderna...

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WHAT NOT TO DO. E bem explícito. O que leva imediatamente a querer fazer uma história que utilize todos estes elementos...

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14 Abril 2006

O MAIS INTERESSANTE DESTA PROPOSTA é que irá possivelmente ter sucesso onde a FC geralmente falha: ficção com e sobre ciência.

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