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Ricardo Loureiro - Crítica | 19 Mai 2003
A GalxMente é o primeiro trabalho de fôlego de Luís Filipe Silva. Depois de conquistar o Prémio Caminho Ficção Científica de 1991 com O Futuro à Janela, uma colectânea de contos, Luís Silva aventurou-se num romance mais extenso que foi partido em dois pela editora numa jogada de marketing. Assim para a posteridade A GalxMente ficou conhecida com os títulos Cidade da Carne - GalxMente - I e Vinganças - GalxMente II.
Num futuro distante, uma gigantesca e abrangente IA imortal mas que almeja a mortalidade, decide-se a colocar em curso um projecto de clonar seres humanos, deficientes todos, que com a sua arte plástica possam de alguma forma trazer um gosto do que é ser mortal aos milhões de Padrões, cuja última moda é encarnarem em corpos humanóides, feitos por designers. Mas nem tudo corre bem, um grupo dissidente no próprio seio da GalxMente deseja provocar uma revolução contando para isso com a ajuda dos Inconformados, um grupo de humanos que descobriu a sua verdadeira condição. Entretanto a própria GalxMente tem dúvidas sobre o que é a evolução...
Com esta premissa única na FC nacional Luís Filipe Silva tece um dos mais arrebatadores romances de toda a literatura portuguesa do género. Com perfeito controle sobre o material o leitor é conduzido numa viagem alucinante ao nível do melhor que se faz no resto do mundo. Se fraquezas houver a apontar será o de um dos pontos fulcrais da narrativa depender duma observação feita por telescópio que está tecnicamente incorrecta.
O romance desenvolve-se num ritmo muito bem equilibrado, sem pontos mortos, e com uma linguagem científica suficientemente apurada. É evidente o gosto do autor pelas nanotecnologias e as simulações virtuais, que na altura em que o romance foi editado (1993) eram os temas caros à FC internacional. O enredo por vezes torna-se tortuoso e exige do leitor um esforço de concentração por forma a não perder o fio à meada, mas tal só demonstra que este não é um livro «leve». Se por vezes a escrita surge um pouco «fria» e «clínica» tal é o estilo do Luís Filipe Silva. Ou se gosta ou não. Pessoalmente por vezes irritam-me certos tiques da linguagem, mas não é nada de monta e está longe de me afastar do prazer de seguir os destinos dos personagens até ao fim.
Finalmente uma nota de aviso: na contracapa de Cidade da Carne, o primeiro volume da GalxMente, lê-se que «A GalxMente forma um díptico, desdobrado em dois tomos que se podem ler autonomamente». Nada de mais errado. A GalxMente deve ser lida pela ordem dos volumes sobre pena de se destruir toda a trama do romance. Seria o mesmo que dizer que um romance de Agatha Christie se podia começar a ler pelo fim.
Assim no escasso panorama português fica este romance a marcar um ponto alto, qual torre de ideias num deserto árido de inovação e produção. Infelizmente estamos em 2003 e Luís Filipe Silva não nos voltou, até agora, a agraciar com mais um romance deste calibre, excepção feita para o Terrarium, escrito em parceria com João Barreiros e editado na mesma colecção em 1996. Esperamos o regresso que se deseja retumbante.
(c) Ricardo Loureiro, 2002
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Autor:
Ricardo Loureiro