Tinha combinado encontrar-me com o Luís no extremo norte da Rua Augusta, num pequeno café que tem uma esplanada sobre uma plataforma cujo mecanismo hidráulico a faz subir e descer aconpanhando a maré. Ia bebendo um vodka com limão em pequenos goles, e distraía-me a ver as gôndolas com turistas para cima e para baixo, e a ocasional mota de água, conduzida bem dentro dos limites de velocidade, porque os robots do trânsito - os mexicanos, dada a forma semelhante a um sombrero - flutuavam preguiçosamente acima das nossas cabeças, e não perdoam infracções nem são subornáveis.
Conheci o Luís na Art&Vida, onde eu tirava o curso de produção holovisiva e ele, vim a descobrir, estudava a arte visual do século 20, com um major em cinema bi-dimensional sem cores! É hoje considerado um dos maiores especialistas na arte do século passado. Já foi presidente do «Clube Retro», e onde quer que haja qualquer cena antiga, podemos ter a certeza que ele a vai descobrir.
Há duas semanas ligou-me para irmos jantar. OK, e o que vamos comer? Chicken, disse ele. Não é uma coisa de que eu goste por aí além, aquelas barrinhas brancas, quando não são insípidas sabem-me a peixe, mas disse-lhe que sim pela conversa.
À hora combinada, apanhámos o novo metro suburbano e lá fomos deslizando no carril supercondutor até ao fim da linha. A estação terminal fica numa destas urbanizações cheias de paineis fotovoltaicos, geradores eólicos, sei lá que mais, uma coisa toda «energias renováveis», prédios desenhados pelo arquitecto da moda. Fomos caminhando pela avenida central, totalmente pedonal, chegámos ao limite da urbanização e andámos cerca de dois quilómetros numa estrada rural. E não é que ele tinha descoberto uma quinta onde criavam galinhas? Galinhas à solta, como nos filmes do International Geographic. Não matavam as galinhas na frente dos clientes, claro, mas havia cartazes, autenticados pela Sociedade Protectora dos Animais, assegurando que a morte era realizada sem causar sofrimento. Depois tinham umas placas de infravermelhos, e as galinhas já sem as penas e sem cabeça (o que achei um bocado tétrico!) rodavam em frente às placas, a cor da superfície ia ficando mais escura, e libertavam-se uns vapores orgânicos com um cheiro delicioso. Quando ficou pronto, começámos a comer, acompanhando com cerveja caseira, servida em jarros (nem havia cerveja enlatada!) e garanto que nunca comi nada tão saboroso. Comparar esta galinha assada com os nuggets do Komempé é uma ofensa à galinha!
É um bacano, este Luís.
Enquanto espero, o visor embutido nos óculos vai-me passando os e-mails recebidos. Sub-vocalizo as respostas aos que são de processamento imediato, e o microimplante na laringe transmite-as imediatamente. Passam também as principais notícias da última meia-hora, e as respostas à consulta sobre locais de férias na América do Sul que eu tinha colocado na NeTurismo.
Finalmente aparece o Luís a conduzir uma mota de água, uma Kawa3003, reluzente de nova. Eu já conhecia o modelo, mas uma coisa é ver nos motorzines, mesmo holo, e outra é a realidade «real».