A força resultante dos diversos vectores gravitacionais que o solicitam leva o planeta a percorrer, ano após ano, século após século, a sua trajectória, de acordo com as inevitáveis equações da mecânica.
É uma órbita confortável, e não há quanto a ela no seu pensamento qualquer parcela de ressentimento ou queixa.
Ele sente a radiação dura das múltiplas fontes de raios-X dispersas pelo espaço, mais a que lhe chega proveniente do Sol - ora uma ondulação macia e agradável, do ultravioleta ao infravermelho, ora chuveiros ásperos de protões que lhe varrem a superfície na sequência de tempestades solares - bem como a outra, mais atenuada, com origem nos planetas, cometas e outros corpos. E numa frequência primordial, como um batimento surdo, recebe os fotões antiquíssimos que lhe chegam do fundo do tempo, a respiração do universo...
Uma parte da sua consciência está permanentemente dedicada à monitorização do seu metabolismo interno: controlar a energia radiada para o espaço, de forma a que o balanço entre a energia que entra (vinda principalmente do Sol) e a que sai tenha soma nula, e dessa forma conseguir manter uma temperatura média constante. Este controlo é feito através da maior ou menor extensão das calotes geladas que possui nos pólos e também da quantidade de poeira em suspensão na sua fina atmosfera. As interacções são fortemente não lineares, pelo que o ajustamento dos diversos factores tem que ser muito cuidadoso.
Mas sente-se só, o planeta.
Lembra-se vagamente de na sua infância longínqua ter pensado que os dois corpos que circulam à sua volta eram inteligentes. Levou muito tempo a tentar comunicar com eles, até concluir que estavam mortos. Depois de aliviar a sua cólera com algumas erupções vulcânicas, deixou de olhar para eles. Hoje, mais maduro, consegue obter alguma fruição estética da contemplação do bailado que executam em seu redor.
A permanente enxurrada de fotões que recebe do Sol não transporta informação, é pura energia. Mesmo quando ocorrem erupções solares, análises que efectuou ao longo de milénios aos padrões de variação da radiação recebida deram-lhe a certeza que não há uma inteligência na estrela que o faz viver.
Muito tempo atrás concluiu também que os dois planetas mais próximos do Sol, se alguma vez viveram, estão agora mortos. A distâncias tão curtas do Sol, a densidade de energia é demasiado elevada para a eclosão da inteligência.
Do lado dos gigantes gasosos também não tem qualquer esperança. Está a desenvolver a teoria de que é necessária a presença de metais pesados para fazer aparecer inteligência e também que existe um limiar de temperatura abaixo do qual a inteligência não emerge. Continua a recolher dados para tornar a teoria mais sólida.
A sua expectativa está centrada no planeta azul. A lente em que transformou a enorme montanha por onde no passado longínquo excretava parte das suas entranhas é utilizada para concentrar a radiação que o planeta azul, a partir de certa altura, começou prodigamente a espalhar em todas as direcções. Esses fotões transportam sem dúvida informação, embora o seu significado esteja por enquanto para além da sua compreensão. Mas é com alguma ansiedade que continua a receber e analisar essa radiação que lhe chega de outro planeta com o qual poderá no futuro vir a comunicar.
Algumas dezenas de translações após o início dessas emissões, da superfície do planeta azul começaram a sair objectos, alguns regressando rapidamente, outros que se mantinham em órbita durante períodos mais ou menos longos.
Mais tarde, outros objectos aventuraram-se mais longe, atravessando a cintura de meteoros, passando para lá dos gigantes gasosos.
Ainda outros vieram e passaram por ele, roçando as camadas superiores da sua leve atmosfera. Os seguintes andaram à sua volta, e ele observava, sempre recolhendo dados, mas nunca houve (ou ele nunca detectou) qualquer tentativa de contacto directo. Procediam como se ele não estivesse ali.