Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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27 Julho 2024

O silêncio do blogue é o silêncio da FC. Não que FC seja tudo o que existe, mas uma casa tem entrada pela porta e arejamento pelas janelas. Não que a vida seja uma casa, ainda que tenha, de algum modo, paredes e quartos, dos quais surge uma certa compartimentalização - palavra assaz demorada - à mistura da própria mistura, e entre os quais se salta com a facilidade - também dita inevitabilidade - do passar do tempo. Em casa, tudo comporta uma função, inclusive decorativa, e daqui talvez decorra a perfeita analogia com a vida. Falta equiparar o telhado, que na casa protege, mas na vida, talvez oculte: a visão do céu, de altos objetivos, pois sem nada para ver no cimo, os olhos caem inevitavelmente para o soalho, ali ficando. O telhado é assim inóspito à vida no longo prazo, que no curto, sob si se abriga. Mas não será a própria casa inóspita também, com as suas paredes e delimitações? Esta questão conduz a outra, mais reveladora: se retirarmos as paredes, e pusermos a cobaia em pleno campo aberto, não irá esta agir como se as paredes ainda existissem, dobrando esquinas invisíveis e usando uma pequena fatia de espaço para entrar e sair da cerca que não há? Pode a cobaia contrariar hábitos entranhados e adoptar outros? Claro que sim, acontece quando se tem fome e frio. O corpo pede quando a mente teme. Fome de ler, mas não há FC. Ou FC da boa, da antiga. Ou há muito de muita coisa outra. O demais é por vezes excessivo. Não pela escolha, mas porque entope e há que escoar. E depois, é disso que se fala. Sem se saber muito falar, mas fala-se. Um certo queixar de barriga cheia, também cheia de gases, mais inchada que nutrida. Outra houve, em tempos, uma FC que resolve problemas e se desfaz de obstáculos. Obstáculos, há-os em todo o lado e convém ir em frente, mesmo que se pisem calos, só para se ir. Agora não se vai, questiona-se, e ninguém decide. Falou-se, calou-se o silêncio, mas sem haver FC, na verdade, nada se disse.

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17 Fevereiro 2024

Manifesto a desfavor dos manifestos.

Não à liberdade para dizer que sim!

Não à ditadura das manhãs! Queremos dias que comecem à hora do chá, ou terminem antes de almoço; dias feitos apenas de tardes e crepúsculos. Queremos janelas entaipadas e luzes acesas até o sol ir bem no alto, e saudar com um «bom dia» quem apareça a meio do serão para o pequeno-almoço. Porque há-de a meia-noite estar condenada a acontecer em plena escuridão? Que venha às três da tarde, se lhe aprouver!

Não à prisão do espectro que submete as cores à sua ordem! Que se torne verde cor primária, e que se faça do azul, o primeiro da sequência – ou então o último –, e se ponha no centro o violeta, para lhe dar oportunidade de brilhar.

Pela emancipação das notas musicais! Faça-se cada uma, livre e solta, desligada das pautas e divorciada das escalas, senhora do seu destino, sem que a considerem um passo intermédio entre outras duas quaisquer.

Contra a hierarquia das letras, que dita quem se pode agrupar e quem jamais se junta! Torne-se o «J» vogal, ande o «T» de mãos dadas com o «F» e o «Z», ponha-se a maiúscula no final da frase em vez de no começo. E contra a exclusão dos acentos e sinais de pontuação! Que sejam considerados membros de pleno direito dos alfabetos, uma vez que contribuem em igual medida para a legibilidade dos textos.

Contra a tirania das capas que oprimem o miolo dos livros! Porque se afirmam representantes, mesmo que mintam; porque se adiantam ao texto e prometem o que nunca consentiram as respectivas palavras; porque são descartáveis e mudam de edição para edição, ou até pulam para outro livro, com a infidelidade que se lhes conhece; porque se apropriam do prestígio do fólio e se pavoneiam – apenas elas – em todos os anúncios e montras.

Façam-se porta-vozes as folhas em branco, e secundários, os títulos!

Façam-se livros só de notas de rodapé, autónomas e independentes, como há muito merecem! E em nenhuma parte destes livros se inscrevam nem se relembrem os dominadores excertos de base que a elas remetem.

Não à subserviência dos afluentes, esses fluxos menosprezados impedidos de ascender a outra categoria, como se existissem para o mero enriquecimento dos rios em que desaguam!

Contra a ditadura vertical das escadas! Porque há-de ser a horizontalidade apanágio dos passeios? Porque negar aos degraus a ondulação da vida, que, sim, sobe e desce, mas também recua e caminha em círculos? E se o universo é tridimensional, porque equacionar as subidas com sinónimos de êxito (e também lições de queda), enquanto as descidas são a temida via para os infernos?

Não à insistência dos caminhos em determinar destinos! Que seja de quem caminha a decisão de por onde ir.

Contra as curvas, por imporem desvios aos propósitos rectos e confundirem os sentidos! Por obrigarem a seguir para os lados, e por vezes retroceder, quem só pretende avançar. E nesta lógica, contra as rectas também, pela sua entediante e banal previsibilidade que não encerra mistérios nem desafia o espírito humano!

Contra o ir antes do voltar! Que tenhamos por opção chegar sem nunca termos partido.

Não às consequências! Sem estas críticas sentenciosas, todos os actos seriam puros, inocentes, ingénuos ou inspiradores.

A favor da transitoriedade dos nomes pessoais! Porque manter o nosso nome – um nome imposto por outros, antes de se dominar sequer o dom da fala – ao longo de uma vida que, por definição, não é imutável? Varie o nome ao sabor das etapas da vida, dos gostos, humores, ideias, ou das simples horas do dia.

Não aos guarda-chuvas, às galochas e sobretudos! Não às sandálias e aos fatos de banho! Não às camisolas e às saias e às calças! Não à roupa em geral, que se intromete na conversa entre o corpo e a natureza de onde nasceu.

Em defesa do desfecho desgarrado, da conclusão finalmente solta dos argumentos, do final sem início! Que possam mostrar o seu valor, saindo da sombra de tudo o que os precede e que nem sempre lhes faz jus.

Contra a exclusão do que se omite! Porque no pouco está o todo, e no pequeno está o grande, tal como está no pequeno e em tudo de intermédio, e que, não sendo dito e considerado, sedentário se torna, e logo esquecido, e logo incompleto.

E por fim, não a tudo o que atrás foi dito! Que venha o fim das imposições e o descasar dos átomos e a exploração infinita do individual, na consagrado mistura a livre palavras novo que alcançar um das sentido consiga mundo para justo verdadeiramente!

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