Mas sendo embora pelos nossos padrões actuais uma tecnologia tosca, não posso deixar de reconhecer uma certa beleza às tubagens de cobre, aos manómetros de latão, às fornalhas de ferro fundido; podemos ver em toda este equipamento pesado, volumoso, ineficiente, os passos titubeantes da humanidade a tentar dominar a energia.
Terminada a visita - durante a qual fui tirando fotos e subvocalizando notas, para vir a elaborar a proposta de um programa de holovisão sobre tecnologias antigas - fomos levados para uma sala com assentos dispostos em semi-círculo, com o ponto focal ocupado por uma mesa e duas cadeiras, onde estavam sentados o actual presidente do Clube Retro - disse-me o Luís em voz baixa - e o convidado que iria fazer a leitura.
O presidente fez uma breve introdução e apresentou o orador como um estudioso da literatura da segunda metade do século 20. Terminou lembrando aos presentes que, para melhor fruirem da experiência que iam ter, suspendessem as ligações à Wholenet.
O orador levantou-se e tirou do bolso uns óculos que colocou na face. Mesmo quem tenha relutância em relação à cirurgia optocorrectiva, pode usar lentes de contacto, mas óculos! Acho que há pessoas que levam a filosofia retro longe demais!
Em seguida, pegou no livro que estava pousado na mesa - e a atenção da assistência imediatamente convergiu para aquele objecto, cuja raridade lhe dá um valor de mercado cada vez mais alto - e disse, com uma voz de timbre agradável:
- Vou ler alguns capítulos de As Cidades Invisíveis de Italo Calvino, um escritor italiano que viveu entre 1923 e 1985. Esta edição, traduzida do original italiano, foi publicada em Portugal pela Editorial Teorema.
Agradou-me a escolha, porque já conheço parte da obra. Há cerca de 2 anos, um colega meu fez um holofilme adaptando uma parte das Cidades, que até apanhou um 2º prémio no Festival Mundial da Holovisão, na categoria «Adaptação de obras literárias».
Mas quando começou a leitura, senti um choque.
Embora soubesse que não era nada disso, estava inconscientemente ainda à espera de um holofilme, de ver surgir as imagens envolventes que nos fazem mergulhar no ambiente descrito. As palavras que me chegava aos ouvidos eram apenas isso: palavras, sons, e embora houvesse nelas uma certa musicalidade, e um ritmo agradável, não correspondiam a imagens. Olhei disfarçadamente em volta. Os outros assistentes tinham um ar calmo, relaxado, os olhos fixos no orador ou num ponto afastado, pareciam deixar as palavras entrar pelos ouvidos como uma cascata musical.