Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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03 Janeiro 2020

Entre 2016 e 2017 publiquei no sítio da Imaginauta uma pequena coluna intitulada Devaneios com URL, em que reunia um conjunto de hiperligações online e o revestia com um texto orientador para promover a leitura. Este trabalho vinha no seguimento de uma participação mais assídua, na Trëma, no início da década, que procurou também reunir o que se ia dizendo a respeito da Ficção Científica, em sítios portugueses, brasileiros e alguns não lusófonos. Mas o esforço despendido para estes exercícios não é menosprezável, e por fim acabou por não compensar o resultado, pois não perdura no tempo: sendo precisamente a hipernavegação que o justifica, não só depende da permanência das referidas referências (e muitas ligações vão desaparecendo com os anos, fenómeno comprovável numa significativa percentagem de textos deste próprio «Efeitos Secundários» da década passada), como impossibilita a sua transposição para papel. E o que não é transponível para papel, infelizmente não tem qualquer garantia de sobrevivência. Daí que, numa tentativa de reavivar este blogue (que precisa de um makeover radical), recupero a indicação de algumas leituras mas numa chamada de atenção mais básica, que é outra forma de dizer preguiçosa. Talvez recupere um Devaneios quando a ocasião o justificar.

  • Um breve comentário em espanhol sobre os Despojados, de Le Guin.
  • A Cristina Alves realiza uma sumária, mas importante, reminiscência pessoal sobre a Ficção Especulativa (*) em Portugal, em duas partes. Aqui se confirma como a dinâmica do género passa, no nosso país, mais por eventos, por manifestações efémeras (que só recentemente começam a ficar com registo gravado), e menos por substância material, publicável, reproduzível (não obstante haver excepções, que as há, e boas, do online à prosa à banda desenhada).
  • Uma das poucas críticas à antologia O Resto é Paisagem (que merecia mais críticas).
  • Crítica à imprescindível antologia Fractais Tropicais, organização de Nelson de Oliveira, acompanhada de entrevista com o próprio – um caleidoscópio elucidativo com os autores e matérias das três ondas (gerações) da Ficção Científica brasileira. Algo que gostaria de poder reproduzir com a FC portuguesa.
  • Também do Brasil, crítica ao Infinito em Pó de Luís Giffoni, mais uma obra dessa FC tão linguísticamente próxima de nós mas tão (economica e logisticamente) distante, pela inexistência de um intercâmbio editorial prático e eficaz entre os dois países.

(*) termo que odeio, e que infelizmente se tem disseminado entre as nossas camadas mais jovens, englobando indiscriminadamente propostas narrativas de novos autores portugueses que se inserem, na prática, nas tradições sobejamente conhecidas da ficção científica (de matriz utópica) e da fantasia/fantástico (de matriz mítico-épica) - as quais se perdem na designação «comercialmente correta» (porque tenta agradar aos gregos e troianos dos dois tipos de leitores, para poder vender a todos) de Ficção Especulativa.

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02 Janeiro 2020

Do fundo dos arquivos, eis a crítica de Vítor Quelhas ao Futuro à Janela, na edição do Expresso de 28 de Março de 1992, pág. 28, na secção «Livros - Ficção»:

«... levo uma criança no ventre


chama-se Humanidade


e eu sou o seu sonho...»


L.F.S.


 

É sempre uma surpresa receber notícias desse mundo quase secreto e paralelo que é a ficção científica portuguesa. Dada a sua natureza tangencial à «literatura oficial», dir-se-ia que a FC lusa faz parte de um cenário «sui generis» por ela própria criado, ficando, assim, cativa, como tem acontecido, das suas ficções, práticas e mitos específicos.

Há, no entanto, sinais de mudança. O Futuro à Janela, de Luís Filipe Silva, é felizmente, mais um sintoma (a par de outros chamados Daniel Tércio, Isabel Cristina Pires, João Aniceto ou Bráulio Tavares) de que esta geração emergente da ficção científica portuguesa pretende distanciar-se literariamente do anonimato cúmplice, tão característico dos círculos de amigos e entendidos, fazendo, portanto, uma aposta forte no contacto com a critica e com um público leitor alargado.

Apesar de O Futuro à Janela conter ainda as marcas de uma certa procura dentro do género e ser, até certo ponto, vitima do isolamento cultural a que tem sido votada a ficção científica portuguesa, Luís Filipe Silva revela-se como um autor ousado e inventivo, capaz de produzir, de futuro, uma obra sem dúvida promissora.

Quanto a esta antologia de contos, é, no seu conjunto, bastante desigual. Nela, há de tudo, desde contos bastante bem conseguidos (raros, diga-se de passagem) até ao mais elementar experimentalismo. Talvez por isso mesmo o seu mérito resida, antes de mais, na possibilidade de a FC nacional assumir mais um rosto e ousar sair novamente do gueto, tornando-se, assim, vulnerável perante quem a lê, gesto que, pelas suas consequências práticas, potencializa obviamente a sua força latente.

É preciso dizer, a propósito, que embora não resista à comparação com o melhor que se tem escrito no campo da ficção científica universal, o melhor da produção portuguesa situa-se, contudo, numa posição relativamente honrosa, se comparada como que existe de mais fraco vindo do punho de conhecidos autores do género. Ora, isto já é, ao que tudo indica, um excelente indício.

Apesar de padecer ainda das habituais maleitas decorrentes da «doença infantil» da literatura «engagée», a qual consiste basicamente na tentação de debitar preceitos e verdades que raiam, por vezes, o militantismo elementar e o lugar comum, o livro de Luís Filipe Silva suscita curiosidade, prazer e emoção, conforme os contos.

Destaquem-se, entre os ao mais significativos, Criança Entre as Ruínas (o mundo da infância, o holocausto e a compaixão), O Jogo do Rato e do Gato (o humano visto com os olhos de uma civilização alienígena, que poderia ser perfeitamente o olhar do colono perante o colonizado ou do carrasco perante a vítima), Pequenos Prazeres Inconfessáveis (o território proibido do prazer e da dor, da infinita amargura que nem a morte consegue redimir...)

O Futuro à Janela é um livro inteligente, prenhe de virtualidades. Vale a pena, acima de tudo, pelo que representa — uma indiscutível promessa.

(Ed. Caminho, 1991, 208 págs., 540$00)

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