Surgiram de um dia para o outro. Todos idênticos, mostrando a mesma frase escrita a negro em letras maiúsculas, gordas e sólidas, contra um fundo branco hipnotizante, os billboards gigantes encheram a cidade, num total de mil e duzentos, vinte por cento da rede de placards que cobria a área metropolitana de Los Angeles. Tinham um aspecto clássico, no sentido que nenhum possuía qualquer manifestação electrónica nem caracteres animados: mero papel impresso, colado sobre metal que não enferrujava. Tinha sido essa presença humilde e simples, combinada com o tamanho descomunal, que atraíra a atenção dos habitantes no primeiro dia. "Estávamos habituados aos anúncios que rodopiavam e piscavam e corriam, só lhes faltava berrar", comentaria mais tarde Kathy Beanfield, uma escriturária de raça negra, "e eis ali que surge, no meio deles todos, um anúncio calado, misterioso, sem imagens nem produtos, apenas uma frase, uma pergunta a exigir consideração." Alguns dos habitantes lembravam-se de ler os billboards enquanto passeavam na rua ou atravessavam a cidade de carro, de onde os avistavam a centenas de metros de distância, e de ficarem intrigados com a natureza do produto que pretendiam vender. Profissionais do marketing, que tinham um nome específico, "teaser", para a estratégia de usar-se um anúncio envolto em mistério cuja explicação surgiria alguns dias mais adiante, ficaram por sua vez espantados com a difusão geográfica da cobertura e, simultaneamente, com a limitação do seu âmbito. Por um custo menor, ter-se-ia colocado anúncios nos jornais e nos canais por cabo, obtendo praticamente o mesmo resultado: se era verdade que havia um cansaço generalizado perante a publicidade televisiva, este tornava-se ainda maior perante a publicidade de rua, por muito imaginativa que fosse a campanha promocional. Telefonemas a conhecidos e colegas depressa revelaram dois factos aos marketeers curiosos: primeiro, ninguém sabia qual era a empresa que se encontrava por detrás da manobra; segundo, encontrava-se limitada à área de Los Angeles, e mesmo nesta, ocorria apenas no centro: nos subúrbios, como Beverly Hills, o vale de São Fernando, ou Orange County, o ambiente publicitário mantinha a normalidade. A única certeza era a de haver muito dinheiro envolvido - embora fosse uma certeza derivada mais da intuição do que da informação.
Contudo, a maioria dos habitantes, saturados de publicidade e consumismo, a atravessar uma das piores secas das últimas décadas, não granjearam os billboards com um segundo olhar, esquecendo-se da frase que dizia simplesmente
LEMBRAM-SE DE QUANDO
FOMOS LIVRES?
pois afinal poderia significar qualquer coisa: livres da corrupção no governo, livres por que tinha havido uma era de esperança social antes dos oito anos do flagelo Reagan, livres da devoração nipónica da economia, livres da SIDA, livres por que, outrora, não tinham de afastar os filhos da droga, livres por que houve um tempo em que se podia andar nas ruas descontraidamente. Um conjunto de liberdades que constituíam a imagem reflectida na parede da caverna, a imagem de sonho e desejo de uma América a quem haviam roubado a promessa de um futuro de esplendor.
Nos dias que se seguiram, os billboards multiplicaram-se. O Homem da Malboro foi substituído pela pergunta intrigante; a cara sorridente das modelos deu lugar às letras gordas e apáticas; e ao invés da juventude líquida da Coca-Cola, deparou-se a presença intemporal de uma frase solitária. Em menos de uma semana, para onde olhavam, os habitantes de L.A. viam apenas a pergunta. Estava em todos os placards, em todas as paredes, recortada contra o céu, iluminada à noite. Ser livre quando? Ser livre como?
No fim da semana, a resposta surgiu. Surgiu uma única vez, no horário nobre, em todas as estações locais de televisão. Foi difundida em simultâneo, para espanto dos próprios técnicos e directores - os canais mostraram a mesma sequência de imagens sem som: meio minuto do espancamento de Rodney King pela polícia da metrópole; três segundos de imagem da frase tal como surgia nas ruas; um minuto inteiro da revolta dos guetos nas horas que se seguiram à ilibação jurídica dos polícias envolvidos, em 1992. As últimas imagens incluíam o quase linchamento do motorista branco, Reginald Derry, transmitido para todo o mundo pela CNN. Por último, a repetição da frase, mas agora mostrada num violento branco sobre negro, quase exultante.
A reacção do gabinete do Mayor não poderia ter sido mais eficiente. Estando a assistir a um desafio da NBA, conta-se que o Mayor, James Colburn, ao ver o anúncio sofreu um choque tão violento que saltou da cadeira e precipitou-se para o telefone, começando a ligar para os seus assessores e contactos, de modo a descobrir quem estaria por detrás do feito. A mulher nunca tinha visto o marido tão enervado e apanhara um susto de proporções dantescas. Segundo as suas declarações, o marido murmurava sem parar: "não pode voltar o pesadelo, não pode voltar o pesadelo." A irmã mais nova do senador tinha morrido durante essa revolta.
As investigações apressadas de James não revelaram mais do que as dos próprios profissionais do meio, mas, no entanto, o senador colocou o pessoal disponível a tempo inteiro na busca dos responsáveis. Descobriu que as estações haviam efectuado contrato com terceiras entidades, e estas com agentes e representantes; estes últimos, por sua vez, confessariam (os poucos que se tinham mantido na cidade nas semanas seguintes) terem sido contactados por uma voz irreconhecível, após o que haviam recebido pacotes com instruções e dinheiro. As transferências bancárias dos pagamentos seriam traçadas até Singapura, o refúgio final onde a imagem de nevoeiro das falsas empresas se desvanecia na atmosfera das redes informáticas. A perseguição do Mayor não traria quaisquer proveitos, mas a sua campanha de pressão nos media levou a que estes reagissem negativamente, sensibilizados perante o perigo de se brincar com sentimentos tão dignos de respeito.