A primeira vez que entrei no hospital foi através dos tubos sanitários, um processo espectacular, mas demasiado exigente para o estômago.
Estava a passear numa rua iluminada, percorrida por contratados em mudança de turno, a um nível onde os espíritos livres não são muito bem vistos. O pior tipo de rua para perder a força nas pernas, mas foi exactamente o que me aconteceu. Os Zeladores, que já andavam a rondar perto, atiraram-me para dentro do tubo. Voouuuuchhh, a toda a velocidade, voltas e mais voltas a acelerar no escuro, até que desmaiei.
Ao recuperar dei comigo confortavelmente deitado, preso com cintos a uma placa de plástico. Por cima estava outra cama igual, e logo depois um tecto metálico. Consegui virar-me e olhar para baixo. A minha maca pertencia à quarta fila a contar do chão, num longo corredor preenchido por acomodações semelhantes. O ruído era intenso mas acolhedor: conversas em voz alta, alguns gemidos, uns gritos longínquos de vez em quando.
Inesperadamente, ouvi uma voz junto à cabeça. Havia um altifalante e uma câmara pequenina do lado da parede.
- Finalmente acordou! Tente desapertar os dispositivos de retenção e sentar-se.
Fiquei engasgado com a surpresa.
- Não ouviu? Responda.
- Sim, sim! Estou muito bem. Vamos lá ver se consigo tirar isto.
Não foi difícil. Sentei-me à borda com as pernas a bambolear, tendo cuidado para não acertar no companheiro de baixo. A voz na parede desistiu da conversa.
Normalmente aproveito todas as oportunidades para cultivar amizades. Meti-me com o rapaz do lado mas não lhe saquei uma resposta de jeito. Era um daqueles grandalhões da mineração. Comer não lhes falta, mas com o tempo acabam por ficar estúpidos. Por cima estava uma senhora muito simpática, sem preconceitos e bem disposta. Contou-me que tinha chegado no dia anterior e pediu desculpa pelo cheiro. Tinha tentado evitar, mas... Sosseguei-a logo. Estou mais que imune ao odor de fezes e urina. Foi essa senhora que me ensinou a meter o tubo na boca e a chupar com força. Podia comer tanta papa quanta queria. Aquilo é que foi encher a barriga.
Perguntei-lhe quem eram os de bata castanha que passeavam no corredor, subindo aos escadotes de vez em quando para espreitar um companheiro. Explicou que eram os funcionários do Serviço Social de Saúde. Só então compreendi que estava num hospital.
- O senhor vai ter alta dentro de três minutos - informou o altifalante. - Deite-se e volte a prender os dispositivos de segurança. O sistema é automático.