Alguns dos que o orbitaram largaram artefactos em direcção à sua superfície. Uns quantos chocaram com o solo de forma bastante violenta. A dissipação da energia cinética provocou a separação em diversos fragmentos, projectados radialmente a partir do ponto de impacto. O planeta observou sempre cuidadosamente os fragmentos, por vezes um ou outro ainda emitia radiação, ou apresentava um fluxo residual de electrões, mas todos eles estavam essencialmente mudos. Mortos.
Os primeiros que sobreviveram à descida ficavam no local onde caíam. Tinham braços articulados e retiravam material do solo. O planeta detectava vida no seu interior, fontes de radiação e electrões em movimento. Percebia também a emissão e recepção de fotões através das antenas parabólicas de que as criaturas estavam providas. Mas nunca nenhum tentou contactar consigo.
Os dois últimos a descer fizeram-no em pontos quase diametralmente opostos do seu corpo. Pousaram com suavidade sobre a superfície, ficaram imóveis durante algumas rotações, mas o planeta detectava actividade fotónica entre eles e o outro que tinha ficado em órbita. Começaram a mover-se, percorreram a superfície, sondaram-no com vibrações, radiações diversas, objectos intrusivos com que extraíram material do seu corpo, e ele sempre a tentar comunicar, mas não o ouviam, não o sentiam, não lhe respondiam...
A sua percepção holística permitiu-lhe em pouco tempo mapear o interior dos artefactos e correlacionando os fluxos electrónicos e fotónicos com o comportamento observado, caracterizar a neuro-fisiologia das criaturas, em particular identificar os pontos fracos de cada sistema, aqueles onde um impulso concentrado de radiação poderia fazer cessar funções vitais.
Continuou a observar o comportamento dos recém-chegados, viu que mostravam curiosidade, rodavam devagar, aproximando-se cautelosamente de qualquer coisa que lhes chamasse a atenção, fosse uma pedra de cor diferente da vizinhança ou um padrão menos usual desenhado pelo vento sobre a areia.
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Finalmente, o planeta teve de se render à evidência. Ninguém estava a tentar contactá-lo. O planeta azul fora certamente atacado por estes seres agressivos, e a infecção estava agora a chegar a ele. A conclusão impôs-se naturalmente à sua consciência, com a inevitabilidade de uma lei física: a necessidade de eliminar os intrusos.
Com uma lógica planetária, começou imediatamente a trabalhar com esse objectivo. Já tinha visto que os agressores pareciam providos de inteligência, embora suspeitasse que provavelmente o seu comportamento era remotamente condicionado pelo núcleo infeccioso no planeta azul.
Vai continuar a estudá-los durante mais algum tempo, até que o acréscimo de conhecimento resultante se aproxime de zero. Nessa altura procederá à desactivação dos circuitos electrónicos existentes dentro das cascas daqueles seres maléficos, impedindo-os de andar, de processar informação, de comunicar.
A seguir, modificando os trajectos da água subterrânea, vai criar, através da erosão e do ataque químico, cavidades cada vez maiores por debaixo das criaturas imobilizadas.
Quando a espessura da camadas entre o tecto da cavidade e o exterior for suficientemente fina para não suportar o peso dos agressores, estes cairão no seu interior, onde serão lentamente digeridos. O uso adequado do vento e da poeira fará desaparecer todos os vestígios.
E qualquer um que venha no futuro terá um tratamento semelhante.
E entretanto, está já preparado para um muito longo período de solidão, aceitando com resignação o facto de ser o único planeta inteligente num raio de muitos anos luz...