- Ramirus Demétricos - balbuciei.
- Tem cá ficha ou é a primeira vez?
Que raio queria ele dizer com aquilo da ficha? Hesitei. O homem levantou a cabeça e fitou-me. Era demais: cara branca sem cicatrizes, dentes completos, olhos luminosos, nenhuma marca ou tatuagem. Mais um dos níveis superiores? Alguma coisa tinha de lhe responder.
- Não senhor, não tenho fichas.
- Compreendo. Vamos deixar as formalidades para depois. O que é preciso é que o senhor seja atendido, não é verdade? Queira aguardar vez na sala de espera.
Acenei a minha concordância e estendi a mão para recolher a placa. O jovem debruçou-se sobre a mesa, agarrou-me a mão e sacudiu-a delicadamente. Voltei para trás meio atarantado. Não tive oportunidade de seguir o conselho da prudência, que era procurar a saída mais próxima e tentar escapar; um Zelador aproximou-se a sorrir e apontou-me a porta de uma das salas de espera.
Desta vez sobravam cadeiras na sala. Alguns, mais abatidos, até estavam deitados em macas. Dadas as circunstâncias arrisquei a tomar de imediato um dos lugares disponíveis. Ninguém protestou. O silêncio na sala só era interrompido pelas convocatórias do altifalante.
Quando ouvi o meu nome levantei-me num salto. Não sabia bem que fazer, pois ainda não tinha descoberto onde se formava a fila da triagem. Senti uma mão a pousar no ombro.
- É o senhor Ramirus? Dirija-se ao consultório número 28. É esse aí à sua frente.
Esgueirei-me para dentro do consultório sem olhar para trás. Mais uma sala quase deserta. Só eu e um homem de bata impecavelmente branca. Deixei bater a porta e preparei-me para o pior. Sempre ouvi dizer que eles se dão a cerimónias antes de aplicar a receita final. Decidi tomar a iniciativa:
- Sou um cidadão conscencioso e respeitador. Ultimamente não tenho sido muito útil à nossa comunidade. É porque estive doente, uma coisa de nada que já passou. Está a ver Doutor? Mais robusto que nunca e pronto para o trabalho. Pode até ser nas minas ou em órbita. Assino qualquer contrato. Já me sinto muito melhor.
- Assim é que é falar, jovem - respondeu friamente o meu carrasco. - De qualquer modo vamos aproveitar para lhe fazer um exame completo. Sente-se, por favor.
Obedeci, claro. E a tortura começou. Para preliminares obrigou-me a mijar para um frasco e sangrou-me com uma seringa. De seguida aplicou fortes apalpadelas em vários sítios do corpo, primeiro com as mãos e depois com instrumentos metálicos. Mas tudo muito brandamente. Estava a medir a minha resistência, ou a identificar os pontos onde a eficácia do suplício fosse maior. Se calhar iam utilizar métodos biológicos. O sangue e a urina deviam servir para afinar uma cultura de micróbios específica.