- Ora viva, amigo! Então que raio se passa aqui hoje?
- Ninguém sabe. Eu cá desisti. Cheguei há mais de três horas. Estou mesmo à rasca. Vou-me embora antes que tombe e alguém me passe por cima.
Reparei que o tipo estava todo chagoso e dei logo um passo atrás.
- Hé! Diga-me só uma coisa: eles hoje não estão a atender?
Respondeu-me por cima do ombro, enquanto se afastava a cambalear:
- Acho que sim, só que demoram mais do que o costume.
Eu cá não tinha pressa. Dirigi-me em linha recta para a multidão, sempre de cabeça baixa, temendo levar alguma bastonada. Deixaram-me passar sem problemas. Aguardei. Nesse dia até já tinha comido; uma incursão sorrateira à cinta dos despejos. Podia aguentar perfeitamente mais de dez horas sem incómodo de maior. Mas nem foi preciso tanto.
No fundo do beco esperava-me uma surpresa. A cada lado da porta postavam-se dois jovens, com fardas como nunca tinha visto. Verdes, luminosas, bem vincadas, com dísticos brilhantes pregados no peito. Não traziam capacete, pude-lhes ver a cara. Tinham ar de primeiro nível, como as fotografias das revistas: pele lisa, dentes brancos e cabelo exageradamente rapado. As mãos pendiam soltas, enluvadas, sem empunhar bastões ou chicotes. Quando chegou a minha vez fiz uma pausa entre os dois, à espera do empurrão no cachaço.
- O senhor não deseja entrar? - inquiriu um dos jovens sem desfazer o sorriso.
Só quando repetiu a pergunta é que compreendi que era comigo.
- Sim... Sim! Estou muito mal. Por piedade Senhor. Vou fazer o tratamento. É só hoje, prometo não voltar a incomodar.
- Então faça o favor de entrar.
Aquilo tresandava a ratoeira. Mas as opções eram muito limitadas. Avancei a passo de corrida.
A sala era a mesma só que não parecia: faltava-lhe o calor da multidão. O ar tinha tanto oxigénio que queimava os pulmões. Os escarros, sangue, vómitos e beatas haviam desaparecido. E o cheiro? Tão estranho; forte e agoniativo. As poucas pessoas dispersas pareciam tão espantadas quanto eu.
Não descobri um único recepcionista electrónico. Ao longo de toda a parede estavam dispostas mesas, com gente de carne e osso atrás de cada uma. Comecei a ficar apreensivo e pensei que seria melhor recuar para ganhar perspectiva sobre a situação. Mas a pessoa da mesa mais próxima acenou veementemente e chamou:
- Hé! O senhor. Faça o favor de avançar para fazermos a inscrição.
Dei um passo em frente, a tremer da cabeça aos pés.
- Como se chama?