Os billboards ficaram completamente cobertos ao fim de uma semana. As estações de televisão e todos os jornais ficaram alerta para qualquer telefonema estranho, qualquer pacote suspeito, qualquer mensagem electrónica que mencionasse a situação numa perspectiva diferente. Reinou na cidade um ambiente de expectativa, como se todos aguardassem pela próxima jogada do adversário escondido.
E então, no fim da semana, na noite que marcava o encerramento da actividade de cobrir os cartazes, ainda as ruas não se encontravam no auge da animação, as coberturas entraram em combustão espontânea.
Segundo as testemunhas, o fogo iniciou-se com um brilho difuso nas coberturas, como os metais quando são aquecidos, tornou-se em seguida rubro, soltando fumo, e estas começaram a arder. As chamas elevaram-se no ar, enegrecendo as fachadas dos prédios próximos e manchando de cinzas os sorrisos brancos das modelos dos cartazes vizinhos. As ruas encheram-se do cheiro de nylon queimado; e houve quem assistisse do cimo do monte de Santa Ana ao espectáculo de uma Los Angeles cheia de pequenos fogos, inúmeros fogos, como piras funerárias ou velas num relicário.
A frase, exposta, tinha mudado.
A BESTA BRANCA ODEIA-TE.
REVOLTA-TE, IRMÃO!
proclamava sobre um fundo cor-de-sangue. BRANCA destacava-se pela sua brancura ardente e feroz, ao passo que IRMÃO desenhava-se num negro imperativo e orgulhoso. Havia algo de errado com as letras; pareciam envoltas naquele nevoeiro que se forma no ar quando os dias estão demasiado quentes, distorcendo a imagem numa combustão virtual quase hipnótica; também elas não se mantinham fixas no papel, mas pareciam sobrepor-se à violência da cor sobre o qual se inscreviam.
Os motins a sério começaram nessa noite.
O Bureau também não tardou a agir. Enquanto o LAPD se atarefava por responder a todas as chamadas e controlar os focos de violência, e o Mayor fazia um segundo telefonema para Washington a pedir a intervenção da Guarda Nacional, alguns dos agentes procuraram descobrir o que tinha feito arder as coberturas. Duas hipóteses pareciam as mais prováveis: pequenas bombas incendiárias colocadas ou após o revestimento (mas como controlar o despoletamento simultâneo por toda a área, e como colocá-las lá ante o policiamento cerrado que agora cobria a cidade?) ou durante o revestimento (o que sugeria a acção de sabotadores e insurreicionistas, de certa forma uma expressão a que os agentes estavam mais habituados). O padrão de como o fogo se iniciara ia algo contra os métodos modernos de pirotecnia. Era quase como se... os cartazes tivessem reagido contra a ofensa de serem tapados.
A próxima investigação seria directamente aos billboards.
Não havia nada de estranho na estrutura - descobriram ao desmontar um dos mais proeminentes. O papel, contudo, de perto, parecia diferente. Não parecia verdadeiramente papel. Mais: encontrava-se fixado ao metal numa peça única, não no habitual puzzle de secções impressas que saíam das bocas das rotativas e eram então colados.
A explicação não tardou a surgir: não era papel, mas uma película orgânica quimicamente reactiva, que mudava de cor consoante certos estímulos químicos.
Os estímulos, descobriram a seguir, eram provocados pela fina camada de nanomáquinas que a infestava.