Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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02 Janeiro 2020

Do fundo dos arquivos, eis a crítica de Vítor Quelhas ao Futuro à Janela, na edição do Expresso de 28 de Março de 1992, pág. 28, na secção «Livros - Ficção»:

«... levo uma criança no ventre


chama-se Humanidade


e eu sou o seu sonho...»


L.F.S.


 

É sempre uma surpresa receber notícias desse mundo quase secreto e paralelo que é a ficção científica portuguesa. Dada a sua natureza tangencial à «literatura oficial», dir-se-ia que a FC lusa faz parte de um cenário «sui generis» por ela própria criado, ficando, assim, cativa, como tem acontecido, das suas ficções, práticas e mitos específicos.

Há, no entanto, sinais de mudança. O Futuro à Janela, de Luís Filipe Silva, é felizmente, mais um sintoma (a par de outros chamados Daniel Tércio, Isabel Cristina Pires, João Aniceto ou Bráulio Tavares) de que esta geração emergente da ficção científica portuguesa pretende distanciar-se literariamente do anonimato cúmplice, tão característico dos círculos de amigos e entendidos, fazendo, portanto, uma aposta forte no contacto com a critica e com um público leitor alargado.

Apesar de O Futuro à Janela conter ainda as marcas de uma certa procura dentro do género e ser, até certo ponto, vitima do isolamento cultural a que tem sido votada a ficção científica portuguesa, Luís Filipe Silva revela-se como um autor ousado e inventivo, capaz de produzir, de futuro, uma obra sem dúvida promissora.

Quanto a esta antologia de contos, é, no seu conjunto, bastante desigual. Nela, há de tudo, desde contos bastante bem conseguidos (raros, diga-se de passagem) até ao mais elementar experimentalismo. Talvez por isso mesmo o seu mérito resida, antes de mais, na possibilidade de a FC nacional assumir mais um rosto e ousar sair novamente do gueto, tornando-se, assim, vulnerável perante quem a lê, gesto que, pelas suas consequências práticas, potencializa obviamente a sua força latente.

É preciso dizer, a propósito, que embora não resista à comparação com o melhor que se tem escrito no campo da ficção científica universal, o melhor da produção portuguesa situa-se, contudo, numa posição relativamente honrosa, se comparada como que existe de mais fraco vindo do punho de conhecidos autores do género. Ora, isto já é, ao que tudo indica, um excelente indício.

Apesar de padecer ainda das habituais maleitas decorrentes da «doença infantil» da literatura «engagée», a qual consiste basicamente na tentação de debitar preceitos e verdades que raiam, por vezes, o militantismo elementar e o lugar comum, o livro de Luís Filipe Silva suscita curiosidade, prazer e emoção, conforme os contos.

Destaquem-se, entre os ao mais significativos, Criança Entre as Ruínas (o mundo da infância, o holocausto e a compaixão), O Jogo do Rato e do Gato (o humano visto com os olhos de uma civilização alienígena, que poderia ser perfeitamente o olhar do colono perante o colonizado ou do carrasco perante a vítima), Pequenos Prazeres Inconfessáveis (o território proibido do prazer e da dor, da infinita amargura que nem a morte consegue redimir...)

O Futuro à Janela é um livro inteligente, prenhe de virtualidades. Vale a pena, acima de tudo, pelo que representa — uma indiscutível promessa.

(Ed. Caminho, 1991, 208 págs., 540$00)

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01 Janeiro 2020

A declaração de princípios que rege cada evento cultural e que normalmente lhe está na origem, por vezes subentendida, foi, no caso da primeira edição dos Encontros de Cascais de Ficção Científica, tornada explícita pela publicação de um manifesto (creio que da minha autoria) presente num certo «Diário da Periferia» - uma página A4 em formato jornal, distribuída gratuitamente, com curiosidades e a agenda que tencionava acompanhar todos os dias do evento (acompanhou dois ou três). Eis o que surgiu no número que inaugural, no distante 25 de Setembro de 1996:

Manifesto

Onde se esclarece por que foi escolhida a galinha dos ovos de ouro como prato principal do festim

Ser leitor de Ficção Científica em Portugal é aceitar com passividade as más traduções, as publicações ocasionais, as encadernações baratas, as capas de mau gosto, as obras datadas e quase esquecidas, a ignorância dos editores relativamente ao que de moderno se está a fazer lá fora, a condição de isolamento, as livrarias que se recusam a ter o material, e o franzir desdenhoso do intelectual de café quando nos descobre a praticar o pecado da leitura por prazer.

Ser escritor de Ficção Científica em Portugal é aceitar com menos passividade mas pouco resultado o desprezo da maioria das editoras, o relegar para edições de bolso, o habitar das prateleiras mais escondidas das livrarias, bem longe do olhar das obras dos escritores «decentes» e dos olhares dos leitores com um mínimo de «bom gosto», a falta de divulgação, o desconhecimento dos críticos e o afastamento cultural.

Ser simplesmente apreciador de Ficção Científica em Portugal é não ter sequer hipótese de formar uma opinião informada, é não ter direito ao mau gosto porque não lhe são dadas quaisquer alternativas de escolha. Aqueles que não têm remédio, optam pelos filmes e pelas séries, e serão eternamente pobres na escolha que fizeram.

Isto tem de acabar.

Porque a Ficção Científica é a literatura do século XX, criada e desenvolvida como reacção ao progresso e à incerteza da mudança.

Porque a Ficção Científica não tenta apenas precaver o futuro, é a única forma de arte a tentar compreender o presente.

Porque a Ficção Científica é mais do que mais uma forma de literatura: é uma manifestação cultural com identidade e linguagem próprias, e para muitos, é uma filosofia de vida.

Porque a Ficção Científica alia a razão com o mito, e logo está melhor preparada para compreender o ser humano.

Porque a Ficção Científica forma uma comunidade a nível mundial, e Portugal não se encontra presente.

Porque a Ficção Científica não aceita intelectualismos nem atitudes de intolerância cultural: o seu horizonte estende-se a todas as sociedades, a todas as raças e culturas, e nas duas direcções da seta do tempo, em direcção ao infinito.

Porque a Ficção Científica não existe em tomos bolorentos dentro de sótãos fechados: usa o universo inteiro como pátio de recreio.

Porque a Ficção Científica não se leva demasiado a sério.

Estes são os Primeiros Encontros De Ficção Científica E Literatura Fantástica de Portugal. Perfeitamente assumidos e sem vergonha de o ser.

São encontros literários com ramificações para as outras artes, para não esquecer que, ao contrário de certas crenças, não existiriam hoje filmes ou jogos ou banda desenhada ou brinquedos para as crianças ou sequer uma atitude descontraída e até curiosa sobre o futuro se não existisse uma literatura adulta e consciente de si própria, que servisse de referência e identidade aos amantes da Ficção Científica a nível mundial.

São encontros destinados aos que amam e aos que odeiam aos que são indiferentes e aos que nunca ouviram falar.

Sejam, portanto, bem-vindos ao nosso festim. Garantimos que o prato principal é uma especialidade.

Os Autores

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