Quando monto o assento de trás, a consola mostra imediatamente uma webcam e um monitor, onde aparece a cara do Luís, sorridente. Enquanto arrancamos, ele vai-me explicando o funcionamento do brinquedo, e ilustra as explicações fazendo aparecer no ecrã desenhos ou esquemas do manual da mota, armazenados no computador de bordo. Mergulho num tutorial completíssimo, e fico a saber que o hidrogénio para a célula de combustível vem de um reservatório, o oxigénio é extraído do ar através de uma membrana semi-permeável, e o único impacto ambiental causado é um pequeno aumento de vapor de água na atmosfera. A energia eléctrica produzida na célula vai alimentar um motor eléctrico, que acciona o hélice propulsor. E toda a cablagem é feita de neoxid, o novo material patenteado pelos coreanos que é supercondutor à temperatura ambiente.
O Luís conduz cuidadosamente em direcção ao rio, passamos debaixo do arco, entramos na Praça do Comércio, onde as arcadas a toda a volta funcionam como um amortecedor da ondulação. Navegamos junto à estátua de já não me lembro que rei, mudando de direcção com frequência para evitar as embarcações com turistas, principalmente orientais, que hologravam tudo em volta... Na brincadeira, comento com o Luís que deve haver mais gigabytes de imagens de Lisboa no Japão do que em Portugal.
Avançamos um pouco para a zona que no princípio do século era o leito do rio e viramos para estibordo, rumando agora em direcção à foz, numa trajectória paralela ao monocarril do maglev. Passamos debaixo da ponte, já desactivada, mas que foi deixada porque a desmontagem teria sido muito cara - o aço deixou praticamente de ter valor no mercado com o aparecimento dos novos materiais de construção compósitos - e observamos junto ao pilar norte uma dúzia de saltadores a fazer bungee jumping. Ouvimos também cá em baixo o barulho das turbomotas que utilizam o tabuleiro como pista de corridas.
Está uma tarde agradável, uma brisa fresca percorre o estuário, e o Luís começa então a contar-me onde vamos.
- Vamos ouvir ler.
Ao princípio pensei ter ouvido mal. Desde a infância sabemos que ler é uma actividade individual, que se faz em silêncio. A aprendizagem da leitura é neuroinduzida na primeira infância - não temos sequer a lembrança de aprender a ler - e de facto associamos a leitura em voz alta a certas técnicas usadas na terapia de deficientes profundos. Depois assumi que ele estava no gozo, o que acontece frequentemente, e resolvi continuar no mesmo registo.
- Já agora, vais-me dizer que eles vão ler livros.
E reforcei a palavra livros com um sorriso sarcástico.
- Sim, claro, de outra forma não tinha piada.
- Estou a falar de livros daqueles com folhas de papel.
- Eu também, os outros não são livros, são e-books.