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Gerson Lodi-Ribeiro - Crítica | 22 Dez 2004
Talvez Terrarium (Editorial Caminho, 1996) não seja uma obra-prima se comparado aos melhores romances e trilogias da ficção científica anglo-saxónica. A questão é discutível e, no fundo, é uma questão de opinião. E neste ponto, os críticos de plantão e suas críticas pretensamente inteligentes que me perdoem, mas opinião cada leitor tem a sua. Na minha, se fosse bem traduzido para o inglês, impresso em papel alcalino e encadernado a couro, o romance escrito a quatro mãos por João Barreiros e Luís Filipe Silva não destoaria na prestigiosa colecção Masters of Science Fiction, editada pela Easton Press.
E quando comparado aos outros romances de ficção científica escritos por autores portugueses e brasileiros?
Bem, uma comparação deste tipo não faz sentido. É até cobardia!
Explico: quer pela qualidade, quer pelo mero tamanho físico, Terrarium parece anos-luz à frente de qualquer outro romance luso-brasileiro do género. Esta afirmação, contudo, não chega a constituir grande elogio, pois nas últimas duas décadas, os autores portugueses e brasileiros têm-se destacado mais como contistas do que como romancistas (1), daí termos hoje bastante mais antologias e, sobretudo, colectâneas, do que romances. Além disto, a vasta maioria dos trabalhos de qualidade indiscutível de entre os romances efectivamente publicados nas últimas décadas não constituem ficção científica propriamente dita, mas antes, romances de horror ou fantasia.
Desta forma, no mundo pouco populoso da ficção científica lusófona, Terrarium não dispõe de concorrentes à altura. É indiscutivelmente o melhor romance de ficção científica da língua portuguesa. Pensando em termos de géneros - atitude que reputo gratuita na maioria das vezes, mas que, em termos mercadológicos, eventualmente revela-se profícua - considero Terrarium o melhor romance luso-brasileiro do supergénero que engloba tanto a ficção científica, quanto a fantasia, o horror e a história alternativa.
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A primeira observação a respeito de Terrarium que saltará aos olhos do leitor já consta no seu subtítulo: «Um romance em mosaicos». O que isto quer dizer? Terrarium é um romance que foge da estrutura narrativa convencional, constituindo-se de uma série de novelas e noveletas interligadas - os tais mosaicos mencionados no subtítulo. É aquilo que o mercado da FC&F anglo-saxónica se sentiria tentado a chamar de fix-up, muito embora apenas uma de suas peças componentes tenha sido de facto publicada como ficção curta independente. Contudo, imagino que a maioria dessas peças possa ser lida separadamente. Os leitores brasileiros já conhecem uma delas: «A Arder Caíram os Anjos» de João Barreiros, publicada entre nós [Brasil] no Somnium Nº 61 (Setembro de 1994), noveleta agraciada com o Prêmio Nova 1994 na categoria Melhor Ficção Curta Estrangeira.
Os leitores que conhecem bem o estilo dos dois autores - tanto das outras colectâneas (2) e, no caso de Luís Filipe Silva, romances (3), publicados pela Caminho, quanto pelos contos publicados nas antologias da Simetria - não terão maiores dificuldades em distinguir suas vozes distintas em vários trechos dos diferentes mosaicos.
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Autor: Textos:
Gerson Lodi-Ribeiro
Saudades do Futuro