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Luís Filipe Silva - Crítica | 13 Mar 2004
A diferença na FC [Ficção Científica] portuguesa contemporânea não deverá ser medida tanto face à FC que se publica fora de Portugal (e aqui afirmo Portugal em desfavor de "língua portuguesa", porque, mau-grado a existência de um movimento literário de FC no Brasil, com o qual tem havido algum intercâmbio, nomeadamente através do Prémio Caminho, do Atlântico Tem Duas Margens, e da publicação de autores portugueses nas fanzines brasileiras, não há na verdade uma FC em língua portuguesa, se bem que possa haver uma FC portuguesa e uma brasileira. A falta de intercâmbio não é necessariamente problema da FC, se não um problema que de facto existe na literatura dos dois países, a todos os níveis) - deverá ser medida, dizia eu, contra si mesma, face a uma evolução no tempo, lenta mas marcante.
Segundo a Enciclopédie de l'Utopie et de la Science Fiction, de Pierre Versins, a necessidade de escrever FC em português nasce nos anos 40/50, talvez impulsionada pelas transformações vindas de fora, pelas descobertas científicas, e sem dúvida pelo surgimento de uma colecção regular, a Argonauta, precisamente em 1957. Se quiser compreender o caminho da mentalidade da FC portuguesa, deverá conhecer a evolução das obras disponíveis ao público na mesma língua. É de facto com esta colecção, com o ritmo de publicação regular, de 1 livro por mês, que se vai ganhar um mercado, abrir o horizonte a leitores que nem tinham acesso às obras estrangeiras nem saberiam lê-las nas referidas línguas.
Mesmo assim, nos anos 40, é publicada em Angola uma obra (cujo autor e título não retenho na memória) que apresenta um mundo em que os países europeus são matriarcados, e Portugal é, por sinal, um patriarcado. Em que as maravilhas tecnológicas e arquitecturais de Lisboa se misturam com um presente saudosista e poético. A fantasia dá lugar ao sonho, a um nacionalismo exacerbado, e não é por acaso que os dirigentes de Portugal se casam com as líderes de França ou Inglaterra, e o livro acaba com uma ou duas mensagens humanistas, enquanto se contempla o horizonte do mar...
Vamos voltar a encontrar este nacionalismo romântico em tempos recentes, O Enigma de Titã, de António Bettencourt Viana, Editora Nova Arrancada, Lisboa, 1999. Neste livro, o autor leva-nos a bordo de uma nave com destino a Saturno, em missão exploratória, e com uma equipa mista de cientistas portugueses e espanhóis. Depois de muitas aventuras, a maioria das quais de natureza inter-pessoal, o livro acaba em matrimónio para os principais personagens.
De facto, se há um factor demarcante na FC portuguesa, é a sua utilização como veículo de questionar, satirizar, ou enaltecer, a posição do nosso país no mundo. Recordo-me da Euronovela, do Vale de Almeida; recordo-me de A Cidade da Luz, do José Murta Lourenço; recordo-me até certa medida, de Medo Em Seis Andamentos, de Valério Romão; recordo-me essencialmente do recente Quatro Andamentos, do Luís Sequeira. Em quase todas estas obras, em particular naquelas que são nitidamente primeiras obras ou de escritores ainda pouco maduros na escrita, o peso da História acaba por esmagar o da Estória, como se as alterações do território nacional, a sua nova geografia de gentes e lugares tivesse necessariamente predomínio sobre o território interior, ou não conseguisse viver com ele de forma harmoniosa.
A maior parte destes livros encontram-se em edições de autor ou de editoras de pequena dimensão - são extremamente difíceis de encontrar. O que nos leva a outro factor determinante na evolução da FC portuguesa: o do espaço de publicação.
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Autor:
Luís Filipe Silva