Então, está vendo essa aqui na página três? Foi com um lápis no olho. Isso a polícia não conta. Às vezes escapa, um jornal desses mais sangrentos noticia com riqueza de detalhes como foi. Eles são muito mórbidos. Eu não: faço porque tenho que fazer.
O que eu faço? Mato gente.
Até aí não é nada demais, não é? Tem tanta gente que faz isso que o preço até desvalorizou. Isso dizem por aí. Eu não cobro. Não: com Deus não se brinca. O meu dom vem de Deus.
Não. Você não entendeu. Meu dom não é matar. Meu dom é matar sem usar as mãos.
Calma, vou explicar. Tem cigarro?
Eu sou um telepata. O que é um telepata? É alguém que se comunica mentalmente com outras pessoas.
Tudo bem se você não acredita. Quase ninguém acredita. É melhor assim, fica bem mais fácil. Tanto é que antigamente eu negava, mas hoje digo na lata. Assim não perco tempo tentando inventar desculpas quando acontece alguma coisa. Detesto perder tempo.
Mas eu não consigo ler mentes não. Eu consigo afetar as mentes dos outros, é isso o que eu consigo. Então, eu penso na pessoa, desejo que ela morra e ela morre.
Mas veja bem, tem que ter método. Eu tenho método. Primeiro eu escolho uma pessoa. Qualquer pessoa. Mas não pode ser muito próxima, senão demora mais. O efeito é inversamente proporcional. Se eu quisesse, digamos, matar aquela moça ali da cantina, aquela sarará ali, tá vendo? Isso não ia acontecer agora não. Nem de hoje pra amanhã. Mas daqui a algum tempo.
Quanto tempo? Não sei dizer. Às vezes semanas, às vezes meses. Mas sempre acontece.
Dependendo da distância da pessoa, às vezes também não acontece exatamente do jeito que a gente quer. Por exemplo, você ta vendo este cara aqui, na página 4? Esse que morreu queimado? Fui eu. Só que não saiu do jeito que eu mentalizei. Eu mentalizei pra ele morrer atropelado. Mas aí foi morrer queimado, vagabundo botou fogo nele quando ele dormia embaixo da marquise. Deus é quem sabe. Vai ver era mais fácil assim. Deus pode tudo mas é sábio, não vai ficar dando volta pra fazer de um jeito complicado o que pode ser feito com mais simplicidade, certo?
Como é que eu faço pra escolher a pessoa? Ah, é simples. Eu fecho os olhos e imagino a pessoa. Qualquer uma, a pessoa que eu quiser. Essa aqui, da página 4 mais embaixo, a que tomou dois tiros do namorado na porta de casa? Então. Eu fechei os olhos e vi a garota: loura, cabelos encaracolados, bonitona, meio cheinha. Como é que é? A moça da página 4 é morena e magrinha? Sim, mas é como eu estou te dizendo. Eu imagino do meu jeito. Se não acontece como eu quero é porque Deus não quis. Mas que morreu, morreu.
Eu sempre tive isso, não sei explicar. Só sei que elas morrem. Todo mundo morre. É o problema de ser telepata.
Mas tem suas vantagens. Vagabundo comigo não tira onda. Me sacaneou, pá pum: daqui a pouquinho ta comendo capim pela raiz. É só eu escolher, visualizar, mentalizar e fogo.
E o que é melhor: ninguém pode provar que fui eu. Eu tô te contando isso em confiança, porque você é meu amigo, me deu cigarro. Fui com a tua cara. Mas mesmo que você tente contar, ninguém vai acreditar em você. Quem é que acredita numa coisa dessas? Coisa de maluco, rapaz.
E é justamente por isso que ninguém me apanha. Porque eu já tô dentro. Aliás, aqui é a melhor base de operações que alguém como eu poderia ter. Um lugar aberto, à vista de todos. Tem sempre gente por aqui, vigiando. Claro que é por outros motivos: basicamente dois. O primeiro é evitar que a gente escape. O segundo, que a gente se mate.
Eu não quero fazer nem uma coisa nem outra. Pra quê? Fugir não quero, que eu não tenho ninguém lá fora. Quero dizer, tinha uma tia, mas ela parou de me visitar tem tempo. E me matar? Fala sério. Com tanta gente pra morrer lá fora?
Espera um instante, preciso tomar minha cápsula diária de energia. Ela contém elementos radioativos que controlam o meu poder. Sim, porque se eu quisesse, te matava agora. sério. Assim, ó: sem piscar um olho. Era só desejar. Podia fazer isso de costas pra você, de olhos fechados. E você nem ia saber.
Tem cigarro aí?