Exposição Prolongada à Ficção Científica  

   um blog de Luís Filipe Silva


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16 Outubro 2010

Lembro-me De Notar, Uma Noite, num bar, um casal muito jovem que conversava na mesa ao lado. Era a primeira saída em conjunto, ou uma das primeiras, pela distância respeitável entre os dois e pelo alheamento completo ao que os rodeava. Duas pessoas em busca daquele momento de contacto único que é tão igualmente sólido e efémero. Não me teriam chamado a atenção nem ficado na memória se não fosse a particular situação da conversa. Estavam demasiado longe para perceber o que diziam, mas o rapaz conversava animadamente, e ela ouvia. O rapaz gesticulava e olhava para além dela, imerso nos pensamentos, e ela anuia com um ligeiro movimento da cabeça, bonita e delicada; o cabelo comprido, muito direito, mal se mexia, e assentava a cara na mão direita. Os olhos não o largavam. Não falava, apenas ouvia. O rapaz, por sua vez, mostrava-se convicto, ainda que não mostrasse emoção. Não seriam, assim, palavras de confissão de um episódio da sua vida ou de pensamentos privados, mas um manifestar de opiniões. Opiniões que não pareciam dizer muito à rapariga, pois não reagia a elas, apenas a ele; queria mostrar-se atenta, queria agradar-lhe, queria que ele a visse. Gostava dele. Um homem não precisa de sair muitas vezes com raparigas para ficar a conhecer os sinais de quando se sentem enfadadas, bem como todos os truques com que, mais ou menos respeitosamente, tentam escondê-lo. Aquele rapaz, aparentemente, ainda não tinha percebido isso. Ali estava, despejando o íntimo, que não seria mais original que o íntimo das outras pessoas do bar e do resto do mundo - pensando, talvez, que estava a mostrar-se eloquente ou inteligente ou interessante, e que assim impressionaria a miúda - sem abrir os olhos e descobrir que não precisava de dizer nada, que lhe ficaria melhor dizer banalidades ou fazer comentários sobre a sua beleza ou sobre a magia do momento, talvez tocar-lhe na mão. Sem perceber a oferta que lhe estava a ser dada, por que era uma oferta de silêncio. Ela não sabia, naquele momento, mostrar-lho de outra forma, e ele não era capaz de perceber. Corriam o risco de terminar o encontro em embaraço e desilusão, havendo uma tão grande oportunidade de se encontrarem. Seria tão simples. Bastava apenas, a ele, calar-se, e a ela, dizer o que sentia.

A idade ajuda-nos a perceber que, nestas coisas de paixões, subjacente a qualquer discussão, a qualquer troca animada de opiniões, existe o interesse. Ninguém é abandonado ou fica só, que não venha a perceber que o debate é um sinal de amor. É um sinal de vida. É uma evidência de que há motivos para continuar. No fim o que nos mata é a apatia.

Lembrei-me deste episódio no seguimento deste desabafo. A autora é responsável editorial de uma das editoras que mais tem apostado no género e há muitos anos que ajuda a organizar o Fórum Fantástico - ambas as funções a levam a contactar com o que de bom e de mau há no fandom. Entendo a frustração (por que de frustração se trata) por que entendo o percurso emocional que traçou. Entendo o estado de espírito por que já o senti. Já ali estive, e ocasionalmente ali retorno. Participar neste meio é estar preparado para embater contra dificuldades e posturas adversas. E acima de tudo, salvaguardar expectativas.

Mas, ao contrário de sentir desânimo pelo acontecimento descrito, senti contentamento. Não pelo sucedido, mas pela discussão gerada. A Safaa é uma geração mais nova do que eu, e outros que se manifestaram nos comentários talvez sejam ainda mais novos. Entre indignações e galhardetes e inevitáveis ataques pessoais, todos se sentiram pertencentes ao meio, e por isso atingidos. Só este género literário desperta tais paixões. Só este género continua a despertá-las. O meu género, o género que escolhi, ou que me escolheu. Enquanto isto acontecer, vale a pena defendê-lo, não estará morto. A plateia pode ter estado vazia naquela tarde, mas cá fora os fãs ainda aguardam.

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13 Outubro 2010

Antes Que Fizesse Desta Iniciativa o meu habitual silêncio, e porque já percorre a internet, eis a publicidade necessária ao colóquio Mensageiros das Estrelas, que espero sinceramente se torne num acontecimento complementar e indispensável aos outros (poucos) encontros de fantástico do nosso país. Acontece novamente em Lisboa, o que entendo seja desagradável para quem habite longe da capital, mas o centralismo de meios e oportunidades, como todos sabem, é uma infeliz condição do país e não uma teimosia do género. Aqui fica o incentivo para que os clubes e associações locais organizem as suas próprias festas do fantástico noutras zonas (por que não nas Ilhas, por exemplo?).

O anúncio contém um breve mas necessário enquadramento com o Fórum Fantástico e com a (talvez já não tanto) pequenez do meio nacional. Diga-se de passagem que o contacto mencionado entre os dois eventos é estreito, sendo que a Safaa Dib é elemento organizativo de ambos. O colóquio do Centro de Estudos Anglisticos, a meu ver, apresenta uma vertente académica bastante mais acentuada que o habitual no Fórum, o que o torna diferente e imprescindível, oferecendo assim uma oferta complementar e não sobreposta (até os convidados estrangeiros são distintos). O que importa destacar é que o Mensageiros não se procura ser, consciente ou inconscientemente, uma extensão ao Fórum nem uma forma de antecipar os acontecimentos do mesmo, ainda que (mais por constrangimento de disponibilidade dos participantes e dos meios logísticos do que por propósito) ambos ocorram a poucas semanas um do outro. Nem o Fórum será um revisitar ou remastigar de temas já abordados. Ainda que desconheça o conteúdo e programação do Fórum deste ano, é de esperar uma continuidade do trabalho desenvolvido desde 2004, com particular incidência na divulgação dos trabalhos nacionais, numa luta contra o desconhecimento e a falta de promoção, e na inclusão de temas e criadores, procurando evitar temas e preferências que fossem contra a necessidade de divulgação.

Se tivermos de escolher entre reflexão e divulgação, creio que o predomínio inconsciente, inclusive missionário, de quem organiza - consciente de que o meio é pequeno e precisa de desenvolver-se - será a da divulgação, deixando a reflexão para quando existir obra suficiente. E como o tempo e os meios são escassos, por vezes ocorrerá uma maior incidência sobre a divulgação e um menor contacto com a academia. Na maioria das vezes, esta incidência será acidental e ocasional, fruto das circunstâncias e das decisões à última da hora. Penso que o Fórum Fantástico tem tido um trabalho excepcional e até certo ponto inglório nesta divulgação, e que tem cumprido para além das expectativas. Se concordo com a exposição de determinadas obras e modas editoriais, antes de se consolidarem num padrão mínimo de qualidade literária? Não - porque prejudica o meio e, no fim, o próprio evento; mas aceito e entendo e aplaudo o esforço de divulgação e inclusão do todo, deixando democraticamente ao público a escolha do bom.

Resumidamente, se o Fórum Fantástico não existisse, não seria possível fazer-se um colóquio como o Mensageiros nos moldes em que são propostos. Ou, se se fizesse, iria cair-se no umbiguismo dos encontros da Simetria, cuja linguagem especializada não tinha correspondência no público-leitor. Para o bem e para o mal, não somos um país com uma tradição firme de fantástico. Entenda-se isto de uma vez por todas. Pedimos emprestado aos outros os moldes pelos quais imaginamos e concebemos estes mundos. E sem esta tradição, não há exigência que lhe valha. Vou repetir: (ainda) não temos um público exigente. Ainda não aprendeu a sê-lo. Iniciámos no ano 2000 um percurso nacional de descoberta do género que ignoro se terá continuidade quando o mercado internacional desviar a atenção para outras tendências. Se fizermos uma comparação, estamos na era do pulp. A audiência é jovem e impressionável, no bom sentido, aceita o que é produzido e sente que é seu dever patriótico incentivar a produção interna, e apenas uma pequena percentagem se preocupa em obter referências internacionais e fazer comparações. Esta percentagem, contudo, não influencia as vendas nem enche as salas dos encontros. Eis uma evidência impossível de ignorar.

Mas a alternativa de cruzar os braços e aceitar o destino também não é desejável. Espero que a oportunidade dada pelo Centro de Estudos Anglísticos este ano, de se debater e pensar o fantástico com a perspectiva académica, consiga despertar numa fasquia do público essa necessidade de conhecer e descobrir o vasto universo existente para além das modas e das edições nacionais, sempre dependentes da triagem empresarial.

UPDATE: na versão anterior deste texto, havia uma referência ao cartaz alternativo do evento, que não era um desmerecimento do cartaz oficial nem uma comparação de qualidade (a qual nem se aproxima do mesmo), mas tão-somente uma preferência por uma ilustração com uma sugestão ficcional, que me fez pensar nas capas das edições francesas e no primeiro cartaz dos encontros de Cascais (autoria de Diniz Conefrey). Aqui também existirá, quiçá, algum saudosismo. Como a alternativa estaria a ser promovida pela organização do colóquio, a par do cartaz oficial, senti que não haveria problemas em torná-la pública, em jeito de comentário final. Esta situação mudou, aparentemente, e isso levou-me a também eliminar a afirmação - perfeitamente irrelevante no contexto crucial do estado da arte do género e sobre o qual devemos efectivamente concentrar as nossas energias de argumentação.

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