O editorial do Los Angeles Times foi considerado exemplar. Nele falava-se sobre a ofensa grosseira às questões éticas que haviam conduzido ao problema de sete anos atrás. Se a publicidade tinha sido lançada por uma instituição anti-racista, não se encontrava a usar a melhor forma de fazer valer os seus argumentos, replicava num tom mordaz. Se tinha sido lançada com o mero intuito de promover o consumo de um produto, a insensibilidade era indesculpável, e o mercado devia responder violentamente, castigando os responsáveis. Estamos fartos de Benettons que usam o nosso sofrimento para proveito pessoal, berrava a pequena coluna. Fartos de publicidade sofisticada que se intromete nas nossas vidas com imagens chocantes e pretensiosamente educativas.
E as cartas choviam. Começaram a chover para o gabinete do Mayor, depois tombaram em enxurrada nas redacções dos jornais. Confissões de medo. Pedidos de esclarecimento. Exigência de que fossem tomadas medidas. Quase todas eram escritas por brancos que haviam atravessado o pesadelo dos três dias de revolta racial, e não queriam vê-los regressar. Muito poucas eram escritas por negros - e quando o eram, estes pertenciam às classes mais abastadas.
A tendência não passou despercebida no gabinete de James Colburn, nem deixou de notar que as cartas por si recebidas diferiam em tom e número das dos jornais. O eleitorado ressentia-se do facto de ter um Mayor de raça negra, e o problema que lhes fora colocado não permitiria que esse fosse um pormenor de somenos importância - muito pelo contrário.
James Colburn sabia, com a certeza fatal de que só um político é capaz, que a sua imagem não sairia incólume do evento, acontecesse o que acontecesse. Sentia o suor frio nas costas que significa o abandono da confiança do eleitorado.
Para piorar, a situação global não era das mais confortáveis. O desemprego cobria a cidade como o espectro de uma praga fétida, e a marginalidade aumentara a níveis nunca antes sonhados. Havia mais gangs nas ruas, mais mortes violentas por minuto, mais trabalho para o Departamento de Polícia. Os billboards electrónicos que se encarregavam de projectar na mente dos habitantes o impacto brutal dessa realidade pela contagem actualizada do número de vítimas haviam passado a ordem de contagem diária para a das dezenas. A polícia tinha-se envolvido, no ano corrente, em mais de uma dúzia de tiroteios abertos contra jovens negros e hispânicos, cujo resultado se saldou num nível de baixas nunca antes encontrado em conflitos civis, para ambos os lados, e num descontentamento geral perante a acção do Departamento. Os anúncios não poderiam ter surgido em pior momento.
Ou em melhor, pensou James. Se tivessem sido difundidos numa época de relativa calma e contentamento, jamais surtiriam qualquer outro efeito, além do desagrado. Agora, poderiam levar à reactivação da revolta popular. Esse era o verdadeiro perigo. A sua presença agressiva era como... uma consciência, uma ordem de marcha, mais do que um protesto. O Mayor, no entanto, pensava ter posto cobro à situação, aconselhando a imprensa para identificar anúncios de conteúdo idêntico e alertar as autoridades, pois estava em causa a segurança dos habitantes.
No dia seguinte, havia milhares de panfletos espalhados nas ruas, empilhados em montes sobre as bancas de jornais, caídos no passeio, colados nas paredes. Letras gordas e negras contra fundo branco, anunciavam:
QUEREM CALAR-NOS, IRMÃO, COMO CALARAM RODNEY
Por todo o lado, viam-se pessoas a ler os panfletos, a discuti-los. Era impossível não se tropeçar neles: estavam por todo o lado, embranqueciam as estradas, cobriam os passeios como tapetes de papel. Tinha finalmente nevado em Los Angeles, mas do único modo que poderia tombar neve naquela terra.