A todo o comprimento do corredor, de um dos lados, estavam espaçadas portas de madeira onde assomavam indivíduos para chamar cada convocado à vez. Muito tempo depois Ortus foi conduzido a um gabinete. O homem sentado à secretária levantou a cabeça dos papéis por instantes e depois continuou a escrevinhar. Um outro, que aguardava de pé, agarrou no braço de Ortus e conduziu-o de volta ao corredor. Saíram juntos para uma rua pavimentada banhada pelo sol incomodativo do meio da tarde.
O percurso a céu aberto terminou do outro lado da rua, onde passaram a um túnel percorrido por tráfego intenso de peões e veículos. O guia cuidou que Ortus não se perdesse, mantendo-lhe a manápula firme em torno do braço. Seguiram a pé, desbravando a confusão, e por fim chegaram a uma pequena praça rodeada de paredes envidraçadas. Uma tabuleta discreta dava nome ao local: «Estação de Tratamento e Reciclagem n.º 36». Lá dentro estavam três tipos vestidos de branco sem fazer nada, sentados a secretárias cobertas de ecrãs.
O acompanhante de Ortus deixou-o à vontade e foi pôr-se à conversa com um dos homens. Passados instantes o seu interlocutor fez sinal a Ortus para se aproximar: - Olá puto! Vai lá dentro e come qualquer coisa com a malta.
O recém-chegado passou à saleta contígua onde mais pessoas com vestes brancas partilhavam uma refeição ligeira. Os comensais deram as boas vindas a Ortus e cederam-lhe um lugar à mesa. Entretiveram-se a trocar comentários engraçados sobre a sua aparência até que um se lhe dirigiu directamente:
- Agora és dos nossos; o colega mais novo. Vais ter de ser praxado!
- Bolas, tu és tramado! - comentou outro. - Então não achas que o puto já vai ter castigo de sobra? O que lhe calhou não é coisa que se deseje nem ao pior inimigo.
A opinião foi corroborada por mais alguns até alguém interpor para aliviar as consciências:
- Mas de onde pensam vocês que vem este piolhoso? Se ainda estivesse nos depósitos de excedentários já tinha morrido à fome. Saiu-lhe foi a sorte grande.
Prosseguiram a animada troca de pontos de vista sobre as novas atribuições de Ortus, enquanto este cuidava de ficar com a barriga suficientemente cheia para não se sentir desanimado.
Findo o repasto um dos colegas auto nomeou-se para o levar ao respectivo posto de trabalho.
- Vamos lá pá, eu explico tudo pelo caminho. Não penses que vens para aqui fazer ronha. Esta é a Estação N.º 36 mas na verdade é a única que conta. Se paramos um dia, e de longe em longe acontece, ficam com lixo até ao pescoço.
«As coisas passam-se a dois níveis. Nós cá em cima controlamos tudo e resolvemos qualquer problema que apareça. Vocês actualmente só servem para descargo de consciência; ou então estão cá porque ninguém se deu ao trabalho de alterar os regulamentos. O vosso trabalho é andar lá por baixo a passear, de preferência sem mexer em nada. Se não se derem ao incómodo de apresentar relatórios também ninguém dá por isso. Ora cá estamos! Vou abrir a comporta.»